La traduzione di Clarice Lispector in Italia aspetti

  • Slides: 15
Download presentation
La traduzione di Clarice Lispector in Italia: aspetti linguistici e metodologici Lingua e traduzione

La traduzione di Clarice Lispector in Italia: aspetti linguistici e metodologici Lingua e traduzione portoghese e brasiliana – Corso Avanzato Prof. ssa Sonia Netto Salomão - 2020

Vicino al cuore selvaggio [1943], trad. di Rita Desti, Milano, Adelphi, 1987 e successive;

Vicino al cuore selvaggio [1943], trad. di Rita Desti, Milano, Adelphi, 1987 e successive; La mela nel buio [1961], trad. di Renata Cusmai Belardinelli, Milano, Feltrinelli, 1988; La passione secondo G. H. [1964], Feltrinelli a cura di Adelina Aletti, con una nota di Angelo Morino, Milão, 1982, 1991. Un apprendistato o il libro dei piaceri [1969], trad. e introduzione di Rita Desti, con una nota di Luciana Stegagno Picchio, Torino, 1981; Milano, Feltrinelli, 1992; La passione del corpo [1974], trad. di Amina Di Munno, Milano, Feltrinelli, 1987; L'ora della stella [1977], trad. di Adelina Aletti, Milano, Feltrinelli, 1989; Il mistero del coniglio [1967], trad. di Francesca Lazzarato, Milano, Mondadori, 1991; Dove siete stati di notte? [1974], trad. di che sapeva pensare Adelina Aletti, Milano, Zanziba, con una nota di Angelo Morino, 1982, Milano, Feltrinelli, 1991; Le storie di Ovidio, [1978], trad. di Ombretta Borgia, Milano, Mondadori, 1996; Acqua viva [1973], trad. di Angelo Morino, Palermo, Sellerio, 1997; trad. di Roberto Francavilla, Milano, Adelphi, 2017; Il segreto trad. di Adelina Aletti, Milano, La Tartaruga; Milano: B. C. Dalai, 2010; La scoperta del mondo [1967 -1973], trad. di Mauro Raggini, Milano, La Tartaruga, 2001; Come sono nate le stelle. Storie e leggende brasiliane [1987], di Maria Baiocchi, Roma, Donzelli, 2005; La vita che non si ferma. Lettere scelte (1941 -1975), trad. di Guia Boni e Lisa Ginzburg, Milano, Archinto, 2008; Le passioni e i legami, prefazione di Emanuele Trevi, Milano, Feltrinelli, 2013. Un soffio di vita, trad. di Roberto Francavilla, Milano, Adelphi, 2019. Legami familiari, trad. di Adelina Aletti, Milano, Feltrinelli, 1986 e successive; Tutti i racconti, di Roberto Francavilla, Milano, Feltrinelli, 2020.

Dados biobibliográficos CLARICE LISPECTOR (Chaya Pinkhasovna Lispector) – (Chechelnyk, Ucrânia) -10/12/1920 — (Rio de

Dados biobibliográficos CLARICE LISPECTOR (Chaya Pinkhasovna Lispector) – (Chechelnyk, Ucrânia) -10/12/1920 — (Rio de Janeiro, Brasil)9/12/1977 • Formação • Contexto histórico-cultural e literário • Perto do coração selvagem, 1943 ( «Ele estava só. Estava abandonado, feliz, perto do selvagem coração da vida. ” James Joyce, O retrato do artista quando jovem. • Laços de família (1960) • A Paixão segundo G. H. (1964) • Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres (1969) • A hora da estrela, 1977 • Jornalismo “Imagine que depois que li o artigo de Álvaro Lins, muito surpreendida porque esperava que ele dissesse coisas piores, escrevi uma carta para ele, afinal uma carta boba, dizendo que eu não tinha “adotado” Joyce ou Virginia Woolf, que na verdade lera a ambos depois de estar com o livro pronto. Você se lembra que eu dei o livro datilografado (já pela terceira vez) para você e disse que estava lendo o Portrait of the artist e que encontrara uma frase bonita?

