Seminrio sobre o Acordo BrasilSanta S EFEITOS CIVIS

Seminário sobre o Acordo Brasil-Santa Sé EFEITOS CIVIS DE SENTENÇAS ECLESIÁSTICAS EM MATÉRIA MATRIMONIAL Ubiratan de Couto Maurício Recife, UNICAP, 18. 03. 2015

1. 1 Relativamente a variados assuntos “Países de variadas formações jurídicas e tradições culturais mantêm concordatas com a Santa Sé. Setenta são os Estados que têm acordos com a Santa Sé. Registram-se pactos dessa ordem com Portugal, com a França, com a Itália, com a Áustria e com a Alemanha, para citar apenas alguns países da Europa ocidental. Vigem acordos internacionais também com países confessionais, entre eles países mulçumanos, a exemplo do Marrocos (1984), Tunísia (1964) e do Cazaquistão (1998). Da mesma forma, há acordo firmado com Israel (1993). Depois da queda do regime comunista na Europa, vários acordos internacionais foram estabelecidos com países do Leste Europeu, como, por exemplo, Polônia (1993), Lituânia (2000), Eslováquia (2000), Croácia (1998) e Albânia (2002). Na América Latina, registram-se várias concordatas com países como a Argentina (1966), Colômbia (1985) El Salvador (1978), Peru (1980) e outros. ” BALDISSERI, Lourenço. Acordo Brasil-Santa Sé. In: ______. Diplomacia pontifícia. Acordo Brasil-Santa Sé. Intervenções. São Paulo: Ltr, 2011. p. 125 -126 1. 2 Especificamente sobre a eficácia civil de julgados de tribunais eclesiásticos sobre matrimônio: Colômbia, Croácia, Estônia, Itália, Polônia, Portugal e Repúblicas do Gabão e Dominicana.

2 Acordo Brasil-Santa Sé 2. 1 Justificativa do governo brasileiro para sua existência: “O Brasil é o país que abriga a maior população católica do mundo e era o único que não dispunha de acordo sobre a presença da Igreja Católica em seu território. ” BRASIL. Exposição de motivos do Ministro de Estado das Relações Exteriores, interino, Samuel Pinheiro Guimarães Neto ao Presidente da República: EM nº 00471 DE-I/DAÍ/CJ/MRE-PAIN-BRAS-VATI. Brasília: 12 dez. 2008. Disponível em: <http: //www 2. camara. leg. br/legin/fed/decleg/2009/decretolegislativo-698 -7 outubro-2009 -591628 -publicacaooriginal-116679 -pl. html>. Acesso em: 20 out. 2014. 2. 2 Processo de formação de sua existência jurídica: mero registro histórico 2. 2. 1 Celebração/assinatura: Estado da Cidade do Vaticano, 13 de novembro de 2008 2. 2. 2 Aprovação pelo Congresso Nacional brasileiro: Decreto Legislativo nº 698 de 7 de outubro de 2009 2. 2. 3 Promulgação pela Presidência da Pública: Decreto nº 7. 107 de 11 de fevereiro de 2010, publicado no dia seguinte no Diário Oficial da União 2. 3 Conteúdo da disciplina da matéria a ser discorrida: 2. 3 1 Texto normativo “Artigo 12 O casamento celebrado em conformidade com as leis canônicas, que atender também às exigências estabelecidas pelo direito brasileiro para contrair o casamento, produz efeitos civis, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data da sua celebração. § 1º. A homologação das sentenças eclesiásticas em matéria matrimonial, confirmadas pelo órgão de controle superior da Santa Sé será efetuada como nos termos da legislação brasileira sobre homologação de sentenças estrangeiras. ” 2. 3. 2 Fundamento existencial da nova disciplina: “Se o ordenamento constitucional brasileiro admite que a celebração religiosa do casamento surta todos os efeitos civis, por simetria necessária, haverá de reconhecer os efeitos civis da anulação do casamento religioso [sua nulidade, mais precisamente: a mais recorrente demanda de direito matrimonial julgada pelos tribunais eclesiásticos]. ” BALDISSERI, 2011, p. 114 Constituição brasileira, § 2º do art. 226: “O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. ”

