INTERTEXTUALIDADE O que texto Textum vem do latim
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INTERTEXTUALIDADE O que é texto? Textum vem do latim, que significa “teia”. Não é para menos. Escrever é tecer uma rede onde os fragmentos se solidarizam, de forma que cada um deles se torne indispensável elo de uma cadeia. Assim, numa teia bem trançada, o leitor fica agradavelmente preso, pois uma idéia pede outra, uma ação leva à outra, e todos os parágrafos ou versos enroscam-se numa relação de dependência, como fios de um pano.
O que é contexto? • Já percebemos que, para escrever um bom texto, é preciso que as partes se complementem, criando uma idéia central, algo de mais abrangente. Chamo atenção para esse “algo de mais abrangente”: é o contexto. Por exemplo: um belo dia seu namorado comenta com você que ouviu alguém dizer que você disse que ele era um baixo. Você fica sem entender, faz um esforço de memória, e aí se lembra: sim, você disse mesmo. Mas foi assim: estavam todos na sala falando sobre música e alguém comentou sobre a existência de vários tipos de vozes: barítono, soprano, tenor, baixo. . . Você, lembrando-se de como a voz do seu amor é grave, comentou, então, que ele deveria ser um baixo.
Se alguém passou perto e entendeu errado, ou se algum olho gordo descontextualizou sua frase para ver o circo pegar fogo, não podemos saber ao certo. Sabemos, apenas, que chegou aos ouvidos dele um fio isolado de uma teia, e que a falta dos outros elementos distorceu a mensagem. Isso é descontextualização. Vê-se muito em política. “Baixo” no contexto da música significa grave. Num contexto moral, assume um tom pra lá de pejorativo. E, ainda, num contexto métrico, significa que ele é pequeno. E, só por causa de uma descontextualização, começamos discutindo música e já estamos falando do tamanho dele. Percebe como isso pode ser perigoso? Acaba criando duplas, triplas interpretações, das quais a literatura se apropria constantemente para mexer com o ser humano.
O que é intertextualidade? Conforme Platão e Fiorin: “Com muita freqüência um texto retoma passagens de outro. Quando um texto de caráter científico cita outros textos, isto é feito de maneira explícita. O texto citado vem entre aspas e em nota indica-se o autor e o livro donde se extraiu a citação. Num texto literário, a citação de outros textos é implícita, ou seja, um poeta ou romancista não indica o autor e a obra donde retira as passagens citadas, pois pressupõe que o leitor compartilhe com ele um mesmo conjunto de informações a respeito de obras que compõem um determinado universo cultural. Os dados a respeito dos textos literários, mitológicos, históricos são necessários, muitas vezes, para compreensão global de um texto. ”
Bem, eis aí a importância de ler sempre. Assim como as palavras de um texto não se juntam de forma isolada, os livros não são escritos ao acaso. Toda obra é fruto de influências contidas nas leituras anteriores de quem escreveu. O resultado é que as mesmas idéias, ou os mesmos temas circulam por aí na literatura do mundo, revestidos de roupagens diferentes segundo especificidades de época, autor, lugar. . . O fato é que existe um conjunto universo cultural, que engloba todos os textos: a literatura. E, por vezes, muitas vezes, um elemento desse conjunto estabelece relação de sentido com o outro. Temos aí uma intertextualidade.
Basicamente, sempre que um texto faz alusão, cita ou dialoga com outro, temos uma relação intertextual. A intertextualidade não acontece, necessariamente, apenas entre textos escritos. Pode ocorrer entre linguagens diferentes também. Um bom exemplo é a polêmica em torno das comparações entre O Código da Vinci, o filme e o livro. São dois tipos de linguagem diferentes, mas tratando de um mesmo assunto, e que obviamente guardam relação de sentido um com o outro. A intertextualidade pode ocorrer basicamente sob duas formas: paráfrase e paródia. É simples.
Paráfrase A paráfrase tem um sentido positivo. Ocorre quando um texto cita outro na intenção de reafirmar, reforçar, exaltar, concordar ou apropriar-se de seu significado para a construção de uma nova idéia. O melhor exemplo é nosso Hino Nacional. (. . . ) Do que a terra mais garrida Teus risonhos, lindos campos têm mais flores, “Nossos bosques têm mais vida”, “Nossa vida” no teu seio “mais amores”. Vê as aspas? Os trechos envolvidos por elas foram retirados de um poema romântico chamado “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias. A exaltação ufanista da brasilidade, típica do início do romantismo, foi emprestada por Joaquim Osório Duque Estrada, para compor a letra do hino brasileiro, o que obviamente convém, pois a intenção do hino também é de exaltação.
A paródia já significa o extremo oposto da paráfrase. É quando citamos um trecho no intuito de negar seu significado, polemizar com ele, criticá-lo, e, geralmente, ridicularizá-lo. (O Casseta e Planeta faz isso direto. . . ) Sem dúvida, o texto mais parodiado da literatura brasileira é a mesma canção do exílio. Sobre ela, Murilo Mendes escreveu: Canção do exílio Minha terra tem macieiras da Califórnia Onde cantam gaturamos de Veneza. Os poetas da minha terra São pretos que vivem em torres de ametista, Os sargentos do exército são monistas, cubistas, Os filósofos são polacos vendendo a prestações. A gente não pode dormir com os oradores e os pernilongos. Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda Eu morro sufocado Em terra estrangeira Nossas flores são mais bonitas Nossas frutas mais gostosas Mas custam cem mil réis a dúzia. Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade E ouvir um sabiá com certidão de idade!
Onde se perceba uma pesada crítica a vários aspectos da Sociedade brasileira, revestidos de um certo humor negro e ácido. Começa criticando as influências estrangeiras, representadas no início do texto pelas macieiras da Califórnia e gaturamos de Veneza. Poetas pretos vivendo em torres de ametista significa que nossos poetas são elementos de condição social inferiorizada e submissa, e habitam um mundo idealizado, alienado e em descompasso com o mundo real (trata-se também de uma fina ironia ao simbolismo, e mais especificamente, ao poeta Cruz e Souza, que era muito negro e, tal qual o simbolismo, apreciava os altos vôos de imaginação).
Sobre os sargentos serem monistas, cubistas, é fácil a compreensão: quem tem o dever de garantir a segurança do país perde tempo enveredando-se por teorias estéticas e filosóficas sem aplicação. Sobre os filósofos polacos, sabemos que “polaca” é um termo designativo de prostituição, portanto, os amigos do conhecimento vendem a prestações, são capitalistas, mentes prostituídas, sem ideais que não os da venalidade. Os oradores, assim como os insetos, só sabem fazer barulho, e nossa natureza até que é realmente maravilhosa, mas nada acessível para a maioria da população, e, como se não bastasse, o Brasil perde a sua autenticidade, a ponto de parecer uma terra estrangeira. Nada parecido com entusiasmada homenagem da canção do exílio original, não é mesmo? Bibliografia: • Para entender o texto – Platão & Fiorin, Ática