UM DISCURSO SOBRE AS CINCIAS Boaventura de Sousa
UM DISCURSO SOBRE AS CIÊNCIAS Boaventura de Sousa Santos (Discurso proferido na abertura solene das aulas na Universidade de Coimbra no ano letivo de 1985/86)
O PARADIGMA DOMINANTE Modelo de racionalidade da ciência moderna: • revolução científica do século XVI e XVII • desenvolvido nos séculos seguintes domínio das ciências naturais conhecimento profundo e rigoroso da natureza observação e experimentação A matemática fornece à ciência moderna: o instrumento de análise, a lógica da investigação, o modelo de representação da estrutura da matéria.
O PARADIGMA DOMINANTE O rigor científico afere-se pelas medições • o que não é quantificável é cientificamente irrelevante • o método científico assenta na redução da complexidade conhecer significa dividir e classificar para depois poder determinar relações sistemáticas entre o que separou
A CRISE DO PARADIGMA DOMINANTE Resultado interativo de uma pluralidade de condições • a identificação dos limites do paradigma científico moderno é o resultado do grande avanço no conhecimento que ele propiciou. • o aprofundamento do conhecimento permitiu ver a fragilidade dos pilares em que se funda.
A CRISE DO PARADIGMA DOMINANTE 4 condições teóricas provocaram essa crise: 1. A teoria da relatividade de Einstein 2. A mecânica quântica de Heisenberg e Bohr 3. A incompletude da matemática demonstrada por Gödel 4. A ordem a partir da desordem de Prigogine
1. A teoria da relatividade de Einstein • Relatividade da simultaneidade. • Distinção entre a simultaneidade de acontecimetos presentes no mesmo lugar e simultaneidade de acontecimetos distantes (separados por distâncias astronômicas) • Como é que o observador obedece a ordem temporal de acontecimentos no espaço? • Velocidade da luz • Não havendo simultaneidade universal, o tempo e o espaço absolutos de Newton deixam de existir
2. A mecânica quântica de Heisenberg e Bohr • Não é possível observar ou medir um objecto sem interferir nele • Um objeto que sai de um processo de medição não é o mesmo que entrou • Princípio de incerteza de Heisenberg: não se podem reduzir simultaneamente os erros da medição da velocidade e da posição das partículas; o que for feito para reduzir o erro de uma aumenta o erro da outra. • Só podemos aspirar a resultados aproximados e por isso as leis da física são tão-só probabilísticas. • A hipótese do determinismo mecanicista é inviabilizada uma vez que a totalidade do real não se reduz à soma das partes em que a dividimos para observar e medir
3. A incompletude da matemática de Gödel Questionamento sobre o rigor da matemática Teoremas da incompletude e da inconsistência de Gödel Mesmo usando as regras da lógica matemática, é possível formular proposições indecidíveis, proposições que não se podem demonstrar nem refutar. Se as leis da natureza fundamentam o seu rigor no rigor das formalizações matemáticas em que se expressam, as investigações de Gödel vêm demonstrar que o rigor da matemática carece ele próprio de fundamento.
4. A ordem a partir da desordem de Prigogine A teoria das estruturas dissipativas e o princípio da “ordem através das flutuações” estabelecem que em sistemas abertos, (funcionam na margem da estabilidade), a evolução explica-se por flutuações de energia que em determinados momentos, nunca inteiramente previsíveis, desencadeiam espontanemente reações que, por via de mecanismos não lineares, pressionam o sistema para além de um limite máximo de instabilidade e o conduzem a um novo estado macroscópico. Esta transformação irreversível e termodinâmica é o resultado da interação de processos microscópicos segundo uma lógica de auto-organização numa situação de não-equilíbrio.