3 Questões prévias à compreensão do tema 3. 1 Peculiaridade do matrimônio 3. 2 Decorrência da peculiaridade matrimonial 3. 2. 1 Esclarecimentos necessários 3. 2. 2. 1 Esse mandamento de indissolubilidade é induvidosa cláusula pétrea de norma de direito divino que não se pode modificar. Por essa razão teológica, não há divórcio nem anulação de casamento nas cortes de justiça da Igreja, os tribunais eclesiásticos. 3. 2. 2. 2 “Não há que se falar em anulação do casamento. Anular um matrimônio significa desfazer um sacramento inicialmente válido, o que não é possível. O correto, então, é empregar a seguinte expressão jurídica: declaração de nulidade de um matrimônio, pois, neste caso, o tribunal eclesiástico, em sentença, atestará que determinado matrimônio é nulo, írrito, vale dizer, na prática, tal casamento nunca existiu. ” SAMPEL, Edson Luiz. Resumo de direito canônico. Aparecida: Santuário, 2014. p. 43. 3. 2. 2 Realidade forense dos tribunais eclesiásticos brasileiros 3. 3 Distinções temporais 3. 3. 1 Antes da vigência do Acordo 3. 3. 2 Após 12 de fevereiro de 2010, primeiro dia da vigência do Acordo: o mencionado pacto bilateral não confere, por si só, eficácia jurídica automática, no direito pátrio, às sentenças de que se cuida. Elas poderão, sim, ter efeitos civis no território brasileiro se atenderem aos requisitos – adiante explicitados – impostos pelo aludido tratado internacional, que, satisfeitos, dispensarão os ex-cônjuges, por exemplo, do ajuizamento de ação anulatória de casamento, ou, mais recorrentemente, de demanda de divórcio.

4 Regime jurídico brasileiro da eficácia civil de sentenças eclesiásticas sobre direito matrimonial 4. 1 Casamento passível de nulidade reconhecida por sentença eclesiástica homologanda: apenas casamento religioso com efeito civil 4. 2 Condições de eficácia 4. 2. 1 Fáticas: existência de sentença oriunda de tribunal da Igreja de qualquer país 4. 2. 1. 1 Sobre direito matrimonial: demandas de a) Declaração de existência/validade matrimonial b) Declaração de nulidade matrimonial c) Separação conjugal, subsistindo o vínculo matrimonial (processo cognitivo em que apenas se pede a dissolução da convivência: tal qual a demanda de separação judicial de cônjuges do direito brasileiro antes da Emenda Constitucional nº 66/2010) 4. 2. 2. 1 Confirmada pelo órgão de controle superior da Santa Sé: Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, a mais alta instância jurisdicional colegiada da Igreja a) Eficácia jurídica da certificação: expedição do decreto executório, significando para o direito processual internacional sentença estrangeira exequível. b) Ontologia jurídica da função de controle: não jurisdicional, mas mera atividade administrativa (c. 1445, 3º, 1º: “vigiar sobre a reta administração da justiça”) de certificação da regularidade processual da demanda matrimonial. c) Procedimento administrativo para obter a certificação: estampado no expediente, a seguir transcrito, enviado aos bispos e tribunais eclesiásticos brasileiros:

