TESTAMENTO VITAL OU BIOLGICO FLVIO TARTUCE Advogado consultor
“TESTAMENTO VITAL OU BIOLÓGICO”. FLÁVIO TARTUCE • Advogado, consultor jurídico e parecerista; • Doutor em Direito Civil e graduado pela Faculdade de Direito da USP. • Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. • Professor do programa de mestrado e doutorado da FADISP. • Coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito Civil, Direito Contratual e Direito de Família e das Sucessões da Escola Paulista de Direito. • Professor da ESA/OAB/SP e em Escolas da Magistratura. • Autor de Obras pela Editora Método. 24/11/2014 Tema da aula: Responsabilidade objetiva e risco. A teoria do risco concorrente.
“TESTAMENTO” VITAL OU BIOLÓGICO CONCEITO DE TESTAMENTO. O Código Civil de 2002 não conceituou o testamento. O conceito constava do Código Civil de 1916: “Art. 1. 626. Considera-se testamento o ato revogável pelo qual alguém, de conformidade com a lei, dispõe, no todo ou em parte, do seu patrimônio, para depois da sua morte”. O conceito recebia críticas da doutrina. A principal crítica se referia ao fato da menção apenas ao conteúdo patrimonial. O Código Civil de 2002 admite que o testamento tenha conteúdo não patrimonial – Art. 1. 857, § 2º. Ex. Instituição de Bem de Família Voluntário (art. 1. 711 do CC). 2
“TESTAMENTO” VITAL OU BIOLÓGICO • Conceitos doutrinários de testamento: • Pontes de Miranda: “testamento (diz-se) é o ato pelo qual a vontade de um morto cria, transmite ou extingue direitos”. • Zeno Veloso: “o testamento é um negócio jurídico principalmente patrimonial; tipicamente, no sentido tradicional e específico, é um ato de última vontade em que o testador faz disposições de bens, dá um destino ao seu patrimônio, nomeia herdeiros, institui legatários, e isso acontece, realmente, na grande maioria dos casos”. • Meu conceito: “o testamento é um negócio jurídico unilateral, personalíssimo e revogável pelo qual o testador faz disposições de caráter patrimonial ou não, para depois de sua morte”. 3
“TESTAMENTO” VITAL OU BIOLÓGICO • Características do testamento: a) Negócio jurídico Unilateral e Gratuito. Não admite interpretação extensiva (art. 114 do CC). b) Negócio Jurídico Mortis Causa. Efeitos após a morte. c) Negócio Jurídico Revogável (Art. 1. 858 do CC). REVOGABILIDADE ESSENCIAL (Pontes de Miranda). Se houver reconhecimento de filho, esse é irrevogável (art. 1. 610). d) Ato personalíssimo, sendo vedado o testamento conjuntivo. e) Negócio Jurídico Formal e Especial (sui generis). 4
“TESTAMENTO” VITAL OU BIOLÓGICO • Formas de testamento no Código Civil de 2002: • Formas ordinárias ou comuns, nos termos do art. 1. 862 do CC: a) o testamento público; b) o testamento cerrado; c) o testamento particular. • Formas especiais, nos termos do art. 1. 886 do CC: a) o testamento marítimo, b) o testamento aeronáutico e c) testamento militar. • Dessas três modalidades, apenas o testamento aeronáutico não estava previsto na codificação anterior. A aplicação prática dessas modalidades especiais é por demais reduzida, pois os testamentos acabam regulamentando situações bem específicas e até raras. 5
“TESTAMENTO” VITAL OU BIOLÓGICO • Testamento e Direitos da Personalidade (direitos extrapatrimoniais). Disposições testamentárias relativas aos direitos da personalidade: a) Disposição para que o nome do morto seja utilizado em uma fundação. b) Disposição de doação de partes do corpo (nos termos do art. 14 e da Lei n. 9. 434/1997). c) Questões relativas ao enterro e sufrágio da alma, o que pode ser objeto de codicilo, nos termos do art. 1. 881 do CC. Sobre o tema, recomendo: NEVARES, Ana Luiza Maia. A função promocional do testamento. Renovar. 6
