2 fase Poesia CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE EU

  • Slides: 22
Download presentation
2ª fase

2ª fase

Poesia

Poesia

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

EU MAIOR QUE O MUNDO Poema de sete faces Quando nasci, um anjo torto

EU MAIOR QUE O MUNDO Poema de sete faces Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. As casas espiam os homens que correm atrás de mulheres. A tarde talvez fosse azul, não houvesse tantos desejos. O bonde passa cheio de pernas: pernas brancas pretas amarelas. Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. Porém meus olhos não perguntam nada. O homem atrás do bigode é sério, simples e forte. Quase não conversa. Tem poucos, raros amigos o homem atrás dos óculos e do -bigode, Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era Deus se sabias que eu era fraco. Mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração. Eu não devia te dizer mas essa lua mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo.

EU MENOR QUE O MUNDO GRANDE Não, meu coração não é maior que o

EU MENOR QUE O MUNDO GRANDE Não, meu coração não é maior que o mundo. É muito menor. Nele não cabem nem as minhas dores. Por isso gosto tanto de me contar. Por isso me dispo, por isso me grito, por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias: preciso de todos. Sim, meu coração é muito pequeno. Só agora vejo que nele não cabem os homens. Os homens estão cá fora, estão na rua. A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava. Mas também a rua não cabe todos os homens. A rua é menor que o mundo. O mundo é grande. Tu sabes como é grande o mundo. Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão. Viste as diferentes cores dos homens, as diferentes dores dos homens, sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso num só peito de homem. . . sem que ele estale.

EU IGUAL AO MUNDO DISSOLUÇÃO Escurece, e não me seduz tatear sequer uma lâmpada.

EU IGUAL AO MUNDO DISSOLUÇÃO Escurece, e não me seduz tatear sequer uma lâmpada. Pois que aprouve ao dia findar, aceito a noite. E com ela aceito que brote uma ordem outra de seres e coisas não figuradas. Braços cruzados. Vazio de quanto amávamos, mais vasto é o céu. Povoações surgem do vácuo. Habito alguma? E nem destaco minha pele da confluente escuridão. Um fim unânime concentra-se e pousa no ar. Hesitando. E aquele agressivo espírito que o dia carreia consigo, já não oprime. Assim a paz, destroçada.

Vinícius de Moraes A Rosa de Hiroshima Pensem nas crianças Mudas telepáticas Pensem nas

Vinícius de Moraes A Rosa de Hiroshima Pensem nas crianças Mudas telepáticas Pensem nas meninas Cegas inexatas Pensem nas mulheres Rotas alteradas Pensem nas feridas Como rosas cálidas Mas oh não se esqueçam Da rosa da rosa Da rosa de Hiroshima A rosa hereditária A rosa radioativa Estúpida e inválida A rosa com cirrose A anti-rosa atômica Sem cor sem perfume Sem rosa sem nada O Operário em Construção Era ele que erguia casas Onde antes só havia chão. Como um pássaro sem asas Ele subia com as casas Que lhe brotavam da mão. Mas tudo desconhecia De sua grande missão: Não sabia, por exemplo Que a casa de um homem é um templo Um templo sem religião Como tampouco sabia Que a casa que ele fazia Sendo a sua liberdade Era a sua escravidão.

SONETO DE FIDELIDADE Eu Sei Que Vou te Amar De tudo, ao meu amor

SONETO DE FIDELIDADE Eu Sei Que Vou te Amar De tudo, ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento Eu sei que vou te amar Por toda a minha vida eu vou te amar Em cada despedida eu vou te amar Desesperadamente, eu sei que vou te amar Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento E cada verso meu será Pra te dizer que eu sei que vou te amar Por toda minha vida E assim quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu sei que vou chorar A cada ausência tua eu vou chorar Mas cada volta tua há de apagar O que esta ausência tua me causou Eu possa lhe dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver A espera de viver ao lado teu Por toda a minha vida

Cecília Meireles Motivo Eu canto porque o instante existe e a minha vida está

Cecília Meireles Motivo Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta. Irmão das coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento. Atravesso noites e dias no vento. Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço, - não sei, não sei. Não sei se fico ou passo. Sei que canto. E a canção é tudo. Tem sangue eterno a asa ritmada. E um dia sei que estarei mudo: - mais nada.

ROMANCE DAS PALAVRAS AÉREAS Ai, palavras, ai, palavras, que estranha potência, a vossa! ai,

ROMANCE DAS PALAVRAS AÉREAS Ai, palavras, ai, palavras, que estranha potência, a vossa! ai, palavras, sois de vento, ides no vento, no vento que não retorna, e, em tão rápida existência, tudo se forma e transforma! Sois de vento, ides no vento, e quedais, com sorte nova! Ai, palavras, ai, palavras, que estranha potência, a vossa! todo o sentido da vida principia à vossa porta; o mel do amor cristaliza seu perfume em vossa rosa; sois o sonho e sois a audácia, calúnia, fúria, derrota. . . A liberdade das almas, ai! com letras se elabora. . .

O filho do século Murilo Mendes Nunca mais andarei de bicicleta Nem conversarei no

O filho do século Murilo Mendes Nunca mais andarei de bicicleta Nem conversarei no portão Com meninas de cabelos cacheados Adeus valsa "Danúbio Azul" Adeus tardes preguiçosas Adeus cheiros do mundo sambas Adeus puro amor Atirei ao fogo a medalhinha da Virgem Não tenho forças para gritar um grande grito Cairei no chão do século vinte Aguardem-me lá fora As multidões famintas justiceiras Sujeitos com gases venenosos É a hora das barricadas É a hora da fuzilamento, da raiva maior Os vivos pedem vingança Os mortos minerais vegetais pedem vingança É a hora do protesto geral É a hora dos vôos destruidores É a hora das barricadas, dos fuzilamentos Fomes desejos ânsias sonhos perdidos, Misérias de todos os países uni-vos Fogem a galope os anjos-aviões Carregando o cálice da esperança Tempo espaço firmes porque me abandonastes.