“ 1. Os Tribunais eclesiásticos de primeira instância, onde o processo canônico iniciou os seus termos, transmitirão ao Superior Tribunal da Assinatura Apostólica, ‘órgão de controle superior’: a) uma cópia autenticada da sentença de primeiro grau e do decreto de ratificação (ou da segunda sentença conforme); b) uma cópia autenticada da ata do casamento católico; c) uma cópia autenticada do registro do casamento no registro civil (certidão do registro de casamento); d) o requerimento do decreto executório para homologação feito por uma, ou ambas as partes, a esta Assinatura Apostólica, em folha simples; e) um cheque de 25 (vinte e cinco) Euros para despesas, passado em nome da APSA (Amministrazione del Patrimônio della Sede Apostólica), a não ser que a causa tenha sido tratada em regime de gratuito patrocínio (cf. arts. 305 e 306 da Instrução Dignitas connubii). 2. Verificada e examinada a documentação, o Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, como ‘órgão eclesiástico de controle superior’, emanará o decreto executório para homologação, em língua portuguesa (cf. art. 15 al. d da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro) e o enviará, em duplicado, ao Tribunal eclesiástico de primeira instância que o notificará às partes, enviando-lhe cópia autêntica do decreto e guardando uma fotocópia dos mesmos nos arquivos da chancelaria do Tribunal. 3. Depois de ter recebido o decreto executório para homologação, emanado por esta Assinatura Apostólica, a parte interessada, ou ambas as partes, devem apresentar a petição para a homologação da sentença estrangeira em matéria matrimonial ao Superior Tribunal de Justiça (cf. art. 105, I, al. i, da Constituição da República Federativa do Brasil), em conformidade com o prescrito pela lei civil do país (cf. Resolução n. 9, de 4 de maio de 2005, do Superior Tribunal de Justiça), anexando o decreto executório da Assinatura Apostólica, cópia da documentação enviada a este Supremo Tribunal e outra eventual documentação exigida pela lei civil (cf. art. 282 do Código de Processo Civil). 4. No procedimento de homologação das sentenças eclesiásticas, um dos elementos que será objeto de exame é se as partes foram ‘citadas’ ou se legalmente se verificou a ‘revelia’, instituto jurídico civil que pode ser equiparado ao instituto canônico da ‘ausência do juízo’ (cf. c. 1592 -1595 CIC; art. 13, § 6º, 132; 138 -142 da Dignitas connubii; can. 1272 -1275 CCEO). No caso concreto das decisões canônicas em matéria matrimonial, o texto das sentenças enviadas em vistas da homologação deverá explicitar, sempre, com clareza, o fato da citação com os dados mais relevantes a este propósito e do decreto de declaração de parte ausente do juízo, caso se tenha verificado, segundo as normas canônicas (cf. art. 126 -134 da Instrução Dignitas connubii). ” SUPREMUM TRIBUNAL SIGNATURAE APOSTOLICAE. Carta Circular aos Ordinários e aos Tribunais Eclesiásticos do Brasil, 25 de janeiro de 2010, Prot. n. 39. 045/06 VAR, p. 1 -2 apud GUIMARÃES, 2012, p. 342 -343.

4. 2. 2 Jurídicas: conformidade com o direito brasileiro A concordata celebrada pelo Brasil, sobre o tema discorrido, exige obediência às normas jurídicas nacionais ordenadoras da própria atividade homologatória de julgados estrangeiros. 4. 2. 2. 1 Constitucional: regras de competência Sempre foi do Supremo Tribunal Federal, segundo as Constituições republicanas brasileiras, a atribuição de homologar as sentenças oriundas de outros países, tradição recentemente modificada com a Emenda Constitucional nº 45/2004, quando passou a ser da competência do Superior Tribunal de Justiça: “Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I – processar e julgar, originariamente: [. . . ] i) – a homologação de sentenças estrangeiras [. . . ]” 4. 2. 2. 2 Infraconstitucional: procedimento previsto pela Resolução nº 9, de 4 de maio de 2005, do Superior Tribunal de Justiça: “Dispõe, em caráter excepcional, sobre a competência acrescida ao Superior Tribunal de Justiça pela Emenda Constitucional nº 45/2004. O PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, nos uso das atribuições regimentais previstas no art. 21, XX, combinado com o art. 10, inciso V, e com base na alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 45/2004 que atribuiu competência ao Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar, originariamente, a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias (Constituição Federal, Art. 105, inciso I, alínea ‘i’), ad referendum do Pleno, resolve: Art. 1º Ficam criadas as classes processuais de Homologação de Sentença Estrangeira e de Cartas Rogatórias no rol dos feitos submetidos ao Superior Tribunal de Justiça, as quais observarão o disposto nesta Resolução, em caráter excepcional, até que o Plenário da Corte aprove disposições regimentais próprias. Parágrafo único. Fica sobrestado o pagamento de custas dos processos tratados nesta Resolução que entrarem neste Tribunal após a publicação da mencionada Emenda Constitucional, até deliberação referida no caput deste artigo.