Foi você quem me sugeriu o título. Mas a verdade é que senti vontade

Foi você quem me sugeriu o título. Mas a verdade é que senti vontade de escrever a carta por causa de uma impressão de insatisfação que tenho depois de ler certas críticas, não é insatisfação por elogios, mas é um certo desgosto e desencanto. (Correspondência com Lúcio Cardoso)

1954: PRÈS DU COEUR SAUVAGE O resultado foi muito ruim. . . ’, porque

1954: PRÈS DU COEUR SAUVAGE O resultado foi muito ruim. . . ’, porque a tradução era ‘escandalosamente má’, devido a erros graves que ela comenta em carta à irmã (. . . ). Como nada poderá fazer para impedir a publicação, resta-lhe, conforme afirmação sua, ‘esquecer que o livro foi traduzido’. (Gotlib, 1995: 298)

Perto do coração selvagem (1943) O PAI. . . A MÁQUINA DO PAPAI batia

Perto do coração selvagem (1943) O PAI. . . A MÁQUINA DO PAPAI batia tac-tac. . . O relógio acordou em tin-dlen sem poeira. O silêncio arrastou-se zzzzzz. O guarda-roupa dizia o quê? roupa-roupa. Não, não. Entre o relógio, a máquina e o silêncio havia uma orelha à escuta, grande, cor-de rosa e morta. Os três sons estavam ligados pela luz do dia e pelo ranger das folhinhas da árvore que se esfregavam umas nas outras radiantes. Encostando a testa na vidraça brilhante e fria olhava para o quintal do vizinho, para o grande mundo das galinhas-que-nãosabiam-que-iam-morrer. E podia sentir como se estivesse bem próxima de seu nariz a terra quente, socada, tão cheirosa e seca, onde bem sabia, bem sabia uma ou outra minhoca se espreguiçava antes de ser comida pela galinha que as pessoas iam comer. Houve um momento grande, parado, sem nada dentro. Dilatou os olhos, esperou. Nada veio. Branco. Mas de repente num estremecimento deram corda no dia e tudo recomeçou a funcionar, a máquina trotando, o cigarro do pai fumegando, o silêncio, as folhinhas, os frangos pelados, a claridade, as coisas revivendo cheias de pressa como uma chaleira a ferver. Só faltava o tin-dlen do relógio que enfeitava tanto. Fechou os olhos, fingiu escutá-lo e ao som da música inexistente e ritmada ergueu-se na ponta dos pés. Deu três passos de dança bem leves, alados. Então subitamente olhou com desgosto para tudo como se tivesse comido demais daquela mistura. "Oi, oi. . . ", gemeu baixinho cansada e depois pensou: o que vai acontecer agora? E sempre no pingo de tempo que vinha nada acontecia se ela continuava a esperar o que ia acontecer, compreende? Afastou o pensamento difícil distraindo-se com um movimento do pé descalço no assoalho de madeira poeirento. Esfregou o pé espiando de través para o pai, aguardando seu olhar impaciente e nervoso. Nada veio porém. Nada. Difícil aspirar as pessoas como o aspirador de pó. — Papai, inventei uma poesia. — Como é o nome? — Eu e o sol. — Sem esperar muito recitou: — "As galinhas que estão no quintal já comeram duas minhocas mas eu não vi".

Uma Galinha Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove

Uma Galinha Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã. Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio. Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto vôo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou — o tempo da cozinheira dar um grito — e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro vôo desajeitado, alcançou um telhado.

