RELENDO a Literatura III Profa Solange Medina Ketzer

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RELENDO a Literatura III Profa. Solange Medina Ketzer Maio de 2008

RELENDO a Literatura III Profa. Solange Medina Ketzer Maio de 2008

A LITERATURA NOS LEVA PARA OUTRAS PARAGENS E NOS FAZ VOLTAR E PENSAR NO

A LITERATURA NOS LEVA PARA OUTRAS PARAGENS E NOS FAZ VOLTAR E PENSAR NO NOSSO LUGAR NO MUNDO. Maria Tereza Amodeo

A FICÇÃO PODE ANTECIPAR A REALIDADE.

A FICÇÃO PODE ANTECIPAR A REALIDADE.

Porteira fechada (1944) Cyro Martins

Porteira fechada (1944) Cyro Martins

Quem é o Autor?

Quem é o Autor?

n Cyro dos Santos Martins nasceu em 5 de agosto de 1908, em Quaraí

n Cyro dos Santos Martins nasceu em 5 de agosto de 1908, em Quaraí – RS e faleceu em 15 de dezembro de 1995, em Porto Alegre. n Escreve seus primeiros artigos e contos aos 15 anos. n Deixa um legado de mais de 20 obras publicadas. n Médico psicanalista, atuou até os últimos dias de vida. n Teve três filhos: Maria Helena, Cecília e Cláudio.

Cyro Martins e o contemporâneo Mario Quintana

Cyro Martins e o contemporâneo Mario Quintana

A Produção Literária de Cyro Martins § Campo Fora - 1934 § Sem Rumo

A Produção Literária de Cyro Martins § Campo Fora - 1934 § Sem Rumo – 1937 * § Enquanto as Águas Correm – 1939 § Mensagem Errante – 1942 § Porteira Fechada – 1944 * § Estrada Nova – 1954 * § A Entrevista - 1968, Sulina § Rodeio - Estampa e Perfis 1976 § Sombras na Correnteza - 1979 § A Dama do Saladeiro – 1980 § O Príncipe da Vila - 1982 § O Mundo em que Vivemos – 1983 § Gaúchos no Obelisco - 1984 § A Mulher na Sociedade Atual (ensaio) - 1984, Movimento § Na Curva do Arco-Íris - 1985 § O Professor - 1988, Movimento § Para Início de Conversa (memórias) - 1990 § Um Sorriso para o Destino – 1991 § Caminhos - 1993 § Páginas Soltas - 1994 * Romances que compõem a Trilogia do Gaúcho a Pé.

Cyro Martins sobre a civilização ocidental: “A civilização ocidental, através de grandezas, acertos, erros

Cyro Martins sobre a civilização ocidental: “A civilização ocidental, através de grandezas, acertos, erros e miséria, nos colocou às portas de uma tomada de consciência humanística, que compreende uma conotação trágica e que deverá levar os homens mais esclarecidos a repensar o nosso entusiasmo pelos milagres da técnica, tão fabulosos e arrebatadores que obscurecem a suprema obra da natureza, a unidade mente-corpo, denominada homem”. O mundo em que vivemos (1983)

Cyro Martins sobre sua criação: “Quero ressaltar o quanto me surpreendi ao descobrir os

Cyro Martins sobre sua criação: “Quero ressaltar o quanto me surpreendi ao descobrir os rincões inexplorados da minha terra, à medida que troteava rumo ao fundo de mim mesmo. ” Série Autores Gaúchos – IEL

O Romance n narrativa longa n personagens, tempo, espaço n narrador que adota um

O Romance n narrativa longa n personagens, tempo, espaço n narrador que adota um regime de focalização para contar a história

Conto Uma célula dramática Novela Sucessividade de células dramáticas Romance Complexidade de células dramáticas

Conto Uma célula dramática Novela Sucessividade de células dramáticas Romance Complexidade de células dramáticas

Cyro Martins no romance Porteira Fechada: n explora fenômenos sociais da primeira metade do

Cyro Martins no romance Porteira Fechada: n explora fenômenos sociais da primeira metade do século XX: a decadência da aristocracia rural, a emergência do proletariado urbano, o êxodo rural, que levam muitos indivíduos à marginalização, à exclusão, à miséria; n mostra as dificuldades para fixar o homem ao campo; n revela as mazelas do homem do campo que migra para o meio urbano;

n mostra a marginalização do gaúcho em oposição à visão do espírito aventureiro e

n mostra a marginalização do gaúcho em oposição à visão do espírito aventureiro e guerreiro, corajoso e agressivo; n rompe com o regionalismo tradicional ao denunciar injustiças sociais; n desconstrói o mito do gaúcho (centauro dos pampas, monarca da coxilhas); n apresenta uma visão do homem do campo diferente da abordagem feita por Simões Lopes Neto, Alcides Maya e Darcy Azambuja; n expressa a trajetória do “gaúcho a pé”.