Art. 2º É atribuição do Presidente homologar sentenças estrangeiras e conceder exequatur a cartas rogatórias, ressalvado o disposto no artigo 9º desta Resolução. Art. 3º A homologação de sentença estrangeira será requerida pela parte interessada, devendo a petição inicial conter as indicações constantes da lei processual, e ser instruída com a certidão ou cópia autêntica do texto integral da sentença estrangeira e com outros documentos indispensáveis, devidamente traduzidos e autenticados. Art. 4º A sentença estrangeira não terá eficácia no Brasil sem a prévia homologação pelo Superior Tribunal de Justiça ou por seu Presidente. § 1º Serão homologados os provimentos não-judiciais que, pela lei brasileira, teriam natureza de sentença. § 2º As decisões estrangeiras podem ser homologadas parcialmente. § 3º Admite-se tutela de urgência nos procedimentos de homologação de sentenças estrangeiras. Art. 5º Constituem requisitos indispensáveis à homologação de sentença estrangeira: I – haver sido proferida por autoridade competente; II – terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia; III – ter transitado em julgado; e IV – estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução de tradutor oficial ou juramentado no Brasil. Art. 6º Não será homologada sentença estrangeira ou concedido exequatur a carta rogatória que ofendam a soberania ou a ordem pública. [. . . ] Art. 8º A parte interessada será citada para, no prazo de 15 (quinze) dias, contestar o pedido de homologação de sentença estrangeira ou intimada para impugnar a carta rogatória. [. . . ] Art. 9º Na homologação de sentença estrangeira e na carta rogatória, a defesa somente poderá versar sobre autenticidade dos documentos, inteligência da decisão e observância dos requisitos desta Resolução. § 1º Havendo contestação à homologação de sentença estrangeira, o processo será distribuído para julgamento pela Corte Especial, cabendo ao Relator os demais atos relativos ao andamento e à instrução do processo. [. . . ] § 3º Revel ou incapaz o requerido, dar-se-lhe-á curador especial que será pessoalmente notificado. Art. 10 O Ministério Público terá vista dos autos nas cartas rogatórias e homologatórias de sentenças estrangeiras, pelo prazo de dez dias, podendo impugnálas. Art. 11 Das decisões do Presidente na homologação de sentença estrangeira e nas cartas rogatórias cabe agravo regimental. Art. 12. A sentença estrangeira homologada será executada por carta de sentença no Juízo Federal competente. [. . . ] Art. 15 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogados a Resolução nº 22, de 31/12/2004 e o Ato nº 15, de 16/02/2005. Ministro EDSON VIDIGAL” BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resolução nº 9 (2005). Disponível em: <http: //www. stj. jus. br/SCON/legislacao/doc. jsp? numero=%229%22&norma=%27 RES%27&&b=LEGI&p=true&t=&l=20&i=1>. Acesso em: 05 nov. 2014.

4. 3 Atividade jurisdicional homologatória 4. 3. 1 Primeira sentença homologada oriunda de tribunal eclesiástico brasileiro: noticiou-se em 5 de julho de 2013: “STJ reconhece sentença do Vaticano Homologação inédita de decisão da Igreja que torna nulo casamento religioso ganha efeitos civis no Brasil; casal volta a ser solteiro O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Felix Fischer, homologou sentença do Tribunal de Assinatura Apostólica do Vaticano, sobre declaração de nulidade de matrimônio de um casal brasileiro, com base no Acordo Brasil-Santa Sé, relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no País, promulgado em 2010. ‘ É a primeira vez que isso acontece, e a grande novidade é que, como o casamento foi considerado nulo pela Igreja, marido e mulher passaram a ser solteiros, e não divorciados, como seria se tivessem conseguido a anulação pela lei civil’, disse o canonista Edson Luiz Sampel, doutor em Direito Canônico e ex-juiz do Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese de São Paulo. Como o processo correu sob sigilo judicial, o STJ não revelou a identidade das partes. Informou que o marido acusou a mulher de pedofilia, ao pedir a declaração de nulidade no Tribunal Eclesiástico Interdiocesano de Vitória, cuja sentença foi confirmada em segunda instância pelo Tribunal da Arquidiocese de Aparecida. Ao homologar a decisão do órgão superior da Santa Sé, que é considerada sentença estrangeira e tem valor legal no País, Fischer afirmou que o pedido não ofende a soberania nacional, a ordem pública e aos bons costumes. Segundo o artigo 12 do Acordo Brasil-Santa Sé, o casamento celebrado em conformidade com a lei canônica atende às exigências do Direito brasileiro e produzirá efeitos civis. [. . . ]” MAYRINK, José Maria; BOTINI FILHO, Luciano. STJ reconhece sentença do Vaticano. O Estado de São Paulo, 5 jul. 2013. Disponível em: http: //www. sao-paulo. estadao. com. br/noticias/geral, stj-reconhece-sentenca-do-vaticano-imp. htm>. Acesso em: 2 out. 2014.