“TESTAMENTO” VITAL OU BIOLÓGICO • O TESTAMENTO VITAL OU BIOLÓGICO. • Conceito (testamento em vida ou “living will”) – “o documento em que a pessoa determina, de forma escrita, que tipo de tratamento ou não-tratamento deseja para a ocasião em que se encontrar doente, em estado incurável ou terminal, e incapaz de manifestar sua vontade” (Roxana Cardoso Brasileiro Borges, professora da UFBA). • Para a mesma doutrinadora, o declarante, por meio do testamento vital, visa a influir sobre os profissionais da área de saúde, “no sentido do não-tratamento, como vontade do paciente, que pode vir a estar impedido de manifestar sua vontade, em razão da doença”. 7
“TESTAMENTO” VITAL OU BIOLÓGICO • O TESTAMENTO VITAL OU BIOLÓGICO. CONCEITOS CORRELATOS: • Eutanásia – na tradução etimológica literal boa morte –, significa a facilitação da morte, engendrada pelos profissionais da área da saúde. A eutanásia se dá por meio de utilização de técnicas que permitam a ocorrência da morte, de modo a ser menos dolorosa quanto possível ao paciente. Para tal prática, há a utilização de condutas ativas, como a conhecida máquina de suicídio, criada pelo médico norte-americano Jack Kevorkian, conhecido como Doutor Morte. Trata-se de HOMICÍDIO, ato ilícito não admitido pelo Direito. • 8
“TESTAMENTO” VITAL OU BIOLÓGICO • O TESTAMENTO VITAL OU BIOLÓGICO. CONCEITOS CORRELATOS: • Distanásia significa o prolongamento do processo de morte, por meio artificial, o que traz sofrimento ao paciente. Há, portanto, um prolongamento exagerado, uma obstinação terapêutica, que se mostra, na maioria das vezes, totalmente inútil. Trata-se de medida que deve ser evitada, tanto pelos profissionais da área da saúde quanto pelos componentes do meio social, pois distorce objetivos da medicina. Leo Pessini, teólogo da Igreja Católica e estudioso do tema, é quem entende que a distanásia distorce os objetivos da medicina, • afastando o direito de morrer com dignidade. 9
“TESTAMENTO” VITAL OU BIOLÓGICO • O TESTAMENTO VITAL OU BIOLÓGICO. CONCEITOS CORRELATOS: • Ortotanásia – na etimologia morte correta – é justamente a situação oposta à distanásia, ou seja, representa o não prolongamento, de forma artificial, do processo de morte. A ortotanásia é prática utilizada para não gerar ao paciente um sofrimento físico, psicológico e espiritual, presente, por exemplo, pelo não emprego de técnicas terapêuticas inúteis de prolongamento da vida. O nosso estudo concentra-se na discussão da validade da disposição somente nos casos de ortotanásia. A questão está relacionada à amplitude do art. 15 do CC, que consagra os direitos do paciente (princípios da beneficência e da não maleficência). • • 10
“TESTAMENTO” VITAL OU BIOLÓGICO DIAULAS COSTA RIBEIRO: “A suspensão de esforço terapêutico necessita de uma manifestação de vontade do paciente, a qual deve ser feita antes da perda de sua capacidade civil, no contexto das diretivas antecipadas. Para que isso seja possível, quatro alternativas se apresentam: uma escritura pública feita em cartório, na qual o paciente declara não aceitar a obstinação terapêutica, nem ser mantido vivo por aparelhos, especificando, ainda, que tipo de tratamento tolerará; uma declaração escrita em documento particular, uma simples folha de papel assinada, de preferência com firma reconhecida; uma declaração feita a seu médico assistente – registrada em seu prontuário, com sua assinatura. A quarta alternativa refere-se àquele paciente que não teve oportunidade de elaborar diretivas antecipadas mas, que declarou a amigos, familiares, etc. , sua rejeição ao esforço terapêutico nos casos de estado vegetativo permanente ou de doença mental: a justificação testemunhal da vontade ”. 11
