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Ética no Sistema Financeiro Caio Figueiredo C. de Oliveira/ CVM 3 de outubro de 2017

Ética no Sistema Financeiro O que é Ética?

Ética no Sistema Financeiro ➢ O que não é Ética? Leis, códigos profissionais de conduta, ensinamentos religiosos. . . ➢ Ética (ou “teoria moral”) pode ser entendida como uma forma sistemática de se pensar sobre quais condutas são corretas e quais são erradas. Em outras palavras, é uma bússola para guiar a atuação da pessoa em todas as suas atividades (profissionais, familiares, políticas etc. ) ➢Vídeo: Michael Sandel, Justiça

Ética no Sistema Financeiro Uma conduta pode ser ética para uma pessoa e antiética para outra?

Ética no Sistema Financeiro ➢Existem diversos “sistemas éticos” sugeridos durante a História, mas, contemporaneamente, destacaria os seguintes: ● Utilitarismo (Bentham): maximizar o bem estar da sociedade como um todo, pensando-se apenas na consequência ● Direitos humanos (Carta da ONU): em qualquer caso, são invioláveis determinados direitos fundamentais (civis, políticos e sociais) ● Libertarianismo (Nozick): o indivíduo deve poder dispor de todos os bens que adquiriu com o consentimento da contraparte ● Imperativo categórico (Kant): deve agir como se a sua conduta pudesse se tornar uma “lei universal”

Ética no Sistema Financeiro ➢Não há, portanto, um “sistema ético” que necessariamente seja melhor do que outro, mas é importante destacar que: ● qualquer sistema deve partir do fundamento de que todos os seres humanos têm igual valor moral (origem social, raça e outros fatores fora do controle do indivíduo não podem ser usados para discriminá-lo) - Bentham ● devemos pensar no sistema que adotaremos ignorando quem somos - Rawls e outros ● temos que justificá-lo racionalmente e utilizá-lo para decidirmos sobre a nossa conduta; não se pode relativizar ao ponto de inexistir qualquer responsabilidade moral - Dworkin

Ética no Sistema Financeiro ➢As 5 palavras mais perigosas nos negócios: “Everybody else is doing it” (Todo mundo está fazendo isso) Fonte da foto: Time Magazine

Ética no Sistema Financeiro O jeitinho brasileiro é ruim?

Ética no Sistema Financeiro ➢O jeitinho brasileiro tem um aspecto positivo de amabilidade e criatividade, mas é muitas vezes usado para abrir exceções a regras gerais, sejam morais ou legais (Barroso) ➢Em outras palavras, o jeitinho brasileiro retira justamente o fundamento necessário a todo sistema ético, qual seja, reconhecer que todo ser humano possui igual valor moral ➢“Aos amigos tudo! Para os inimigos, a lei!”

Ética no Sistema Financeiro Qual é o propósito da companhia aberta?

Ética no Sistema Financeiro ➢Majoritariamente, desde meados da década de 1970, defendese que a criação de valor para o acionista é o único objetivo das companhias abertas (Milton Friedman, em 1970, “The Social Responsibility of Business is to Increase its Profits”) ➢ Os administradores, dessa maneira, devem ignorar os interesses dos demais stakeholders da companhia: empregados, consumidores, comunidade local, credores, entre outros ➢É, sobretudo, um argumento Utilitarista: a companhia internalizará, no seu processo decisório, as preferências dos seus consumidores (pelo preço) e empregados (pelo salário), maximizando o bem-estar da sociedade de forma mais eficiente

Ética no Sistema Financeiro ➢Principais críticas à precedência dos interesses dos acionistas (Lynn Stout, em 2012, “The shareholder value myth”): • Argumento jurídico: o ordenamento (Estado de Delaware) não estabelece tal precedência, nem tampouco o brasileiro. Ver o p. u. do art. 116 da LSA: “acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender”. • Argumento econômico: os analistas têm dificuldade de internalizar nas suas avaliações de companhias investimentos de longo prazo (R&D, treinamento/estabilidade dos empregados, confiabilidade de uma marca etc. ), mas tem maior facilidade de internalizar cortes de custos e outras medidas que aumentam o lucro no curto prazo

Ética no Sistema Financeiro • Argumento ético utilitarista: os acionistas não são “psicopatas”, ou seja, seu bem estar não depende apenas da sua riqueza pessoal, mas também do valor que dão a viver em uma sociedade pouco desigual, preservar o meio-ambiente etc. Além do mais, diversos mercados (de trabalho, de diversos bens) são imperfeitos (externalidades, assimetrias informacionais etc. ) e o Estado tem dificuldades de resolver tais imperfeições. • Argumento ético “direitos básicos”: por mais que determinadas escolhas sejam legais e maximizem o lucro, o administrador da companhia deve respeitar a dignidade dos seus empregados (salário razoável, equilíbrio lazer/trabalho e trabalho significativo), consumidores (não se pode mentir) e preservar o meio-ambiente.