4. 3. 2 Objeto da homologação Juízo de delibação, isto é, examina o STJ se o conteúdo da sentença não ofende a soberania nem a ordem pública nacionais, como exige o art. 6º da sua resolução antes reproduzida. Sentença eclesiástica, como qualquer julgado estrangeiro, cujo teor ofenda a soberania e/ou a ordem pública brasileira(s) não será objeto de homologação pelo STJ, sendo seguro afirmar, entretanto, que é praticamente impossível encontrarem-se tais infrações em sentença, sobre matéria matrimonial, oriunda do poder judiciário da Igreja, até porque esta, em seu ordenamento canônico, em face de sua missão pastoral, disciplina o assunto baseada em motivação teológica, transcendental, dificilmente incompatível com os princípios e objetivos fundamentais da nossa república (respectivamente, arts. 1º e 3º da Constituição). 4. 3. 3 Conseqüência da homologação A manifestação jurisdicional cognitiva do STJ, concedendo a homologação pleiteada, nacionaliza a sentença estrangeira, tornando-a exequível no território onde foi celebrado o casamento religioso, agora reconhecido nulo. O órgão jurisdicional brasileiro competente para dar-lhe efetividade – se isso chegar a ser necessário, como se indicará adiante – é a justiça federal comum de primeira instância, como previsto na Constituição em vigor: “Art. 109. Aos juízes federais compete: [. . . ] X – [. . . ] a execução de [. . . ] sentença estrangeira, após homologação [. . . ]”.

4. 3. 4. 1 Dependente de atividade jurisdicional cognitiva ulterior Não é de todo impossível que a sentença eclesiástica já homologada ainda necessite de ulterior providência jurisdicional para ter eficácia plena. Imagine-se a situação em que, por ocasião do casamento religioso com efeito civil, um cônjuge acrescentou ao seu o sobrenome do outro (art. 1. 565, § 1º, do Código Civil de 2002) e, após a sentença eclesiástica de nulidade matrimonial, a pessoa beneficiada com a nulidade pretenda voltar a usar o seu nome tal como antes do casamento, a exemplo do que ocorreria se se tratasse de um julgado de divórcio no qual o juiz, a pedido da parte interessada, deferisse o retorno ao uso do seu nome de solteiro(a). Para o caso suposto – cuja decisão não compete ao tabelionato, apenas responsável pelo do registro público onde assentado o casamento – e também em qualquer outra situação de efetiva necessidade jurídica, quem tiver interesse processual deverá acionar o juízo competente e não, o STJ, que já cumpriu seu ofício jurisdicional, exaurindo-o, quando homologou a sentença. Para tanto, a parte interessada demandará ação de cumprimento de sentença (judicial, porque homologada, isto é, nacionalizada) na justiça federal comum de primeira instância, não só por imposição do art. 12 da prefalada resolução do STJ, mas, sobretudo, por imperativo constitucional: “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: [. . . ] III – as causas fundadas em tratado ou contrato da União com [. . . ] organismo internacional; [. . . ] X – [. . . ] a execução [. . . ] de sentença estrangeira, após a homologação [. . . ]”