“TESTAMENTO” VITAL OU BIOLÓGICO A ANTERIOR RESOLUÇÃO 1. 805/2006 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, DE NOVEMBRO DE 2006: “Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal. § 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação. § 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário. § 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica. Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurandolhe o direito da alta hospitalar. ” 12
“TESTAMENTO” VITAL OU BIOLÓGICO OS EFEITOS DA RESOLUÇÃO FORAM AFASTADOS POR DECISÃO DA 14ª VARA FEDERAL DO DISTRITO FEDERAL, de 26 de outubro de 2007. TRECHOS PRINCIPAIS DA DECISÃO: “Na verdade, trata-se de questão imensamente debatida no mundo inteiro. Lembre-se, por exemplo, da repercussão do filme espanhol ‘Mar Adentro’ e do filme americano ‘Menina de Ouro’. E o debate não vem de hoje, nem se limita a alguns campos do conhecimento humano, como o Direito ou a Medicina, pois sobre tal questão há inclusive manifestação da Igreja, conforme a ‘Declaração sobre a Eutanásia’ da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, aprovada em 05 de maio de 1980, no sentido de que ‘na iminência de uma morte inevitável, apesar dos meios usados, é lícito em consciência tomar a decisão de renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes. Por isso, o médico não tem motivos para se angustiar, como se não tivesse prestado assistência a uma pessoa em perigo’. ” 13
“TESTAMENTO” VITAL OU BIOLÓGICO “Entretanto, analisada a questão superficialmente, como convém em sede de tutela de urgência, e sob a perspectiva do Direito, tenho para mim que a tese trazida pelo Conselho Federal de Farmácia nas suas informações preliminares, no sentido de que a ortotanásia não antecipa o momento da morte, mas permite tão-somente a morte em seu tempo natural e sem utilização de recursos extraordinários postos à disposição pelo atual estado da tecnologia, os quais apenas adiam a morte com sofrimento e angústia para o doente e sua família, não elide a circunstância segundo a qual tal conduta parece caracterizar crime de homicídio no Brasil, nos termos do art. 121, do Código Penal. E parece caracterizar crime porque o tipo penal previsto no sobredito art. 121, sempre abrangeu e parece abranger ainda tanto a eutanásia como a ortotanásia, a despeito da opinião de alguns juristas consagrados em sentido contrário”. 14
“TESTAMENTO” VITAL OU BIOLÓGICO “Em última análise, para suprir a ausência de lei específica, a glosa pode ser ‘judicializada’ mediante provocação ao Supremo Tribunal Federal, como ocorreu, por exemplo, na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54, ajuizada em 17 de junho de 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde e na qual se discute se ocorre crime de aborto no caso de anencéfalo. (. . . ). Dizer se existe ou não conflito entre a resolução e o Código Penal é questão a ser enfrentada na sentença. Mas a mera aparência desse conflito já é bastante para impor a suspensão da Resolução CFM nº 1. 805/2006, mormente quando se considera que sua vigência, iniciada com a publicação no DOU do dia 28 de novembro de 2006, traduz o placet do Conselho Federal de Medicina com a prática da ortotanásia, ou seja, traduz o placet do Conselho Federal de Medicina com a morte ou o fim da vida de pessoas doentes, fim da vida essa que é irreversível e não pode destarte aguardar a solução final do processo para ser tutelada judicialmente. Do exposto, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA para suspender os efeitos da Resolução CFM n. 1. 805/2006)”. Brasília, 23 de outubro de 2007. ROBERTO LUIS LUCHI DEMO. Juiz Federal Substituto da 14ª Vara/DF 15
“TESTAMENTO” VITAL OU BIOLÓGICO • O NOVO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA (Resolução 1931/2009 do CFM) TRATA DO ASSUNTO. • RELAÇÃO COM PACIENTES E FAMILIARES. É VEDADO AO MÉDICO. “Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”. COMO SE PODE PERCEBER, A EUTANÁSIA É VEDADA, A ORTOTANÁSIA É PERMITIDA. . . A DISTANÁSIA É VEDADA. . . • 16
