Histria das Mulheres na Amrica Portuguesa II Aprofundamento

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História das Mulheres na América Portuguesa II Aprofundamento – 14/05 Prof. Pavani

História das Mulheres na América Portuguesa II Aprofundamento – 14/05 Prof. Pavani

As mulheres no imaginário da cristandade do século XVI ▪ Para a lógica do

As mulheres no imaginário da cristandade do século XVI ▪ Para a lógica do cristianismo saído do mundo medieval, era comum pensar as mulheres, “as descendentes de Eva”, como responsáveis diretas pela origem de todo o pecado. A própria natureza do feminino era entendida como uma predisposição à transgressão, e esta, em sua medida extrema, revelava-se na prática das feiticeiras, detentoras de saberes e poderes ensinados e conferidos por Satanás. ▪ Assim, baseados em alguns trechos bíblicos selecionados, o clero reforçava uma posição (que se buscava) de submissão para as mulheres. ▪ Em tempos de Inquisição, uma das obras mais lidas no século XV, o tratado de demonologia sintetizou e fortaleceu o imaginário a respeito das mulheres feiticeiras: o Malleus maleficarum (escrito por dois dominicanos alemães, Heinrich Krämer e Jakob Sprenger, publicado em 1486).

As mulheres no imaginário da cristandade do século XVI: Malleus Maleficarum ▪ Segundo essa

As mulheres no imaginário da cristandade do século XVI: Malleus Maleficarum ▪ Segundo essa obra, houve uma falha na formação da primeira mulher, por ter sido ela criada a partir de uma costela recurva, ou seja, uma costela do peito, cuja curvatura é, por assim dizer, contrária à retidão do homem. E como, em virtude dessa falha, a mulher é animal imperfeito, sempre decepciona a mente. ▪ As mulheres, animais imperfeitos, “são por natureza mais impressionáveis e mais propensas a receberem a influência do espírito descorporificado”, além do que, “possuidoras de língua traiçoeira, não se abstêm de contar às suas amigas tudo o que aprendem através das artes do mal”. ▪ Seria inevitável, nessa linha de raciocínio, concluir: “Toda bruxaria tem origem na cobiça carnal, insaciável nas mulheres”.

O Santo Ofício e as bruxas do Brasil Colonial I ▪ De acordo com

O Santo Ofício e as bruxas do Brasil Colonial I ▪ De acordo com o historiador Emanuel Araújo: “Na década de 1590, antes da chegada do Santo Ofício, as feiticeiras eram muito ativas em Salvador: manipulavam anseios, reforçavam crenças, aguçavam ardores. As tais cartas de tocar, tirinhas de papel com fórmulas infalíveis para conquistar o amor de outrem, eram feitas por Isabel Rodrigues (apelidada Boca Torta) e vendidas por cinco tostões a uma clientela carente de afeição. Antônia Fernandes Nóbrega, outra feiticeira, parecia especialista em beberagens. Uma delas destinavase a amigar desafetos: a cliente teria de encher três avelãs ou pinhões com cabelo de todo o corpo, unhas dos pés e das mãos, raspadura da sola dos pés e uma unha do dedo mínimo do pé da própria bruxa; feito isso, engoliria tudo e, “depois de lançados por baixo”, seriam devolvidos a Antônia, que os transformaria em pó a ser misturado em caldo de galinha destinado ao homem. E ainda fazia reacender nos maridos paixões apagadas, ensinando palavras (na verdade, expressões e frases) que, pronunciadas em certas circunstâncias, “faziam endoidecer de amor e bemquerer àquela a que se diziam por aquela pessoa que lhas dizia”. Nestes casos, a mulher colocava-se fora e acima dos limites: além da luxúria desmedida e sacrílega, ou mesmo por causa dessa luxúria, encarnava o emblema perigoso da desordem cósmica, da impureza feminina e da perturbação social. Fugia de qualquer controle, em suma.

O papel das mulheres brancas segundo a moral colonial ▪ Ainda de acordo com

O papel das mulheres brancas segundo a moral colonial ▪ Ainda de acordo com o historiador Emanuel Araújo: A “mulher normal” para o padrão colonizador – aquela que não era identificada como africana ou indígena, portanto - também carregava o peso do pecado original e por isso, sobretudo sua sexualidade, devia ser vigiada muito de perto. Repetia-se como algo ideal, nos tempos coloniais, que havia apenas três ocasiões em que a mulher poderia sair do lar durante toda sua vida: para se batizar, para se casar e para ser enterrada. O exagero é evidente, mas um viajante, Froger, de passagem por Salvador em 1696, achava que ali as mulheres “são de dar pena, pois jamais veem ninguém e saem apenas aos domingos, no raiar do dia, para ir à igreja”. Meio século depois, em 1751, o arcebispo daquela cidade queixava-se de que os pais proibiam as moças até de assistir às devotas lições no Colégio das Mercês, parecendo-lhe impossível conseguir que os pais e parentes consintam que “suas filhas saiam de casa à missa nem a outra função, o que geralmente se pratica não só com as donzelas brancas, mas ainda com as pardas e pretas chamadas crioulas, e quaisquer outras que se confessam de portas adentro”.