A paixão, segundo G. H. (1964) Estou tão assustada que só poderei aceitar que

A paixão, segundo G. H. (1964) Estou tão assustada que só poderei aceitar que me perdi se imaginar que alguém me está dando a mão. Dar a mão a alguém sempre foi o que esperei da alegria. Muitas vezes antes de adormecer - nessa pequena luta por não perder a consciência e entrar no mundo maior - muitas vezes, antes de ter a coragem de ir para a grandeza do sono, finjo que alguém está me dando a mão e então vou, vou para a enorme ausência de forma que é o sono […]. Enquanto escrever e falar vou ter que fingir que alguém está segurando a minha mão. Oh, pelo menos no começo, só no começo. Logo que puder dispensá-la, irei sozinha. Por enquanto preciso segurar esta tua mão mesmo que não consiga inventar teu rosto e teus olhos e tua boca. Mas embora decepada esta mão não me assusta. A invenção dela vem de tal idéia de amor como se a mão estivesse realmente ligada a um corpo que, se não vejo, é por incapacidade de amar mais. Não estou à altura de imaginar uma pessoa inteira porque não sou uma pessoa inteira. E como imaginar um rosto se não sei de que expressão de rosto preciso? Logo que puder dispensar tua mão quente, irei sozinha e com horror. O horror será a minha responsabilidade até que se complete a metamorfose e que o horror se transforme em claridade […]. Por enquanto estou inventando a tua presença, como um dia também não saberei me arriscar a morrer sozinha, morrer é do maior risco, não saberei passar para a morte e pôr o primeiro pé na primeira ausência de mim - também nesta hora última e tão primeira inventarei a tua presença desconhecida e contigo começarei a morrer até aprender sozinha a não existir, e então eu te libertarei. Por enquanto eu te prendo, e tua vida desconhecida e quente está sendo a minha única íntima organização, eu que sem a tua mão me sentiria agora solta no tamanho enorme que descobre. No tamanho da verdade — Sim?

Vou criar o que me aconteceu. Só porque viver não é relatável. Viver não

Vou criar o que me aconteceu. Só porque viver não é relatável. Viver não é vivível. Terei que criar sobre a vida. E sem mentir. Criar sim, mentir não. Criar não é imaginação, é correr o grande risco de se ter a realidade. Entender é uma criação, meu único modo. Precisarei com esforço traduzir sinais de telégrafo - traduzir o desconhecido para uma língua que desconheço, e sem sequer entender para que valem os sinais. Falarei nessa linguagem sonâmbula que se eu estivesse acordada não seria linguagem.

Laços de Família _ “Preciosidade” _ Tinha quinze anos e não era bonita. Mas

Laços de Família _ “Preciosidade” _ Tinha quinze anos e não era bonita. Mas por dentro da magreza, a vastidão quase majestosa em que se movia como dentro de uma meditação. E dentro da nebulosidade algo precioso. Que não se espreguiçava, não se comprometia, não se contaminava. Que era intenso como uma jóia. Ela. [. . . ] Foi menos de uma fração de segundo na rua tranquila. Numa fração de segundo a tocaram como se a eles coubessem todos os sete mistérios. Que ela conservou todos, e mais larva se tornou. “Amor” Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam seus filhos, crescia a mesa comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do edifício. Ana dava a tudo, tranquilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de vida.

 «A imitação da rosa» (Laços de família, 1960) Antes que Armando voltasse do

«A imitação da rosa» (Laços de família, 1960) Antes que Armando voltasse do trabalho a casa deveria estar arrumada e ela própria já no vestido marrom para que pudesse atender o marido enquanto ele se vestia, e então sairiam com calma, de braço dado como antigamente. Há quanto tempo não faziam isso? Mas agora que ela estava de novo "bem", tomariam o ônibus, ela olhando como uma esposa pela janela, o braço no dele, e depois jantariam com Carlota e João, recostados na cadeira com intimidade. Há quanto tempo não via Armando enfim se recostar com intimidade e conversar com um homem? A paz de um homem era, esquecido de sua mulher, conversar com outro homem sobre o que saía nos jornais. Enquanto isso ela falaria com Carlota sobre coisas de mulheres, submissa à bondade autoritária e prática de Carlota, recebendo enfim de novo a desatenção e o vago desprezo da amiga, a sua rudeza natural, e não mais aquele carinho perplexo e cheio de curiosidade — e vendo enfim Armando esquecido da própria mulher. E ela mesma, enfim, voltando à insignificância com reconhecimento. Como um gato que passou a noite fora e, como se nada tivesse acontecido, encontrasse sem uma palavra um pires de leite esperando. As pessoas felizmente ajudavam a fazê-la sentir que agora estava "bem". Sem a fitarem, ajudavam-na ativamente a esquecer, fingindo elas próprias o esquecimento como se tivessem lido a mesma bula do mesmo vidro de remédio. Ou tinham esquecido realmente, quem sabe. Há quanto tempo não via Armando enfim se recostar com abandono, esquecido dela? E ela mesma? Interrompendo a arrumação da penteadeira, Laura olhou-se ao espelho: e ela mesma, há quanto tempo? Seu rosto tinha uma graça doméstica, os cabelos eram presos com grampos atrás das orelhas grandes e pálidas. Os olhos marrons, os cabelos marrons, a pele morena e suave, tudo dava a seu rosto já não muito moço um ar modesto de mulher. Por acaso alguém veria, naquela mínima ponta de surpresa que havia no fundo de seus olhos, alguém veria nesse mínimo ponto ofendido a falta dos filhos que ela nunca tivera?