“TESTAMENTO” VITAL OU BIOLÓGICO • • Mais recentemente, o mesmo Conselho Federal de Medicina editou a Resolução 1. 995/2012, que trata das “Diretivas Antecipadas de Vontade”. Pela nova norma, a vontade do paciente deve prevalecer sobre a dos seus representantes, o que representa uma notável valorização da autonomia privada. De acordo com a nova norma ética, “Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade” (art. 2. º, caput). 17
“TESTAMENTO” VITAL OU BIOLÓGICO • • • Eventualmente, caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico (Art. 2º § 1. º). Entretanto, de acordo com o § 3. º do dispositivo, “as diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares”. Cumpre destacar, por fim, que as diretivas antecipadas de vontade poderão ser registradas no prontuário médico, não se exigindo maiores formalidades para tanto (§ 4. º). 18
“TESTAMENTO” VITAL OU BIOLÓGICO • Na doutrina. Enunciado 528, da V Jornada de Direito Civil: “É válida a declaração de vontade, expressa em documento autêntico, também chamado ‘testamento vital’, em que a pessoa estabelece disposições sobre que tipo de tratamento de saúde ou de nãotratamento deseja, para o caso de se encontrar sem condições de manifestar a sua vontade”. 19
“TESTAMENTO” VITAL OU BIOLÓGICO Para Paulo Lôbo, “o testamento vital é, pois, negócio jurídico válido de última vontade, haurido da autonomia privada do declarante. A fundamentação ética deve ser entendida como de ordem pública”. (Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 238). Apesar de inexistência de lei federal sobre o assunto, o professor citado destaca a Lei 10. 241/1999, do Estado de São Paulo, que regulamenta o direito dos pacientes médicos, em hospitais públicos paulistas, de se recusarem a tratamentos dolorosos ou extraordinários para prolongar a vida 20
“TESTAMENTO” VITAL OU BIOLÓGICO “Apelação cível. Assistência à saúde. Biodireito. Ortotanásia. Testamento vital. 1. Se o paciente, com o pé esquerdo necrosado, se nega à amputação, preferindo, conforme laudo psicológico, morrer para ‘aliviar o sofrimento’; e, conforme laudo psiquiátrico, se encontra em pleno gozo das faculdades mentais, o estado não pode invadir seu corpo e realizar a cirurgia mutilatória contra a sua vontade, mesmo que seja pelo motivo nobre de salvar sua vida. 2. O caso se insere no denominado biodireito, na dimensão da ortotanásia, que vem a ser a morte no seu devido tempo, sem prolongar a vida por meios artificiais, ou além do que seria o processo natural” (. . . ). 21
“TESTAMENTO” VITAL OU BIOLÓGICO “ 3. O direito à vida garantido no art. 5. º, caput, deve ser combinado com o princípio da dignidade da pessoa, previsto no art. 1. º, III, ambos da CF, isto é, vida com dignidade ou razoável qualidade. A constituição institui o direito à vida, não o dever à vida, razão pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento ou cirurgia, máxime quando mutilatória. (. . . ). “Ademais, na esfera infraconstitucional, o fato de o art. 15 do CC proibir tratamento médico ou intervenção cirúrgica quando há risco de vida, não quer dizer que, não havendo risco, ou mesmo quando para salvar a vida, a pessoa pode ser constrangida a tal. 4. Nas circunstâncias, a fim de preservar o médico de eventual acusação de terceiros, tem-se que o paciente, pelo quanto consta nos autos, fez o denominado testamento vital, que figura na Resolução n. º 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina. 5. Apelação desprovida” (TJRS, 1. ª Câmara Cível, Apelação Cível 22345379. 2013. 8. 21. 7000, Viamão, Rel. Des. Irineu Mariani, j. 20. 11. 2013, DJERS 28. 11. 2013). 22
OBRIGADO! Email: fftartuce@uol. com. br. Site www. flaviotartuce. adv. br. Blog www. professorflaviotartuce. blogspot. com. 23
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