A educação da mulher segundo a moral colonial No século XVII, Francisco Manuel de

A educação da mulher segundo a moral colonial No século XVII, Francisco Manuel de Melo, afirma em sua Carta de guia de casados, de 1651, que às mulheres bastavam as primeiras letras, visto que seu “melhor livro é a almofada e o bastidor” No XVIII, Ribeiro Sanches, em seu manual “Educação de uma menina até a idade de tomar estado no reino de Portugal” (1754) foi mais detalhista: “Seria necessário que uma menina ao mesmo tempo que aprendesse o risco, a fiar, a coser e a talhar, que aprendesse a escrever, mas escrever para escrever uma carta, para assentar em um livro que fez tais e tais provisões para viver seis meses na sua casa; para assentar o tempo de serviço dos criados e jornaleiros, e os salários; para escrever nele o preço de todos os comestíveis, de toda a sorte de pano de linho, de panos, de seda, de estamenhas, de móveis da casa; os lugares adonde se fabricam ou adonde se vendem mais barato […] Seria útil e necessário que soubesse tanto de aritmética que soubesse calcular quanto trigo, azeite, vinho, carnes salgadas, doces que serão necessários a uma família; escrever no seu livro os vários modos de fazer doces e a despesa, e prever o proveito ou a perda que pode destas provisões tirar uma casa […] Não lhe ficaria muito tempo para enfeitar-se vãmente, e muito menos para se pôr a uma janela ou a uma varanda, ler novelas e comédias e passar o tempo enleada na ternura dos amantes. ”

A educação da mulher segundo a moral colonial ▪ Na segunda metade do XVIII,

A educação da mulher segundo a moral colonial ▪ Na segunda metade do XVIII, os estatutos elaborados pelo bispo Azeredo Coutinho para dois recolhimentos de educação feminina em Pernambuco, (1798) informam que as mestras do recolhimento ensinavam às meninas os princípios da religião, a fim de protegê-las dos “defeitos ordinários do seu sexo”. ▪ Os próprios recolhimentos femininos, além de conventos, eram um violento exemplo da situação das mulheres, pois cumpriam a função de zelar pelo comportamento da mulher longe do marido, que a enclausurava para que pudesse viajar na certeza de que sua própria honra, ao retornar, continuava bem reputada. ▪ Em Salvador, por exemplo, graças a um inquérito, descobriu-se certa mulher confinada no convento de Nossa Senhora da Lapa havia quase vinte anos; nessa mesma cidade, no recolhimento dos Perdões, outra mulher encaminhava, em 1809, um requerimento para sair dali, onde se encontrava desde 1789 “sem ela ter cometido delito algum, nem dado a mínima sombra de infidelidade para com seu marido”. Este simplesmente viajara para Lisboa e “esquecera” a mulher no recolhimento

A educação da mulher segundo a moral colonial ▪ Na segunda metade do XVIII,

A educação da mulher segundo a moral colonial ▪ Na segunda metade do XVIII, os estatutos elaborados pelo bispo Azeredo Coutinho para dois recolhimentos de educação feminina em Pernambuco, (1798) informam que as mestras do recolhimento ensinavam às meninas os princípios da religião, a fim de protegê-las dos “defeitos ordinários do seu sexo”. ▪ O programa de estudos destinado às meninas era bem diferente do dirigido aos meninos, e mesmo nas matérias comuns, ministradas separadamente, o aprendizado delas limitava-se ao mínimo, de forma ligeira, leve. Só as que mais tarde seriam destinadas ao convento aprendiam latim e música; as demais restringiam-se ao que interessava ao funcionamento do futuro lar: ler, escrever, contar, coser e bordar; além disso, no máximo, que “a mestra lhes refira alguns passos da história instrutivos e de edificação, e as faça entoar algumas cantigas inocentes, para as ter sempre alegres e divertidas”. No conjunto, o projeto educacional destacava a realização das mulheres pelo casamento, tornando-as afinal hábeis na “arte de prender a seus maridos e filhos como por encanto, sem que eles percebam a mão que os dirige nem a cadeia que os prende”.