Com seu gosto minucioso pelo método — o mesmo que a fazia quando aluna

Com seu gosto minucioso pelo método — o mesmo que a fazia quando aluna copiar com letra perfeita os pontos da aula sem compreendê-los — com seu gosto pelo método, agora reassumido, planejava arrumar a casa antes que a empregada saísse de folga para que, uma vez Maria na rua, ela não precisasse fazer mais nada, senão 1º) calmamente vestir-se; 2º) esperar Armando já pronta; 3º) o terceiro o que era? Pois é. Era isso mesmo o que faria. E poria o vestido marrom com gola de renda creme. Com seu banho tomado. Já no tempo do Sacré Coeur ela fora arrumada e limpa, com um gosto pela higiene pessoal e um certo horror à confusão. O que não fizera nunca com que Carlota, já naquele tempo um pouco original, a admirasse. A reação das duas sempre fora diferente. Carlota ambiciosa e rindo com força: ela, Laura, um pouco lenta, e por assim dizer cuidando em se manter sempre lenta; Carlota não vendo perigo em nada. E ela cuidadosa. Quando lhe haviam dado para ler a "Imitação de Cristo", com um ardor de burra ela lera sem entender mas, que Deus a perdoasse, ela sentira quem imitasse Cristo estaria perdido — perdido na luz, mas perigosamente perdido. Cristo era a pior tentação. E Carlota nem ao menos quisera ler, mentira para a freira dizendo que tinha lido. Pois é. Poria o vestido marrom com gola de renda verdadeira. Mas quando viu as horas lembrou-se, num sobressalto que a fez levar a mão ao peito, que se esquecera de tomar o copo de leite. Precisava se vestir. Mas ainda era cedo. Com a dificuldade de condução ele demorava. Ainda era de tarde. Uma tarde muito bonita. Aliás já não era mais de tarde. Era de noite. Da rua subiam os primeiros ruídos da escuridão e as primeiras luzes. [. . . ] Nesta cena imaginária e aprazível que a fazia sorrir beata, ela chamava a si mesma de “Laura”, como a uma terceira pessoa. Uma terceira pessoa cheia daquela fé suave e crepitante e grata e tranquila, Laura, a da golinha de renda verdadeira, vestida… [. . . ] Eram algumas rosas perfeitas, várias no mesmo talo. Em algum momento tinham trepado com ligeira avidez uma sobre as outras mas depois, o jogo feito, haviam se imobilizado tranquilas. Eram algumas rosas perfeitas na sua miudez, não de todo desabrochadas, e o tom rosa era quase branco. Parecem até artificiais! Disse em surpresa. Poderiam dar a impressão de brancas se estivessem totalmente abertas mas, com as pétalas centrais enrodilhadas em botão, a cor se concentrava e, como num lóbulo de orelha, sentia-se o rubor circular dentro delas.