Mulher proletária Jorge de Lima Mulher proletária — única fábrica que o operário tem,

Mulher proletária Jorge de Lima Mulher proletária — única fábrica que o operário tem, (fabrica filhos) tu na tua superprodução de máquina humana forneces anjos para o Senhor Jesus, forneces braços para o senhor burguês. Mulher proletária, o operário, teu proprietário há de ver, há de ver: a tua produção, a tua superprodução, ao contrário das máquinas burguesas salvar o teu proprietário.

Prosa

Prosa

Regionalismo Nordestino

Regionalismo Nordestino

 Vivia longe dos homens, só se dava bem com animais. Os seus pés

Vivia longe dos homens, só se dava bem com animais. Os seus pés duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura da terra. Montado confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro entendia. A pé, não se aguentava bem. Pendia para um lado, para o outro lado, cambaio, torto e feio. Às vezes, utilizava nas relações com as pessoas a mesma língua com que se dirigia aos brutos – exclamações, onomatopeias. Na verdade falava pouco. Admira as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas. VIDAS SECAS Graciliano Ramos

 Lá se tinha ficado o Josias, na sua cova à beira da estrada,

Lá se tinha ficado o Josias, na sua cova à beira da estrada, com uma cruz de dois paus amarrados, feita pelo pai. Ficou em paz. Não tinha mais que chorar de fome, estrada afora. Não tinha mais alguns anos de miséria à frente da vida, para cair depois no mesmo buraco, à sombra da mesma cruz. Cordulina, no entanto, queria-o vivo. Embora sofrendo, mas em pé, andando junto dela, chorando de fome, brigando com os outros. . . E quando reencetou a marcha pela estrada infindável, chamejante e vermelha, não cessava de passar pelos olhos a mão trêmula: - Pobre do meu bichinho! Dia a dia, com forças que iam minguando, a miséria escalavrava mais a cara sórdida, e mais fortemente os feria com a sua garra desapiedada. Só talvez por um milagre iam aguentando tanta fome, tanta sede, tanto sol. O comer era quando Deus fosse servido. Às vezes paravam num povoado, numa vila. Chico Bento, a custo, sujeitando-se às ocupações mais penosas, arranjava um cruzado, uma rapadura, algum litro de farinha. Mas isso de longe em longe. E se não fosse uma raiz de mucunã arrancada aqui e além, ou alguma batata-brava que a seca ensina a comer, teriam ficado todos pelo caminho, nessas estradas de barro ruivo, semeado de pedras, por onde eles trotavam trôpegos, se arrastando e gemendo. O QUINZE Rachel de Queiroz

Jorge Amado Todos reconheceram os direitos de Pedro Bala à chefia, e foi desta

Jorge Amado Todos reconheceram os direitos de Pedro Bala à chefia, e foi desta época que a cidade começou a ouvir falar nos Capitães da Areia, crianças abandonadas que viviam do furto. Nunca ninguém soube o número exato de meninos que assim viviam. Eram bem uns cem e destes mais de quarenta dormiam nas ruínas do velho trapiche. Vestidos de farrapos, sujos, semi-esfomeados, agressivos, soltando palavrões e fumando pontas de cigarro, eram, em verdade, os donos da cidade, os que a conheciam totalmente, os que totalmente a amavam, os seus poetas. CAPITÃES DA AREIA

“E não falou mais. Foi para a sua rede, enjeitou a janta, e na

“E não falou mais. Foi para a sua rede, enjeitou a janta, e na escuridão do quarto as coisas começaram a rodar na cabeça. Não haveria um direito para ele? A terra era do senhor de engenho, e ele que se danasse, que fosse com seus cacos para o inferno. Um ódio de morte tomou-o de repente. Não sentira aquilo no momento em que o coronel lhe falara. Era um maluco, não tinha raiva dele. FOGO MORTO José Lins do Rego

Érico Veríssimo Maneco ouvira muitas histórias. Pelo que contavam, todo o Continente ia sendo

Érico Veríssimo Maneco ouvira muitas histórias. Pelo que contavam, todo o Continente ia sendo aos poucos dividido em sesmarias. Isso seria muito bom se houvesse justiça e decência. Mas não havia. Em vez de muitos homens ganharem sesmarias pequenas, poucos homens ganhavam campos demais, tanta terra que a vista nem alcançava. Tinham lhe explicado que o governo fazia tudo que os grandes estancieiros pediam porque precisava deles. Como não podia manter no Continente guarnições muito grandes de soldados profissionais, precisava contar com esses fazendeiros, aos quais apelava em caso de guerra. Assim, transformados em coronéis e generais, eles vinham com seus peões e escravos para engrossar o exército da Coroa, que até pouco tempo era ali no Continente constituído dum único regimento de dragões. E como recompensa de seus serviços, esses senhores de grandes sesmarias ganhavam às vezes títulos de nobreza, privilégios, terras e mais terras. Era claro que quando havia uma questão entre esses graúdos e um pobre diabo, era sempre o ricaço quem tinha razão. O TEMPO E O VENTO