O casamento na moral colonial ▪ Ainda de acordo com o historiador Emanuel Araújo:

O casamento na moral colonial ▪ Ainda de acordo com o historiador Emanuel Araújo: ▪ Era costumeiro que as mães se preocupassem com o despertar da sexualidade das meninas, e isso foi anotado por certo viajante, Coreal, que via como prática corrente “as mães indagarem suas filhas sobre o que são capazes de sentir na idade de 12 ou 13 anos e incitarem-nas a fazer aquilo que pode enfraquecer os aguilhões da carne”. ▪ As mães tinham lá seus motivos, porquanto meninas com idade de 12 anos completos podiam contrair matrimônio, e até mais cedo se “constar que têm discrição e disposição bastante que supra a falta daquela [idade]”. Compreensível, portanto, a inquietação dos pais quando a menina de 14 ou 15 anos ainda não se casara, ou melhor, quando não haviam conseguido marido para ela, pois o matrimônio era decidido pelo pai. Assim, desde muito cedo a mulher devia ter seus sentimentos devidamente domesticados e abafados.

O casamento na moral colonial ▪ A própria Igreja, que permitia casamentos tão precoces,

O casamento na moral colonial ▪ A própria Igreja, que permitia casamentos tão precoces, cuidava disso no confessionário, vigiando de perto gestos, atos, sentimentos e até sonhos, como instruem os manuais de confessores da época, com perguntas muito objetivas. Segundo o padre Manuel de Arceniaga (Método práctico de hacer fructuosamente confesión general. Madri: Ramon Ruiz, 1724. p. 447) as questões deveriam ser: ▪ ▪ ▪ ▪ Se pecou com tocamentos desonestos consigo ou com outrem. Se tem retratos, prendas ou memórias de quem ama lascivamente. Se solicitou para pecar com cartas, retratos ou dádivas. Se foi medianeira para isso gente maligna que devia ser sepultada viva. Se falou palavras torpes com ânimo lascivo. Se se ornou com ânimo de provocar a outrem a luxúria em comum ou em particular. Se fez jogos de abraços ou outros semelhantes desonestos. Se teve gosto e complacência dos pecados passados ou de sonhos torpes.

O casamento na moral colonial ▪ Na visão da sociedade colonial, a maternidade teria

O casamento na moral colonial ▪ Na visão da sociedade colonial, a maternidade teria de ser o ápice da vida da mulher. Daí em diante, ela se afastava de Eva e aproximava-se de Maria, a mulher que teria parido virgem o salvador do mundo. ▪ A Igreja estimulava essa associação, encorajando a fabricação de imagens da Virgem grávida e o culto de Nossa Senhora do Bom Parto, Nossa Senhora da Concepção (ou Conceição), Nossa Senhora da Encarnação, Nossa Senhora do Ó, Nossa Senhora da Expectação. Imagem de Nossa Senhora do Bom Parto na Arquidiocese de São Paulo

O casamento na moral colonial ▪ Segundo o estudo de Nireu Oliveira Cavalcanti, Formação

O casamento na moral colonial ▪ Segundo o estudo de Nireu Oliveira Cavalcanti, Formação das famílias no Rio de Janeiro Colonial no Rio de Janeiro do fim do século XVIII: 70% dos matrimônios envolviam casais de cor branca. ▪ Um percentual considerado alto, se for levado em conta uma estatística de 1796, segundo a qual 60% da população da Capitania do Rio de Janeiro era formada por pardos e negros, o que correspondia a 109. 811 pessoas. A capitania tinha 182. 757 habitantes, sendo 72. 946 brancos. ▪ A escravidão, só abolida quase cem anos depois, em 1888, ajuda a explicar o menor percentual de casamentos inter-raciais envolvendo negros e pardos e entre estes e brancos. Dos 182. 757 habitantes da Capitania, no fim do século XVIII, 84. 064 (46%) eram escravos. Entre os 98. 693 não escravos, a maioria era formada por brancos (72. 946), seguida por pardos livres (19. 165) e por negros livres (6. 582). A maior parte dos casais não brancos acabava coabitando e não formalizava o casamento na igreja. Debret, “Casamento de negros de família rica”, início do século XIX

Sociabilidades, regras e desvios ▪ O ideal do adestramento completo, definitivo, jamais foi alcançado

Sociabilidades, regras e desvios ▪ O ideal do adestramento completo, definitivo, jamais foi alcançado por inteiro. A Igreja bem que tentava domar os pensamentos e os sentimentos, muitas vezes até com algum sucesso, mas nem todo mundo aceitava passivamente as proibições. ▪ De acordo com as fontes, o mais comum foi a introjeção, por parte das próprias mulheres, dos valores predominantes no meio social; impostos não só pela Igreja e pelo ambiente doméstico, mas também por mecanismos informais de coerção, como a tagarelice de vizinhos, da aceitação em certos círculos, da imagem a ser mantida neste ou naquele ambiente etc. Cena galante. Azulejos. Palácio Nacional de Queluz, Canal, Portugal

