Princpios fundamentais do procedimento disciplinar e do direito
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Princípios fundamentais do procedimento disciplinar e do direito sancionatório públicos e respetiva precipitação prática. Vítor Manuel Leitão Ribeiro
I - DIREITO A UM PROCESSO DISCIPLINAR JUSTO. Num Estado de direito democrático, um processo disciplinar justo é uma exigência elementar da administração da justiça.
- O exercício do direito de punir os servidores públicos por um “Estado de direito democrático, baseado … no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais” – cfr. art. 2º da CRP – encontra-se subordinado a determinados princípios e regras que visam assegurar amplos direitos de defesa.
Nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa – artigo 32º, nº 10, da C. R. P. Em processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa – artigo 269º, nº 3, da C. R. P.
O direito de audiência e defesa. Direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.
Concretizações do direito fundamental à audiência e defesa no regime disciplinar da LGTFP.
1. FASE DA INSTRUÇÃO - O instrutor informa a entidade que o tenha nomeado, bem como o trabalhador e o participante, da data em que dê início à instrução – art. 205º, nº 3, da LGTFP; - O trabalhador pode constituir advogado - art. 202º, nº 1, da LGTFP; - O instrutor ouve o trabalhador, a requerimento deste e sempre que o entenda conveniente, até se ultimar a instrução - cfr. artigo 212º, nº 2, da LGTFP - O trabalhador pode requerer ao instrutor que promova as diligências para que tenha competência e consideradas por aquele essenciais para apuramento da verdade- cfr. artigo 212º, nº 3, da LGTFP
Aplicação ao processo de inquérito das garantias concedidas ao trabalhador na fase da instrução do processo disciplinar.
Ao trabalhador visado deve ser dado conhecimento do início do inquérito (por aplicação do artigo 205º, nº 3, da LGTFP), pois aquele tem o direito de, a todo o tempo, constituir advogado – artigo 231º, nº 5, da LGTFP
O processo de inquérito pode constituir, por decisão da entidade competência para o exercício da ação disciplinar, a fase de instrução do processo disciplinar - cfr. artigo 231º, nº 4, da LGTFP -, o que reclama, portanto, a aplicação das garantias concedidas ao trabalhador na fase de instrução do processo disciplinar, sob pena de nulidade por violação dessas garantias fundamentais.
2. Fase da defesa Concretizações do direito fundamental à audiência e defesa.
2. 1. É insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do trabalhador em artigos da acusação, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade – cfr. artigo 203º, nº 1, da LTFP.
do artigo 213º, nº 3, da LGTFP. Ou seja, deve conter a indicação dos factos integrantes da infração, das circunstâncias de tempo, modo e lugar da sua prática, bem como das circunstâncias que integrem atenuantes e agravantes, a referência aos preceitos legais respetivos e às sanções disciplinares aplicáveis.
- A acusação deve ser formulada através da articulação de factos concretos e precisos, sem imputações vagas, genéricas ou abstratas.
A enunciação dos factos de forma vaga e imprecisa, impossibilitando o eficaz exercício do direito de defesa, equivale à falta de concessão deste direito, geradora da nulidade insuprível cominada no artigo 203º, nº 1, do LGTFP.
A acusação não sofre do vício da nulidade se, independentemente de alguma deficiência narrativa e/ou de particularização, satisfizer o mínimo indispensável que possibilite ao arguido compreender o seu sentido e defender-se eficazmente. - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06. 05. 2010.
- Falta de referência dos preceitos legais respeitantes às infrações em causa. Não importará a referida nulidade se não for impossível ou especialmente difícil a um arguido médio, nas concretas circunstâncias do caso, estabelecer a relação entre cada conduta fáctica descrita e a infração disciplinar que lhe é assacada. - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 03. 12. 09
2. 3. Necessidade de notificação da acusação – cfr. artigo 214º, nºs 1 e 2, da LGTFP;
2. 4. Concessão de um prazo suficiente de defesa. - Entre 10 e 20 dias – cfr. artigo 214º, nº 1, da LGTFP; - Até ao limite de 60 dias (processos complexos e mediante prévia autorização da entidade que mandou instaurar o procedimento) - cfr. artigo 214º, nº 4, da LGTFP.
2. 5. Há lugar a assistência por advogado em qualquer fase do processo - artigo 202º, nº 1 da LGTFP -, designadamente no exame e confiança do processo - cfr. artigo 216º, nº 1, e 217º da LTFP - e na inquirição de testemunhas – cfr. artigo 218º, nº 7, da LTFP.
