Voc j passou por isso Escrito por Paola

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Você já passou por isso? Escrito por Paola Rhoden em 1989

Você já passou por isso? Escrito por Paola Rhoden em 1989

Quando conheci meu namorado ele era um peão de rodeio. Montava bois e cavalos

Quando conheci meu namorado ele era um peão de rodeio. Montava bois e cavalos para ganhar dinheiro em todos os lugares em que esse tipo de festa era realizado. Seu estilo era o arrojado, queria aparecer mais do que vencer, embora sua sobrevivência dependesse dos prêmios que porventura recebesse. Era um domingo de sol, mas no dia e na noite anteriores havia chovido muito, a pista da quadra onde os peões iriam se apresentar foi improvisada na areia, e por isso estava pesada para a prática desse esporte.

Eu estava na arquibancada observando os preparativos para o início das competições, quando percebi

Eu estava na arquibancada observando os preparativos para o início das competições, quando percebi no brete de largada , local onde os peões montam os animais antes de sair para a arena, um jovem de roupa toda branca, lenço preto e um chapéu também preto, preparando-se para montar um touro nelore, com uma corcova que mais parecia o Pão de Açúcar. Fiquei pensando, que motivo faria uma pessoa em sã consciência, subir num animal todo aferroado para corcovear e saracotear num alucinado desafio à morte? Anunciou nos alto-falantes a saída do peão que montava o touro chamado Matador. O anúncio foi mais ou menos assim: - Seguuuuura peeeeãããããooooo! Tentaaaando controlar o touro maaais feroz dessa competição, chamado Matador por ter feito muiiiiitttaaaaassss vítimas, o representante da cidade de Capanema lá do Estado do Paraná, abre esta festa aqui no Rio de Janeiro, nessas areias braaaancas e molhadas. Chamando a proteção de Nossa de Senhora Aparecida (e o peão ergueu o chapéu na cabeça) ai vai Edinho.

E a narrativa seguiu por alguns segundos até que o peão foi lançado ao

E a narrativa seguiu por alguns segundos até que o peão foi lançado ao chão pelo touro, e os rapazes que garantiam a segurança dos peões saíram na disparada, para socorrer o rapaz que não se levantou do chão. O silêncio na platéia foi total, o rapaz saiu em uma maca em direção à saída onde já estavam os paramédicos para o socorro de emergência. Sem perceber desci as arquibancadas em direção de onde estava o aglomerado de pessoas, e pedindo licença e forçando um pouco a barra cheguei ao local. O rapaz gemia na maca. Pelo menos não estava morto! Colocado na ambulância, foi levado para um hospital ali perto. Sem perceber fui até meu carro e segui para o mesmo hospital. Só depois que lá estava foi que pensei: que estou fazendo aqui? Mas já que estava ali, fui atrás da maca que levou o moço agora desmaiado pela dor. Fui barrada na entrada da sala onde empurraram a maca.

Bem! Eu nada tinha a fazer ali, já que nem sabia quem era o

Bem! Eu nada tinha a fazer ali, já que nem sabia quem era o acidentado. Mas por alguma força que nem sei explicar, quedei sentada na sala de espera ao lado de onde ele estava sendo atendido. Ninguém estava por ali a não ser eu. Lembrei que ele não devia ter nenhum parente por aqui, já que o locutor anunciou ter vindo do Paraná. Bem. Isso justificava minha permanência sentada ali na cadeira dura e fria daquela sala de espera, em um hospital onde ninguém dava a mínima importância a uma pessoa a mais ou a menos por ali. A porta da sala abriu e saiu de lá a maca agora sem ninguém. Perguntei ao condutor se o rapaz estava bem. - Sim ele está bem. Só quebrou o braço. Voltei a sentar e esperar.

Quase três horas depois, ele saiu andando da sala, com a mesma roupa toda

Quase três horas depois, ele saiu andando da sala, com a mesma roupa toda suja, um braço engessado na tipóia, e o chapéu preto na outra mão. Levantei e fui ao seu encontro e perguntei: - Tudo bem com você? Ele me olhou com um ar de quem diz, conheço você? Apresentei-me e disse ter assistido sua queda, e que acompanhei a ambulância, e que esperei ali sentada por três horas, e que nem sabia m ais o que dizer. Disse tudo isso rapidamente, um pouco envergonhada pela atitude um tanto sem propósito de minha parte. Ele sorriu meio amarelo, ficou me olhando como quem não acredita no que se lhe diz. - Acredite. Fiz isso mesmo. – falei sem jeito. - Meu nome é Edson. Me chamam de Edinho. - É! Ouvi o anúncio de sua saída na arena. - Então você estava lá mesmo.

E saímos juntos do hospital conversando como se tivéssemos sido amigos desde sempre. Perguntei

E saímos juntos do hospital conversando como se tivéssemos sido amigos desde sempre. Perguntei se ele estava bem, ofereci minha ajuda, e disse que minha casa estava a sua disposição, caso quisesse descansar mais a vontade que no alojamento dos peões. Ele aceitou. E desse encontro surgiu algo melhor que a amizade. Ele passou todo o tempo da recuperação de seu braço quebrado e escoriações, em minha casa. Fez amizade com meus familiares e amigos e distribuiu simpatia por todos os lugares que fomos. Resultado: Namoramos. Ele foi para sua terra apenas para resolver alguns detalhes, pegar seus pertences e voltou para morar comigo. Com a ajuda de meus irmãos ele conseguiu um emprego, razoavelmente remunerado, que juntado ao que eu ganhava, dava para vivermos bem. Tudo no lugar certo e a vida correndo tranquila.

Um dia cheguei em nossa casa, vinda do trabalho, encontrei-o cabisbaixo, olhos tremendamente tristes.

Um dia cheguei em nossa casa, vinda do trabalho, encontrei-o cabisbaixo, olhos tremendamente tristes. - Aconteceu alguma coisa ruim? – perguntei apreensiva. - Nada não, tudo está bem. – respondeu sem me olhar. No dia seguinte quando acordei cedinho, ele não estava na cama ao meu lado. Levantei e o procurei pela casa. Nada. Não estava em nenhum lugar. Voltei para o quarto para me arrumar para o trabalho. Ao abrir o armário que compartilhávamos levei um susto. Suas roupas não estavam lá. Seu lado estava limpo. Sem nada. Corri para o banheiro e lá também suas coisas não estavam mais. Sentei na beirada da cama e chorei. Após dois anos de carinho, amor e companheirismo, ele se fora. Sem dizer nada. Fui até a cozinha para tomar um café antes do trabalho.

Sobre a mesa um bilhete: “Desculpe. Mas sinto falta da vida de peão. Estou

Sobre a mesa um bilhete: “Desculpe. Mas sinto falta da vida de peão. Estou voltando para minha terra. Não é que não goste de você, mas gosto mais de ser livre. Vou lembrar-me de nossos dias. ” O filme de nossos dias passou por minha mente enquanto olhava pela janela da cozinha. Foram dias realmente felizes. Eu não tinha nada a reclamar da vida, já que Deus me proporcionara essa felicidade. E o que viria a seguir, só poderia ser bom. Mesmo sozinha. Enquanto as lágrimas corriam, preparei um café forte. Afinal, a vida continua.