Sociabilidades, regras e desvios ▪ Os desvios da norma, porém, não eram tão incomuns

Sociabilidades, regras e desvios ▪ Os desvios da norma, porém, não eram tão incomuns numa sociedade colonial que se formava e muitas vezes improvisava seus próprios caminhos muito longe do rei. Isso explica a impressão do vice-rei marquês do Lavradio ao desembarcar no Brasil, a quem parecia, em 1768, que “este país é ardentíssimo, as mulheres têm infinita liberdade, todas saem à noite sós”. ▪ Outro exemplo de desvio da norma se deu em determinada comunidade de Pernambuco, com a declaração de um padre, em 1759, que após ser transferido para outro lugar comentou: “Graças a Deus que já me livrei das mulheres deste curato, porque todas ou a maior parte adulteram os maridos, e assim me vejo já livre de as confessar” Cena galante. Azulejos. Palácio Nacional de Queluz, Canal, Portugal

“Desvios” e a Inquisição ▪ Em um dos “desvios” punidos pela Inquisição, Felipa de

“Desvios” e a Inquisição ▪ Em um dos “desvios” punidos pela Inquisição, Felipa de Sousa foi açoitada publicamente e degredada da capitania da Bahia em 1570 ▪ Na sentença contra Felipa de Sousa, o inquisidor refere-se a atos de sedução, constando-lhe “a ré ser costumada a namorar mulheres, requestando-as com cartas de amores e com recados e presentes”; “ajuntando ela com as outras mulheres cúmplices seus vasos dianteiros, e tendo suas deleitações abomináveis ela com as outras mulheres”, considerando atenuante apenas ter feito isso “sem haver outro algum instrumento penetrante”.

“Desvios”: feiticeiras x médicos ▪ Os “desvios”, porém, associavam a mulher não apenas ao

“Desvios”: feiticeiras x médicos ▪ Os “desvios”, porém, associavam a mulher não apenas ao corpo voraz e sexual, mas também a feitiçaria, como vimos. A historiadora Mary Del Priore afirmou: Um processo-crime por feitiçaria, movido no século XVIII contra a escrava Maria, moradora de Itu, no estado de São Paulo, esclarece a situação vivenciada por tantas mulheres na época. No processo, o escrivão anota que na vila existia apenas um médico, o qual, “por padecer numa enfermidade, não usava curar enfermos”. Por causa da impossibilidade de o cirurgião prestar assistência aos doentes, era costume de várias mulheres aplicar alguns remédios aos enfermos curando com ervas e raízes que suas experiências lhes administram, as quais são toleradas pelas justiças pela penúria e falta de médicos e professores de medicina, aplicando ervas e raízes por ignorarem os remédios.

As mulheres, o comércio e as Minas ▪ A presença feminina foi sempre destacada

As mulheres, o comércio e as Minas ▪ A presença feminina foi sempre destacada no exercício do pequeno comércio em vilas e cidades do Brasil colonial. Desde os primeiros tempos estabeleceu-se uma divisão de trabalho assentada em critérios sexuais, em que o comércio ambulante representava ocupação preponderantemente feminina. ▪ A quase exclusiva presença de mulheres num mercado onde se consumia gêneros a varejo, produzidos muitas vezes na própria região colonial, resultou da convergência da a) influência africana, uma vez que nessas sociedades tradicionais as mulheres desempenhavam tarefas de alimentação e distribuição de gêneros de primeira necessidade e da b) transposição da divisão de papéis sexuais vigentes em Portugal, onde a legislação amparava de maneira incisiva a participação feminina no comércio. Às mulheres era reservado o comércio de “doces, bolos, alféloa, frutos, melaço, hortaliças, queijos, leite, marisco, alho, pomada, polvilhos, hóstias, obreias, mexas, agulhas, alfinetes, fatos velhos e usados”.

As mulheres, o comércio e as Minas Pintores como o bávaro Johann Moritz Rugendas

As mulheres, o comércio e as Minas Pintores como o bávaro Johann Moritz Rugendas e o francês Jean-Baptiste Debret captaram em vários de seus desenhos e aquarelas nas viagens pelo Brasil da primeira metade do século XIX a presença das negras em torno de vendas, em atividades ambulantes ou sob tendas onde vendiam gêneros de consumo. Seus pequenos utensílios, a presença das crianças, formas de convívio, modalidades de produtos estariam evidenciados nessa iconografia da vida urbana de algumas cidades brasileiras no século XIX.