O foro territorialmente competente, ante a inexistência de regra especifica de competência absoluta, será, à escolha da parte acionante, o que lhe for mais conveniente, a saber, o local: a) onde a obrigação deve ser satisfeita (art. 100, IV, “d”, do CPC), isto é, o da situação do registro público do assentamento nupcial sob jurisdição federal; ou b) do domicílio da parte demandada (art. 94 do CPC), que, não coincidindo com o anterior, implica em necessidade de envio de carta precatória para lá, onde se dará a expedição do correspondente mandado de averbação cartorária da nulidade do casamento e, na hipótese suposta, da retificação do nome de casado(a) ex-esposo(a) para seu sobrenome de solteiro(a). Assim se faz necessário, repise-se, em face da inexistência de decisão, na sentença eclesiástica homologada, sobre o retorno do uso, por uma das partes, do seu sobrenome anterior ao casamento, medida que evita posterior processo de retificação de nome, ante a recusa do responsável pelo registro público onde assentado o matrimônio, pelo fato de tal alteração nominal não lhe haver sido ordenada na carta de sentença expedida pelo STJ. 4. 3. 4. 2 Independente de atividade jurisdicional cognitiva ulterior Quando não houver necessidade processual de manifestação jurisdicional cognitiva ulterior, para dar-se eficácia ao homologado julgado eclesiástico sobre matéria matrimonial, a carta da correspondente sentença do STJ será suficiente, por si só, à sua averbação no registro público competente, como ocorre, por exemplo, tendo sido reconhecida a nulidade do casamento, se uma das partes não acrescentou ao seu o sobrenome da outra ao se casar.

4. 5 Averbação da nulidade matrimonial no registro público A atividade notarial de averbação da nulidade do casamento, reconhecida na sentença eclesiástica homologada pelo STJ, é providência indispensável à sua eficácia jurídica no território nacional, a qual se dará por mandado judicial, como é de costume cartorário brasileiro em se tratando de sentenças de divórcio e anulatórias de casamento, ou apenas se entregando a carta da correspondente sentença expedida pelo STJ, registro que torna público o retorno dos ex-cônjuges ao estado civil de solteiros, a exemplo do que ocorre quando há anulação do casamento civil pela justiça estatal. A respeito, prescreve a Lei – de registro público – nº 6. 015, de 31 de dezembro de 1973: “Art. 29. Serão registrados no Registro Civil das Pessoas Naturais: [. . . ] II – os casamentos; [. . . ] § 1º Serão averbados: a) as sentenças que decidirem a nulidade [. . . ] do casamento [. . . ]; [. . . ] Art. 100. No livro de casamento, será feita averbação de sentença de nulidade [. . . ] de casamento, [. . . ] declarando-se a data em que o juiz a proferiu, a sua conclusão, os nomes das partes e o trânsito em julgado. § 1º Antes da averbação, as sentenças não produzirão efeito contra terceiros. § 2º As sentenças de nulidade [. . . ] de casamento não serão averbadas enquanto sujeitas a recurso, qualquer que seja o seu efeito. § 3º A averbação a que se refere o parágrafo anterior será feita à vista da carta de sentença, subscrita pelo presidente ou outro juiz do tribunal que julgar a ação em grau de recurso, da qual constem os requisitos mencionados neste artigo, e ainda, certidão do trânsito em julgado do acórdão. [. . . ] Art. 221. Somente são admitidos a registro: [. . . ] III – [. . . ] sentenças proferidas por tribunais estrangeiros após homologação pelo Supremo Tribunal Federal [Superior Tribunal de Justiça, atualmente]; IV – cartas de sentença [. . . ] e mandados extraídos de autos de processo”.

4. 6. 1 Eficácia subjetiva A sentença eclesiástica sobre direito matrimonial, mesmo homologada pelo STJ, que não foi averbada no registro público competente apenas é eficaz no âmbito do direito canônico, não produzindo qualquer efeito civil, em que pese figurar habilitada para tanto. Diversamente ocorre, entretanto, quando se realiza a sua averbação no registro público onde assentado o casamento religioso, momento em que o fato averbado torna-se de domínio público, ultrapassando a esfera privada das partes, para produzir efeitos civis também contra terceiros, em razão da publicidade emergente da atividade registral, como se depreende, a contrario sensu, do comando, já reproduzido, do § 1º do art. 100 da Lei 6. 015/73. 4. 6. 2 Eficácia temporal A ontologia jurídica – declaratória ou constitutiva – da sentença sobre direito matrimonial determinará sua eficácia no tempo: ex tunc ou ex nunc. Para precisá-la, a distinção entre nulidade e anulabilidade dos atos jurídicos, tão cara aos juristas, terá bastante utilidade, até porque é ela bem nítida:

