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Aula 7 Literatura e história: exílio, estranhamento, distanciamento, desmontagem e remontagem Literatura e história:

Aula 7 Literatura e história: exílio, estranhamento, distanciamento, desmontagem e remontagem Literatura e história: diálogos e contaminações FLH 5496 -1 Júlio Pimentel Pinto Primeiro semestre de 2021

Passado, terra estrangeira - Lowenthal: o passado “está em toda parte”, mas é “uma

Passado, terra estrangeira - Lowenthal: o passado “está em toda parte”, mas é “uma terra estrangeira” (PIFC, p. XV-XVI): como conhecê-lo? Como representá-lo? Como enxergar os resíduos do passado no presente? [porque a constatação inicial de Lowenthal é a de que esses resíduos são a prova de que o passado existiu; por isso, “só o passado residualmente preservado no presente é cognoscível” (Collingwood)] - trabalhos da memória e da história precisam “expandir e elaborar a memória” (Lowenthal, p. 104) [justamente por “expandir e elaborar a memória”, a história (mesmo se destituída de qualquer pretensão de totalidade) permite um conhecimento do passado mais amplo (e mais significativo) do que o dos contemporâneos de um determinado evento histórico (ideia que também aparece em Didi-Huberman)] - Lowenthal: no esforço de compreender o passado, os lugares da memória e da história podem ser (relativamente) bem delineados; mas e os da ficção? [discussão do seminário; para desenvolvê-la, Lowenthal, PH, p. 128, 129, 134 (verdade), 143 -144 (verdade), 146 -147 (memória)]

Passado, terra estrangeira Lowenthal: Não há verdade histórica absoluta à espera de ser descoberta;

Passado, terra estrangeira Lowenthal: Não há verdade histórica absoluta à espera de ser descoberta; por mais diligente e imparcial que o historiador seja, ele, assim como nossas lembranças, não estará apto a relatar o passado ‘como ele realmente foi’. Nem por isso a história fica invalidada; persiste a crença de que o conhecimento histórico venha a lançar alguma luz sobre o passado, e que componentes da verdade ainda nele permaneçam. Mesmo que as percepções futuras mostrem enganos do presente e solapem suas conclusões, as provas agora disponíveis demonstram a quase certeza de que algumas coisas realmente ocorreram e outras, não. A cortina da dúvida não isola os historiadores do passado; eles espiam através do tecido e mais além; embasados no conhecimento, eles se aproximam da verdade. (in PH, p. 143 -144)

Passado, terra estrangeira - apesar da disposição otimista quanto ao sucesso (possível) do trabalho

Passado, terra estrangeira - apesar da disposição otimista quanto ao sucesso (possível) do trabalho em história, Lowenthal alerta: É difícil para os historiadores reconhecer o passado como um país estrangeiro. Distanciado e diferenciado, ele deixou de ser fonte de lições úteis, transformando-se em um amontoado de anacronismos singulares. (in PH, p. 141) - dois aspectos merecem atenção especial na afirmação (melancólica) de Lowenthal: - estrangeirismo/estranhamento em relação ao passado distanciamento em relação ao passado - retomada das questões iniciais: como conhecer o passado? Como representá-lo?

Como conhecer e representar o passado? - (alguns) impasses já identificados - limites da

Como conhecer e representar o passado? - (alguns) impasses já identificados - limites da verdade - relação entre texto e contexto - “enquadramentos do texto” na “obra do autor” e na “cultura de seu tempo” - encaixe “do texto na obra” simplifica e dá coesão à interpretação do texto, pois a enquadra num conjunto de representações mais ou menos similares, autenticadas pela “autoridade do autor” (White, FR, p 201); porém, reforça a noção de autoria e sugere que os textos possam ficar “hermeticamente fechados” num universo específico, assegurado por essa “autoria” (La. Capra, Rethinking, p. 55 -56) - La. Capra: mesmo a disposição de encaixar um texto na obra implica “desmembramento ou desmontagem criativa” (p. 55)

Como conhecer e representar o passado? - Didi-Huberman: associa o movimento a uma “tomada

Como conhecer e representar o passado? - Didi-Huberman: associa o movimento a uma “tomada de posição” ou de perspectiva: ela cria o distanciamento, que é um gesto historizador (QITP, p. 65) - “desmembrar e desmontar (ou remontar)” é sempre uma ação essencialmente historizadora, independentemente de ocorrer num texto historiográfico ou ficcional - La. Capra exemplifica com Flaubert e relembra a descrição da carnavalização em Bakhtin, em que desmembramento e desmontagem criativa indicam o trabalho de renovação e reposicionamento histórico; ou seja, achar outro lugar para um evento ou uma manifestação [ou seja, mesmo um procedimento que busca confinar o texto, como o de recolhê-lo ao universo da “obra do autor” e submetê-lo à noção de autoria, permite uma leitura que o lance novamente no jogo das incertezas provocadas pelas releituras e reinterpretações]