A Trilogia do Gaúcho a Pé n expressão utilizada pela primeira vez, em 1935,

A Trilogia do Gaúcho a Pé n expressão utilizada pela primeira vez, em 1935, em conferência proferida em Quaraí; n composta pelos romances: – Sem rumo (1937) Chiru: peão/Estância do Silêncio – Porteira Fechada (1944) João Guedes: arrendatário/Estância do Salso – Estrada nova (1954) Coronel Teodoro: proprietário rural/Estância Velha

“. . . pude seguir de perto e curtir a dolorosa decadência do nosso

“. . . pude seguir de perto e curtir a dolorosa decadência do nosso campeiro, o homem comum do campo, não o patrão e seus familiares, naturalmente. Não irei me repetir. Talvez os senhores conheçam a expressão "gaúcho a pé", que há quase cinqüenta anos cunhei e venho usando como bandeira reivindicatória. Trata-se duma expressão abreviada e metafórica que alude aos efeitos de transformação sofrida pelo campeiro rio-grandense, devida ao deslocamento forçado pelas alterações do gênero de vida que ocorreram no seu ambiente natural. Essa situação acelerou-se nos últimos sessenta anos, mas o processo social já vinha de mais longe, conforme podemos constatar no romance Ruínas Vivas, de Alcides Maya, publicado em 1907” Trecho “Antecedentes do gaúco a pé”, a crônica de Cyro Martins Rincão da Cruz, Uruguaiana, Rio Grande do Sul, Brasil

A Expressão do Gaúcho a Pé na Música Desgarrados Sérgio Napp e Mario Barbará

A Expressão do Gaúcho a Pé na Música Desgarrados Sérgio Napp e Mario Barbará Dorneles Eles se encontram no cais do porto pelas calçadas, Fazem biscates pelos mercados, pelas esquinas, Carregam lixo vendem revistas, juntam baganas, E são pingentes nas avenidas da capital. Eles se escondem pelos botecos entre os cortiços, E pra esquecerem contam bravatas, velhas histórias. Então são tragos muitos estragos por toda noite, Olhos abertos o longe é perto, o que vale é o sonho.

Refrão: Sopram ventos desgarrados carregados de saudade, Viram copos, viram mundos, Mais o que

Refrão: Sopram ventos desgarrados carregados de saudade, Viram copos, viram mundos, Mais o que foi, nunca mais será Mais o que foi , nunca mais será. Cevavam mate, sorriso franco, palheiro aceso, Viravam brasas, contavam casos polindo esporas, Geada fria, café bem quente, muito alvoroço. Arreios firmes e nos pescoços lenços vermelhos.

Jogo do osso, cana de espera e o pão de forno, O milho assado,

Jogo do osso, cana de espera e o pão de forno, O milho assado, a carne gorda e a cancha reta, Faziam planos e nem sabiam que eram felizes, Olhos abertos o longe é perto o que vale é os sonhos. Sopram ventos desgarrados carregados de saudade, Viram copos, viram mundos, Mais o que foi, nunca mais será Mais o que foi , nunca mais será.

Jogo do osso, cana de espera e o pão de forno, O milho assado,

Jogo do osso, cana de espera e o pão de forno, O milho assado, a carne gorda e a cancha reta, Faziam planos e nem sabiam que eram felizes, Olhos abertos o longe é perto o que vale é os sonhos. Sopram ventos desgarrados carregados de saudade, Viram copos, viram mundos, Mais o que foi, nunca mais será Mais o que foi , nunca mais será.

Porteira fechada: abrindo o caminho do texto

Porteira fechada: abrindo o caminho do texto

A Personagem Central: João Guedes n vive na periferia de Boa Ventura após a

A Personagem Central: João Guedes n vive na periferia de Boa Ventura após a expulsão da Estância dos Salsos; n não consegue trabalho adequado às suas aptidões; n deixa de conviver com animais; n resta-lhe apenas o cão; n divide-se entre o chimarrão e a cachaça; n perde a convivência com amigos; n torna-se solitário;

n despoja-se gradativamente de termos próprios do linguajar do gaúcho; n descaracteriza-se dos trajes

n despoja-se gradativamente de termos próprios do linguajar do gaúcho; n descaracteriza-se dos trajes típicos do gaúcho; n perde gradativamente o espírito de luta; n vende o cavalo os arreios, o pelego; n rouba ovelhas para sobreviver; n degrada-se moralmente.