4. 6. 2. 1 Código civil vigente “Art. 1. 548. É nulo o casamento contraído: I – pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil; II – por infringência de impedimento. Art. 1. 549. A decretação de nulidade do casamento, pelos motivos previstos no artigo antecedente, pode ser promovida mediante ação direta, por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público. Art. 1. 550. É anulável o casamento: I – de quem não completou a idade mínima para casar; II – do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal; III – por vício da vontade, nos termos dos arts. 1. 556 a 1. 558; IV – do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento; V – realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges; VI – por incompetência da autoridade celebrante. Parágrafo único. Equipara-se à revogação a invalidade do mandado judicialmente decretada. 4. 6. 2. 2 Lei – de registro público – nº 6. 015, de 31 de dezembro de 1973: “Art. 100. No livro de casamento, será feita averbação de sentença de nulidade e de anulação de casamento, [. . . ] declarando-se a data em que o juiz a proferiu, a sua conclusão, os nomes das partes e o trânsito em julgado. ”

4. 6. 2. 3 Doutrina brasileira a) Isivone Pereira Chaves, fundada nos ensinamentos de Maria Helena Diniz, ambas civilistas Em monografia acadêmica específica sobre o assunto, antes mesmo da celebração do pacto internacional disciplinador da temática, Isivone Pereira Chaves esclareceu, acertadamente: “[. . . ] a sentença de invalidade do casamento nulo tem cunho declaratório, pois, na verdade, o casamento nulo já o é desde sua celebração, [. . . ] [melhor dizendo], a sentença produz efeitos ex tunc. Por outro lado, a sentença de anulação do matrimônio tem caráter constitutivo. Seu efeito é ex nunc, portanto, não retroagindo ao momento da celebração e surtindo efeitos sempre após o trânsito em julgado. Daí poder considerar que o matrimônio guarda seus efeitos até enquanto o cônjuge ou a pessoa legitimada não propuser a ação visando sua anulação. [. . . ] Por isso, bem afirmou Diniz M (2002, p. 245), há quem assemelhe a decretação de anulação quanto aos seus efeitos e mecanismos, ao divórcio, diferenciando-se deste por dissolver o vínculo matrimonial por razões anteriores ao casamento, enquanto o divórcio o extingue por motivos supervenientes. ” Acrescentou a monografista: “[. . . ] a indissolubilidade do matrimônio [canônico] manifesta-se sobre sólidos alicerces tanto naturais como revelados e que se contrapõem terminantemente ao divórcio, que, na sistemática civil, por força da Lei 6515/77, dissolve a sociedade conjugal e o vínculo matrimonial autorizando os divorciados a contraírem novas núpcias civis. Em razão do exposto, e considerando os efeitos da anulabilidade do matrimônio (efeito ex nunc), [. . . ] vê-se claramente que o Código de Direito Canônico não a adota. ” CHAVES, Isivone Pereira. Declaração de nulidade matrimonial no direito canônico e no direito civil. 2005. 275 f. Tese (Doutoramento em direito)-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. f. 188. Disponível em: <http//www. livrosgratis. com. br/arquivos_livros/cp 012718. pdf>. Acesso em: 26 out. 2014.

b) Arremate, fundado na doutrina nacional Como o casamento civil, nas ações anulatória dele e de divórcio, é desfeito, em caso de reconhecida procedência dos pedidos correspondentes, as sentenças que o dissolvem têm natureza constitutiva negativa ou desconstitutiva, em face da cessação do vínculo antes existente, término considerado a partir do momento em que não mais caiba recurso da decisão que pôs fim ao casamento, eficácia temporal ex nunc, portanto. Diversamente ocorre, tanto no direito civil como no direito canônico, com a ação de nulidade matrimonial, em que a sentença nela proferida não desfaz o casamento, mas o declara nulo, inexistente sob o ponto de vista civil e religioso, sendo ela, por isso mesmo, de natureza declaratória e, assim, a inexistência reconhecida tem como marco inicial o momento em que foi aparentemente contraído o casamento, eficácia temporal ex tunc, pois. Portanto, a sentença de nulidade, oriunda de tribunal eclesiástico, após homologada pelo STJ e averbada no registro público onde assentado o casamento, temporalmente produz, consoante a teoria e a experiência jurídicas, efeitos civis ex tunc, entre os quais o retorno dos ex-cônjuges ao status jurídico de solteiros e a possibilidade de contraírem novas núpcias. c) Doutrina canonista argentina, no mesmo sentido da brasileira: “[. . . ] a causa de nulidade matrimonial não termina nunca em uma sentença constitutiva que produza uma realidade nova; é simplesmente uma sentença declarativa, no sentido de declarar um fato jurídico, isto é, que só houve, no caso, um matrimônio aparente e não, matrimônio real e verdadeiro. ” ALCÓN, José Bonet. Elementos de derecho matrimonial canónico: sustantivo y procesal. Buenos Ayres: Ediciones de la Universidad Católica Argentina, 2000. p. 104.