Como conhecer e representar o passado? - relacionar o texto com a “cultura do

Como conhecer e representar o passado? - relacionar o texto com a “cultura do seu tempo” é igualmente ambíguo: facilita o enquadramento, mas deixa brecha para entrevermos a dificuldade de resumir ou padronizar a “cultura de um tempo” (objeto de referência da associação) - La. Capra (de novo e de forma crítica) recorre a Bakhtin e à ideia de “carnavalização” pelo que ela apresenta de geral: a combinação e a circulação entre registros culturais (e sociais) distintos e a dificuldade (ou impossibilidade) de segmentação de níveis de cultura: “repetir variando” (Rethinking, p. 53 -54) [enquadrar sugere “repetir”, mas a repetição nunca é a reaparição do mesmo; ela sempre implica a manifestação do outro: repetir variando] [em suma: quando se busca reduzir o texto ao conjunto da “obra do autor” ou quando se pretende vê-lo como manifestação de um padrão cultural supostamente unificado (nos dois casos, provocando fixidez e paralisia das representações, engessando-as num conjunto que lhes é externo e impositivo), ainda é possível reconhecer o movimento e a hesitação no passado, a incompletude e a efemeridade de todo conhecimento e toda representação]

Distanciamento Didi-Huberman: Distanciamento: isso seria a tomada de posição por excelência. Mas é preciso

Distanciamento Didi-Huberman: Distanciamento: isso seria a tomada de posição por excelência. Mas é preciso compreender que não há nada de simples em tal gesto. Distanciar não é contentar-se em colocar longe: perde-se de vista à força de afastar-se, quando distanciar supõe, ao contrário, aguçar seu olhar. distanciar é mostrar, isto é, desunir as evidências para melhor unir, visual e temporalmente as diferenças [. . . ] Distanciar é saber manipular seu material visual ou narrativo como uma montagem de citações referidas à história real. [. . . ] O objetivo do efeito de distanciamento é extrair dos processos representados seu gestus social fundamental [que resulta de uma] técnica: a historicização que é de extrema importância [. . . ] Distanciar é demonstrar desmontando as relações de coisas mostradas juntas e agrupadas segundo suas diferenças. (QITP, p. 61, 63 -65)

Distanciamento Didi-Huberman (a partir de Brecht e seu “efeito de distanciamento”): Criticar a ilusão,

Distanciamento Didi-Huberman (a partir de Brecht e seu “efeito de distanciamento”): Criticar a ilusão, pôr em crise a representação [. . . ]. É justamente fazer aparecer a imagem, informando ao espectador que o que ele vê não é senão um aspecto lacunar e não a coisa inteira, a própria coisa que a imagem representa. [. . . ] Mostrar que se mostra, isso não é mentir sobre o estatuto epistêmico da representação: é fazer da imagem uma questão de conhecimento e não de ilusão. (QITP, p. 62) [equivalências apontadas por D-H: Picasso, Eisenstein, Joyce]

Formas do distanciamento - estetização do real, [que] devolve ao mundo não apenas sua

Formas do distanciamento - estetização do real, [que] devolve ao mundo não apenas sua imagem distorcida, mas também uma especulação empírica sobre o real (Fuks, p. 12) - buscar caminhos no “bosque da ficção” (Eco, SPBF, p. 12) - estranhar, redispor, singularizar, perceber a semelhança inquieta no que é “estranhamente familiar” (Unheimlich), assumir uma posição histórica diante das coisas (D-H, QITP, p. 69)

Formas do distanciamento Ginzburg: Anos atrás, fui entrevistado por meu amigo Adriano Sofri, que

Formas do distanciamento Ginzburg: Anos atrás, fui entrevistado por meu amigo Adriano Sofri, que me perguntou sobre o conselho que daria aos jovens historiadores. Leiam romances, respondi. Naquela época esse me parecia o modo de fazer que desenvolvessem o que chamo de imaginação moral, ou seja, aquilo que nos permite fazer conjecturas sobre os seres humanos, algo que está envolvido em todas as interações sociais. Ora, essas conjecturas se baseiam, no meu entender, no que aprendemos sobre os seres humanos, e muito disso depende do que lemos, desde contos de fadas a romances contemporâneos. A leitura nos descortina toda uma gama de possibilidades humanas e, se tivermos tido a sorte de ler, por exemplo, Crime e castigo de Dostoievski, a figura de Raskólhnikov estará sempre afetando nosso modo de encarar a humanidade. Hoje, no entanto, hesitaria em dar tal conselho, pois detestaria ser confundido indevidamente com aqueles que alimentam a moda atual de se borrar a distinção entre história e ficção. Evidentemente, ainda acredito na leitura de romances, mas acrescento o seguinte alerta: leiam romances, mas saibam que história e ficção são gêneros distintos que apresentam desafios um ao outro. (Pallares-Burke, p. 296 -297) [entrevista dada na mema época em que Ginzburg escrevia Olhos de madeira: nove reflexões sobre a distância]

Distanciar, estranhar - Olhos de madeira: discussão sobre a relação híbrida entre ficção e