Outras Personagens n Júlio Bica (fazendeiro ganancioso que amplia suas terras incorporando a área

Outras Personagens n Júlio Bica (fazendeiro ganancioso que amplia suas terras incorporando a área de Bentinho) n Zulmira (esposa de Júlio Bica) n Bentinho (fazendeiro que se suicida após entregar a área a Júlio Bica por não conseguir honrar o empréstimo) n Luiza (esposa de Bentinho) n Capitão Fagundes (bolicheiro) n Fausta (mulher de Fagundes) n Maria José (esposa de João Guedes)

n Isabel, Aurora, Picucha, Tita e Lelo (filhos de João Guedes e Maria José)

n Isabel, Aurora, Picucha, Tita e Lelo (filhos de João Guedes e Maria José) n Coronel Ramiro (político influente) n Querubina (prima rica de Maria José) n Oscar (marido de Querubina) n Gertrudes (curandeira) n Alcides Viana (advogado e jornalista) n Orlando (médico) n Herculano (prefeito)

A História João Guedes, homem de idade mediana vive a campanha já transformada pela

A História João Guedes, homem de idade mediana vive a campanha já transformada pela dissolução dos laços comunais em que o patrão é o padrinho e protetor dos que trabalham para a manutenção e ampliação de seus bens. Momento de acelerada concentração da propriedade da terra no Rio Grande do Sul, devido à insolvência de alguns pecuaristas junto a instituições bancárias que, impossibilitados de pagar os empréstimos a juro baixo e prazo longo concedidos pelo governo, ou mesmo por particulares que exploram tal tipo de negócio, obrigam-se a entregar suas áreas a esses particulares ou aos bancos, sendo posteriormente arrematadas por grande fazendeiros.

A Crise da Pecuária A crise no setor deve-se ao fato de a pecuária,

A Crise da Pecuária A crise no setor deve-se ao fato de a pecuária, indiretamente, subsidiar a indústria nacional, constituindo uma economia periférica e de baixa rentabilidade. Soma-se a isso o encarecimento do preço da terra e dos arrendamentos causados pelo desenvolvimento das lavouras de trigo e arroz que incorporam a mecanização. Essa mudança repercute sobre toda a estrutura agropecuária gaúcha, sobretudo na área colonial serrana. Na campanha, ela ocorre em menor escala, já que o cultivo desses produtos ainda se restringe a pequenas e médias propriedades.

Uma História que se confunde com Outras Histórias “João Guedes, um dos assíduos freqüentadores

Uma História que se confunde com Outras Histórias “João Guedes, um dos assíduos freqüentadores do bolicho do capitão, mudara-se da campanha havia três anos. Três anos de pobreza na cidade bastaram para o degradar. Ao morrer, não tinha vintém nos bolsos e fazia dois meses que saíra da cadeia, onde estivera preso por roubo de ovelha. A história da sua desgraça se confunde com a da maioria dos que povoam a aldeia de Boa Ventura, uma cidadezinha distante, triste e precocemente envelhecida, situada nos confins da fronteira do Brasil com o Uruguai. Essa história começou numa manhã, no tempo em que João Guedes ainda era morador da campanha. ”

A Vida Feliz no Campo “Levantara, como de costume, ao clarear do dia. Logo

A Vida Feliz no Campo “Levantara, como de costume, ao clarear do dia. Logo ao pisar fora da porta, foi festejado pelo Amigo, um cusquinho malhado, já velhusco e trôpego, mas se conservando ladino e de confiança. Ao contacto da aragem fina, estirou os braços e bocejou, estralando as juntas, num espreguiçamento que foi uma desajeitada e agreste saudação à aurora. Depois agradou o companheiro de madrugadas. - Buenas, Amigo!”

A Expulsão do Campo “Júlio Bica era dos fazendeiros mais fortes do município e

A Expulsão do Campo “Júlio Bica era dos fazendeiros mais fortes do município e homem muito falado. Vinha se expandindo assombrosamente nos últimos tempos, a ponto de dobrar a extensão de campo em pouco mais de dois anos. Sendo moço e ambicioso, imaginava-se aonde poderia chegar se continuasse nesse tranco. Chuparam uns mates em silêncio. Guedes não achava o que dizer, o que outro aguardava um “a propósito”. Finalmente, entesando o peito no conforto do casaco de couro e com um ar de broma de quem quer usar de franqueza sem constranger, o fazendeiro tocou em cheio no assunto. - Então, já sabe que lhe botei pra fora daqui? ”