Ética no Sistema Financeiro Linhares, ES, em 21/11/2015, a 700 km de Mariana, MG Fonte da foto: El País

Ética no Sistema Financeiro Qual é o objetivo do gestor de recursos? (consultor, corretor, agente autônomo, gerente de banco etc. . . )

Ética no Sistema Financeiro ➢ Objetivo: buscar o maior retorno possível, tendo em consideração a aversão a risco e as restrições do investidor (personalidade, preocupações éticas etc. ) ➢ Padrões legais e regulamentares relevantes: • boa fé objetiva (art. 422, CC): deveres instrumentais de cuidado, informação, cooperação, segredo etc. (Judith Martins. Costa) • dever fiduciário (art. 16, I, da ICVM 558): “exercer suas atividades com boa fé, transparência, diligência e lealdade em relação aos seus clientes” • Code of Ethics, CFA Institute: “Place the integrity of the investment profession and the interests of clients above their own personal interests”

Ética no Sistema Financeiro ➢ Como se pode observar, a regulação das relações entre IFs e consumidores é baseada em princípios que dizem tão pouco quanto “seja ético”. Isso porque o mercado não só é complexo como também bastante dinâmico, sendo fácil “arbitrar” qualquer regra específica (ex: sell-side research). ➢ Argumentos éticos a favor da transparência e do cuidado: • Utilitarista: reduzindo-se a assimetria informacional, o mercado funciona melhor, beneficiando-se a sociedade como um todo • Kantiano: trate os outros como você gostaria de ser tratado (por ex. , seja um gestor de recursos de terceiros tão cuidadoso quanto você gostaria que o seu médico fosse cuidadoso consigo) • Nozick: o indivíduo pode dispor livremente do sue patrimônio, mas deve ter consciência sobre o que se negocia

Ética no Sistema Financeiro ➢ A teoria dos jogos nos ensina que, em jogos com um número infinito de rodadas, há incentivo para as pessoas serem éticas, mas não em jogos com poucas partidas. ➢ Isso poderia significar que instituições financeiras com grande “investimento afundado” (ex: marca reconhecida) e pouca rotatividade de funcionários tenderiam a ser mais “éticas”. ➢ Mas isso pode não ser verdade se os incentivos forem de ganho no curto prazo, desincentivando os funcionários a pensar no interesse dos clientes. . .

Ética no Sistema Financeiro “Eight is great!” – John Stumpf, Wells Fargo former CEO Fonte da foto: Star. Tribune

Ética no Sistema Financeiro É possível comprar um comportamento ético?

Ética no Sistema Financeiro ➢ O que já foi tentado: (i) bônus para quem comparecer a treinamentos sobre o código de ética da companhia; (ii) redução da remuneração variável caso receba advertência do Comitê de Ética. . . ➢ Argumentos contra: • Algumas coisas perdem sua essência quando são compradas (Sandel): por ex. , prêmio Nobel. • A compensação crowd-out o genuíno sentimento de ver-se obrigado a adotar um comportamento ético (Uri Gneezy e Aldo Rustichini).

Ética no Sistema Financeiro

Ética no Sistema Financeiro ➢ Experimento implementado por Uri Gneezy e Aldo Rustichini, em Haifa, Israel: • 10 creches privadas, na mesma região, com mensalidade de U$ 380/mês, observadas durante 20 semanas • Semanas 1 -4: observação de quantos pais buscaram seus filhos com mais de 10 minutos de atraso • Semanas 5 -16: em 6 creches, multa de U$ 3 por atraso; nas outras 4 creches, nenhuma multa (apenas sanção moral de saber que um funcionário teve que esperar para além do seu horário de trabalho) • Semanas 17 -20: multas deixam de ser aplicadas • Resultado: (i) depois de 5 semanas, atrasos dobram nas creches que cobram multa; (ii) atrasos continuam no mesmo nível depois que a multa é retirada; (iii) grupo de controle continua estável

Obrigado! Email: oliveira@cvm. gov. br Mande-me um e-mail se quiser a bibliografia indicada nos slides.