Distanciar, estranhar - Olhos de madeira: discussão sobre a relação híbrida entre ficção e história, marcada por profunda familiaridade e densa estranheza - estranhamento não é apenas técnica (como foi para os formalistas russos), mas forma de compreensão, estratégia compreensiva, interpretação No interior dessa tradição, o estranhamento é um meio para superar as aparências e alcançar uma compreensão mais profunda da realidade. ” (p. 36) - face à história, a ficção é inevitavelmente uma estranha e seu olhar é marginal: ela “pinta ao revés” (metáfora que Ginzburg colhe da pintura de Elstir, amigo do narrador de Em busca do tempo perdido) e esse é seu jeito de criar, para si, uma condição estranha, que permita enxergar as coisas por um prisma marginal

Distanciar, estranhar Elstir tinha se esforçado, diz Proust, ‘para expor as coisas não como

Distanciar, estranhar Elstir tinha se esforçado, diz Proust, ‘para expor as coisas não como ele sabia que eram. . . ’, uma observação ligada à sua costumeira depreciação da inteligência, à sua insistência quanto ao primado da experiência vivida sobre as fórmulas pré-constituídas, os hábitos rígidos, o ‘saber’. (p. 38) - sentido essencialmente cognitivo da “pintura ao revés”: - pinta-se fora da expectativa (para entender o que se passa) recusa-se o mimetismo na representação confirma-se a rejeição do realismo “não adjetivado” do grande romance histórico do XIX altera-se arbitrariamente a representação para provocar o estranhamento e atingir uma perspectiva antes insuspeita, para “alcançar o inalcançável” (Sartre, sobre Flaubert)

Distanciar, estranhar Parece-me que o estranhamento é um antídoto eficaz contra um risco a

Distanciar, estranhar Parece-me que o estranhamento é um antídoto eficaz contra um risco a que todos nós estamos expostos: o de banalizar a realidade (inclusive nós mesmos) [. . . ] Proust [. . . ] queria sugerir que tanto os historiadores como os romancistas (ou os pintores) estão irmanados num fim cognitivo. (p. 41) - Ginzburg salienta as implicações cognitivas do estranhamento e recorre a Proust para: - descartar a tradição de naturalização da história rejeitar o reconhecimento de “contextos” estáticos celebrar o trabalho interpretativo [ou seja, sugere que o trabalho interpretativo muitas vezes deriva mais profundamente de uma mentira, a da ficção, ou de um fingimento, do que de uma suposta verdade, construída social e textualmente]

Distanciar, estranhar: imaginação moral - distância, estranhamento, inquietude: associadas à “imaginação moral” (que, na

Distanciar, estranhar: imaginação moral - distância, estranhamento, inquietude: associadas à “imaginação moral” (que, na entrevista a Pallares-Burke, Ginzburg traduz como “capacidade de fazer conjecturas sobre o ser humano”) [Ginzburg atualiza a noção de Edmund Burke (século XVIII), tal como fizeram, antes dele, Eliot e Faulkner] - Russell Kirk: para Burke, “imaginação moral” é a capacidade de percepção ética que transpõe as barreiras da experiência privada e dos acontecimentos do momento [. . . ] especialmente [. . . ] as formas dessa capacidade praticadas na poesia e na arte. (p. 140)

Distanciar, estranhar: imaginação moral - “imaginação moral” - indica lugar de leitura e esforço

Distanciar, estranhar: imaginação moral - “imaginação moral” - indica lugar de leitura e esforço de compreensão mais profunda da subjetividade contemporânea - encoraja a especulação e acentua o senso imaginativo acerca dos sujeitos históricos - imaginação moral: sem relação com qualquer tipo de moralismo, concepções absolutas ou religiosas, e sim com a imaginação acerca das possibilidades, da variedade e da complexidade de todo trabalho de representação (Trilling e Himmelfarb)

Distanciar, estranhar - a importância do distanciamento e do estranhamento como estratégias cognitivas aparece

Distanciar, estranhar - a importância do distanciamento e do estranhamento como estratégias cognitivas aparece também em Piglia: Nunca me preocupou a ideia de que a literatura nos afastasse da experiência, porque, para mim, as coisas acontecem ao revés: a literatura constrói a experiência. (Ld. ER, vol. 2, p. 69) [trecho recupera “The Dry Salvages”, de Eliot, que Piglia usou como epígrafe de Respiración artificial]

Distanciar, estranhar - pelo distanciamento e estranheza da ficção, é possível conhecer o passado

Distanciar, estranhar - pelo distanciamento e estranheza da ficção, é possível conhecer o passado (desmontando-o e remontando-o) e teorizar sobre a história para ampliar o universo das “possibilidades da história” (Koselleck, EH, p. 228) - Ginzburg (entrevista a Pallares-Burke + Olhos de madeira) reforça a capacidade de restaurar a experiência por meio da sua ressignificação e a partir: - do diálogo entre olhares (o centrado e o excêntrico) das perspectivas diversas da percepção aguda do outro da proliferação de sujeitos da compreensão do espaço da ficção na história