5 Eventuais questões subsequentes 5. 1 Fatos causadores 5. 1. 1 Interesse de retorno do uso do nome de solteiro(a) pelo cônjuge que acrescentou ao seu sobrenome do(a) outro(a) 5. 1. 2 Inexiste na sentença eclesiástica decisão sobre o retorno do uso do sobrenome de solteiro(a) 5. 2 Efeito: medida judicial utilizável para tutelar o interesse discorrido A medida judicial adequada é o pedido de retificação de nome do(a) interessado(a) no registro público, também impropriamente chamada de ação de retificação, feito que pode ser não contencioso. Na maioria das vezes o é: trata-se de atividade não jurisdicional de tutela pública de interesses privados indisponíveis confiada ao poder judiciário. 5. 3 Competência para apreciação o pedido de retificação de nome no registro de casamento

5. 3. 1 Durante a fluência do processo de homologação Compete ao STJ, no próprio curso da processo homologatório: como retificação incidental não contenciosa, pois havendo conflito lá não poderá ser formulada, pois implicaria em supressão de instância. Poder-se-á objetar que o tribunal carece de competência expressamente prevista para tanto. Este argumento, conquanto sedutor, é inconsistente, porque em se tratando de jurisdição voluntária, se o juízo de primeiro grau é competente para tanto, a instância do STJ também o será. Afinal, quem pode o mais (jurisdição contenciosa) pode o menos (jurisdição voluntária), além da salutar economia processual inibidora de ajuizamento de pedido autônomo. A situação imaginada não dispensa a oportunidade do contraditório, apenas inexistirá impugnação quando o requerido deixar de contestar a homologação a) e nem se insurge contra a retificação ou b) formula, como pleito contraposto, ele próprio, pedido retificador e seu adversário silencia ou com ele concorda expressamente. 5. 3. 2 Após a homologação e antes da averbação da sentença já homologada Competência da justiça federal (juízo federal, não em juizado especial civil federal): também incidente – contencioso ou não – da ação de cumprimento da sentença (art. 109, IX da Constituição).

5. 3. 3 Após já ocorrida a averbação cartorária da sentença Competência da justiça estadual ou da justiça do Distrito Federal e Territórios (juízo de direito, não em juizado especial civil estadual ou distrital) 5. 3. 3. 1 Feito não contencioso: mero pleito de retificação, chamado indevidamente de ação de retificação de nome 5. 3. 3. 2 Processo contencioso: demanda autônoma, quando ex-cônjuge não se conforma com a nulidade, comportando-se como se fora válido o casamento, usa o sobrenome de casado(a). Exemplo: a parte demandada, ao contestar o pedido, argumenta e pede seja aplicada ao uso do nome, por analogia, a mesma disciplina relativa ao divórcio, consoante os arts. 1571, § 2º (“Dissolvido o casamento pelo divórcio [. . . ] o cônjuge poderá manter o nome de casado [. . . ] e 1578 do CC): a) Ação condenatória de retificação (obrigação de fazer) propriamente dita Ou b) Ação condenatória de retificação (obrigação de fazer) c/c obrigação de não fazer, inclusive com pena de multa por cada desobediência 5. 3. 3. 3 Ação condenatória para abster-se de usar o nome de casado(a): contra ex-cônjuge que, inconformado com a nulidade do seu casamento, permanece usando o sobrenome adotado durante o tempo do aparente matrimônio.