Conseqüências da teoria de Prigogine A importância desta teoria está na nova concepção da matéria e da natureza: • em vez da eternidade, a história; • em vez do determinismo, a imprevisibilidade; • em vez do mecanicismo, a interpenetração, a espontaneidade e a auto-organização; • em vez da reversibilidade, a irreversibilidade e a evolução; • em vez da ordem, a desordem; • em vez da necessidade a criatividade e o acidente
O PARADIGMA EMERGENTE • especulação fundada nos sinais que a crise do paradigma atual • René Poirier, Hegel e Heidegger: “a coerência global das nossas verdades físicas e metafísicas só se conhece retrospectivamente” • futuro: produto de uma síntese pessoal embebida na imaginação Sínteses até agora apresentadas: • Ilya Prigogine - a “nova aliança” e da metamorfose da ciência • Fritjof Capra - a “nova física” e o Taoismo da física • Erich Jantsch - o paradigma da auto-organização • Habermas - a sociedade comunicativa • Sousa Santos - o paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente
PARADIGMA, TEORIA E MODELO “Há diferenças sutis mas importantes entre as palavras “paradigma”, “teoria” e “modelo”. “Paradigma” referese a um conjunto de hipóteses fundamentais e críticas com base nas quais as teorias e os modelos podem desenvolver-se. Teorias e modelos são mais específicos. . . ” Steinbruner 74 in Le Moigne 90
Alguns paradigmas . . . A cada discurso o seu paradigma “A sucessão dos discursos do método que escreve a história do pensamento humano gera uma sucessão paralela de revoluções científicas” (termo cunhado por T. Khun). Paradigma = “esquema global de algumas hipóteses de base sobre as quais cada época científica baseia as suas orientações privilegiadas de investigação” Le Mogne 90 p. 59
Alguns Paradigmas
O Paradigma da Mecânica Racional - construção intelectual que encarna de modo mais fiel o discurso cartesiano - todo objeto é suscetível de ser explicado, mais do que descrito - explicação fundamentada na estrutura do objeto, que é única e invariante -a estrutura determina as funções - se não compreende uma função, estude uma estrutura
O Paradigma da Mecânica Estatística Boltzman e a termodinâmica: “já não o exame da cinemática - reversível e quase relojoeira – de uma dada estrutura presumida, mas a antecipação da cinética e depois da dinâmica dando conta das transformações irreversíveis desta estrutura no decorrer do tempo” dissecação da estruturas X qualidades do sistema como um todo (que não pode ser decomposto)
O Paradigma Estruturalista - paradigma unificador entre as duas mecânicas: estrutura-função e estrutura-evolução Piaget: procedimento global que descreve o objeto na sua totalidade, funcionante e evolutiva. - percebemos o objeto na sua totalidade, mas se o aceitamos estruturado já não é por meio de uma forma estática qualquer mas por meio de um sistema de transformação
Paradigmas Recentes
O Paradigma Cibernético - Weiner, 1948, fundador da cibernética - propõe uma inversão da perspectiva modelizadora: em vez de focar nos mecanismos propõe ignorá-los, encerrando-os em caixas pretas. . . privilegiando a interpretação dos comportamentos - esse comportamentos eram descritos em relação aos ambientes: funcionamento e transformação (morfogênese) - noção de interface
O Paradigma Sistêmico SISTEMA: ESTRUTURA – ATIVIDADE – EVOLUÇÃO “Existe então uma relação circular entre os três aspectos de base dos sistemas: as estruturas mudam momentaneamente quando funcionam, mas, quando esta mudança é tão grande que se torna necessariamente irreversível, desenvolve-se um processo histórico, dando origem a uma nova estrutura” Miller 71 in Le Moigne 90
O Paradigma Sistêmico - embate da biologia: organicismo -abertura do ambiente: o organismo é um sistema aberto O caráter operacional deve exprimir -se numa teoria que permita identificar os conceitos de base, verificar sua coerência e revelar as condições da sua implementação numa prática da modelização dos objetos
Paradigmas Recentes Modelo em Rede : interdependência 3 dimensões da vida: biológica, cognitiva e social A interdependência é a base de todos os modelos vivos.
Bibliografia Capra, F. – As Conexões Ocultas – Ciência para uma Vida Sustentável. São Paulo: Cultrix, 2002. Le Moigne, J. L. – A Teoria do Sistema Geral: Teoria da Modelização. Lisboa: Instituto Piaget, 1990, cap 2. Santos, B. S. – Um Discurso sobre as Ciências. 12 ª ed. Porto: Edições Afrontamento, 2001. Strathern, P. – Bohr e a Teoria Quântica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. Coleção 90 minutos. 1999.
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