Sentou-se no sofá como se fosse uma visita na sua própria casa que, tão

Sentou-se no sofá como se fosse uma visita na sua própria casa que, tão recentemente recuperada, arrumada e fria, lembrava a tranqüilidade de uma casa alheia. O que era tão satisfatório: ao contrário de Carlota, que fizera de seu lar algo parecido com ela própria, Laura tinha tal prazer em fazer de sua casa uma coisa impessoal; de certo modo perfeita por ser impessoal. [. . . ] O vestido marrom combinava com seus olhos e a golinha de renda creme dava-lhe alguma coisa de infantil, como um menino antigo. E, de volta à paz noturna da Tijuca — não mais aquela luz cega das enfermeiras penteadas e alegres saindo para as folgas depois de tê-la lançado como a uma galinha indefesa no abismo da insulina —, de volta à paz noturna da Tijuca, de volta à sua verdadeira vida: ela iria de braço dado com Armando, andando devagar para o ponto do ônibus, com aquelas coxas baixas e rossas que a cinta empacotava numa só fazendo dela uma "senhora distinta"; mas quando, sem jeito, ela dizia a Armando que isso vinha de insuficiência ovariana, ele, que se sentia lisonjeado com as coxas de sua mulher, respondia com muita audácia: "De que me adiantava casar com uma bailarina? ", era isso o que ele respondia. Ninguém diria, mas Armando podia ser às vezes muito malicioso, ninguém diria. De vez em quando eles diziam a mesma coisa. Ela explicava que era por causa de insuficiência ovariana. Então ele falava assim: "De que é que me adiantava ser casado com uma bailarina? " Às vezes ele era muito sem-vergonha, ninguém diria. Carlota ficaria espantada se soubesse que eles também tinham vida íntima e coisas a não contar, mas ela não contaria, era uma pena não poder contar, Carlota na certa pensava que ela era apenas ordeira e comum e um pouco chata, e se ela era obrigada a tomar cuidado para não importunar os outros com detalhes, com Armando ela às vezes relaxava e era chatinha, o que não tinha importância porque ele fingia que ouvia mas não ouvia tudo o que ela lhe contava, o que não a magoava, ela compreendia perfeitamente bem que suas conversas cansavam um pouquinho uma pessoa, mas era bom poder lhe contar que não encontrara carne mesmo que Armando balançasse a cabeça e não ouvisse, a empregada e ela conversavam muito, na verdade mais ela mesma que a empregada, e ela também tomava cuidado para não cacetear a empregada que às vezes continha a impaciência e ficava um pouco malcriada, a culpa era mesmo sua porque nem sempre ela se fazia respeitar. Por que dá-las, então? lindas e dá-las? Pois quando você descobre uma coisa boa, então você vai e dá? Pois se eram suas, insinuava-se ela persuasiva sem encontrar outro argumento além do mesmo que, repetido, lhe parecia cada vez mais convincente e simples. Não iam durar muito — por que então dá-las enquanto estavam vivas? O prazer de tê-las não significava

grande risco — enganou-se ela — pois, quisesse ou não quisesse, em breve seria

grande risco — enganou-se ela — pois, quisesse ou não quisesse, em breve seria forçada a se privar delas, e nunca mais então pensaria nelas pois elas teriam morrido — elas não iam durar muito, por que então dá-las? [. . . ] Ela estava sentada com o seu vestidinho de casa. Ele sabia que ela fizera o possível para não se tornar luminosa e inalcançável. Com timidez e respeito, ele a olhava. Envelhecido, cansado, curioso. Mas não tinha uma palavra sequer a dizer. Da porta aberta via sua mulher que estava sentada no sofá sem apoiar as costas, de novo alerta e tranqüila como num trem. Que já partira.

Água viva Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca:

Água viva Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra – a entrelinha– morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: anão-palavvra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é escrever distraidamente. Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada. [. . . ] Quero a seguinte palavra: esplendidez, esplendidez é a fruta na suculência, fruta sem tristeza. Quero lonjuras. Minha selvagem intuição de mim mesma. Mas o meu principal está sempre escondido. Sou implícita. [. . . ] Mas eternamente é palavra muito dura: tem um “t” granítico no meio. Eternidade: pois tudo o que é nunca começou. Minha pequena cabeça tão limitada estala ao pensar em alguma coisa que não começa e não termina – porque assim é o eterno. [. . . ] Ou pelo menos o que me faz agir não é o que eu sinto mas o que eu digo. Sinto quem sou e a impressão está alojada na parte alta do cérebro, nos lábios – na língua principalmente - , na superfície dos braços e também correndo dentro, bem dentro do meu corpo, mas onde, onde mesmo, eu não sei dizer.