A Incerteza sobre o Futuro “Sim se o negócio estava fechado. . . O

A Incerteza sobre o Futuro “Sim se o negócio estava fechado. . . O que poderia fazer? Procurar campo, tratar de mudança, raspar-se dali! Pra onde é que era! Estava tão aquerenciado naquele lugar , que nem sabia de que jeito haveria de montar a cavalo e sair pelo mundo a campear morada nova. ”

A Tentação do Roubo “A vista dos capões gordos dava-lhe cobiços. A tentação se

A Tentação do Roubo “A vista dos capões gordos dava-lhe cobiços. A tentação se repetia. A respiração entrecortou-se-lhe. O coração bateu desencontrado, como um cavalo que desmancha o galope. Uma vergonha o que estava pensando! No entanto, sentia-se de novo arrastado pela tendência má ao longo do declive escorregadio. Repugnava-lhe o roubo. Mas, se chegasse em casa sem um pedaço de carne, sabia de antemão o que lhe havia de suceder. ”

A Degradação “Uma súbida fresta sulcou-se-lhe no pensamento, clareando o seu passado de inteireza

A Degradação “Uma súbida fresta sulcou-se-lhe no pensamento, clareando o seu passado de inteireza moral, como uma tira de sol, em dia sombrio, que se abre de repente sobre os campos. Pareceu-lhe divisar, na distância que a fantasia alongava, engueirando-se por entre as paredes esboroadas da tapera que havia pouco avistara de longe, um fantasma, uma aparição de alma do outro mundo, a figura dum João Guedes defunto, mas dum João Guedes homem de bem, com o assomo da retidão no semblante. Pressentimentos funestos, aterradores, como um palpitar convulsivo de asas negras, cruzaram-lhe no espírito desnorteado. Estremeceu-se no lombo do cavalo. ”

A Conseqüência do Roubo “João Guedes em pouco tempo adaptara-se à vida na cadeia,

A Conseqüência do Roubo “João Guedes em pouco tempo adaptara-se à vida na cadeia, que não lhe parecia das piores. Gozava ali duma sensação de segurança de que havia muito se via privado. Proseava com os outros presos, enchia mate para os soldados, pitava, comia e dormia. De cada vez que a Maria José ia vê-lo, achava-o mais arribado. ”

A Saída da Prisão “João Guedes, barbudo, desajeitado, com umas bombachas estreitas semeadas de

A Saída da Prisão “João Guedes, barbudo, desajeitado, com umas bombachas estreitas semeadas de remendos, um casaco de brim justo e umas alpargatas furadas, deixou-se conduzir passivamente pela mulher, as filhas e o filho. Não demonstrou maior alegria ao se ver livre. Na realidade, oprimia-o uma sensação de angústia, de vítima que se vê arrastada duma prisão para outra, talvez pior. Na sua ignorância, acreditara que o seu crime seria punido com uma pena de anos. E como estava velho, dera-se por homem acabado, conformando-se com a idéia de morrer na cadeia. Por isso a liberdade lograda pegara-o desprevinido, imprevistamente. ”

A Venda do Cavalo “Uma semana depois João Guedes foi à procura do mouro,

A Venda do Cavalo “Uma semana depois João Guedes foi à procura do mouro, o cavalo que lhe restava. Encontrou-o magro, felpudo, pisado dos lombos. Não tinha nem o direito de reclamar do dono do potreiro, pois não fazia seis meses que não lhe pagava a pastagem. Embuçalou o animal e puxou-o de a cabresto até a casa dum carreiro conhecido. - Seu Machado, vim le vendê o meu cavalo. - Ué, le compro. É só dá no jeito. Se as suas pretensões não forem um exagero. . . Não, ele não pedia um exagero, por qualquer preço se desfaria do cavalo, em casa havia falta de tudo. ”

O Gaúcho a Pé “Guedes saiu a passos trôpegos pelo caminhozinho pedregoso, levando os

O Gaúcho a Pé “Guedes saiu a passos trôpegos pelo caminhozinho pedregoso, levando os seus arreios de campeiro para vender ao primeiro que lhe desse vinte ou trinta mil réis. Cortava assim o último tento que o prendia à vida passada. Curvava-se à fatalidade, cedendo a um desígnio doloroso de gaúcho de a pé. ”

A Morte “Na véspera de ser encontrado morto, João Guedes passara a tarde agachado

A Morte “Na véspera de ser encontrado morto, João Guedes passara a tarde agachado à beira do rancho, testa franzida, profundamente nostálgico, mateando e rememorando coisas, enquanto as vistas se espichavam, num desejo de fuga, para a natureza vitimada pela seca. Cisma acanhada, mas em todo caso cisma, procurando inutilmente numa fresta por onde escapar. Esbarrava sempre com o círculo murado de opressões e vexames da sua miséria. ”

sketzer@pucrs. br

sketzer@pucrs. br