2. 6. As diligências de inquirição de testemunhas são notificadas ao trabalhador – cfr. artigo 218º, nº 5, da LGTFP
Além das garantias de audiência e defesa, inerentes a qualquer procedimento sancionatório, a exigência de um processo disciplinar (de natureza pública) justo reclama a aplicação, na medida do possível e com as devidas adaptações, das garantias constitucionais presentes no processo penal e previstas no artigo 32. º da Constituição.
1. Todas as garantias de defesa, incluindo o recurso - cfr. artigo 32º, nº 1, da C. R. P.
A salvaguarda das garantias de defesa passa por proporcionar ao trabalhador a possibilidade de se pronunciar sobre as questões que, direta ou indiretamente, se repercutem na pretensão punitiva (pretensão de que ele é o alvo), como sucederá com a alteração/aditamento de factos à acusação ou com a alteração do enquadramento jurídico com agravação da pena anunciada na acusação.
Não viola os direitos de audiência e defesa, a falta de notificação do relatório final do instrutor, em processo disciplinar, se o arguido foi devidamente notificado da acusação, que continha os factos que lhe eram imputados, o seu enquadramento jurídico e a indicação da sanção aplicável, não contendo aquele relatório novos factos ou imputações desfavoráveis ao arguido omitidas na acusação, com influência na decisão disciplinar – Acórdão do STA de 19. 06. 07.
Haverá violação do direito constitucional de audiência e defesa quando, constando da acusação um conjunto de imputações e uma certa pena a elas aplicável, a decisão final – amparada ou não, nesse ponto, pelo relatório final do instrutor – vier a aplicar pena de natureza mais grave. 28. 10. 03.
2. A presunção de inocência - cfr. artigo 32º, nº 2, 1ª parte, da C. R. P.
«O princípio político-jurídico da presunção de inocência, contido no artigo 32. º, n. º 2, da CRP, tem aplicação no âmbito disciplinar e significa que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido» . - Acórdão do STJ de 22 -02 -2017 -
3. Direito a um processo célere – artigo 32º, nº 2, 2ª parte, da C. R. P.
O procedimento disciplinar é urgente, sem prejuízo das garantias de audiência e defesa do trabalhador – artigo 205º, nº 4, da LGTFP.
PRAZOS. Fase da instrução – artigos 205º, nº 1, e 213º, nºs 1 e 2, da LGTFP. Fase da defesa – artigo 218º, nº 8, da LGTFP. Fase da decisão – artigo 219º, nºs 1 e 2, da LGTFP:
4. O direito à escolha e assistência por defensor – artigo 32º, nº 3, da C. R. P. (artigos 202º, nº 1, 216º, nº 1, 217º e 218º, nº 7, da LGTFP)
5. Garantia do princípio do acusatório – artigo 32º, nº 5, 1ª parte, da C. R. P. - separação das fases do processo (instrução, defesa e decisão); - separação das entidades que conduzem, por um lado, as fases da instrução e da defesa e, por outro lado, a fase da decisão do procedimento disciplinar.
A questão da separação das entidades que conduzem a fase da instrução e a fase da defesa com elaboração do relatório final.
Posição do CSM. A intervenção do mesmo inspetor nas fases de instrução e defesa e em sede de elaboração do relatório final não viola o artigo 32º, nº 4, da C. R. P, porque a consagração constitucional da estrutura acusatória do processo criminal não estende o seu âmbito de aplicação a todo e qualquer processo sancionatório. - Acórdão do TC nº 33/2002 de 21 -1 -2002.
6. O princípio do contraditório - cfr. artigo 32º, nº 5, 2ª parte, do C. R. P.
Nada no processo disciplinar, sob pena de ocorrência de nulidade por falta de audiência e defesa do arguido (…) pode ser levado ao mesmo, no domínio probatório, sem que se faculte ao arguido a possibilidade de se poder pronunciar sobre tal matéria (princípio do contraditório), ainda que se trate de diligências probatórias requeridas no processo pelo próprio arguido. – Acórdãos do STA de 27. 04. 99 e 22. 01. 16.
7. Direito a que não sejam praticados atos, designadamente probatórios, no procedimento disciplinar que ofendam a dignidade humana e os princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático, sob pena de nulidade dessas provas. - cfr. artigo 32º, nº 8, do C. R. P. “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.
Os casos em que, com base no mesmo substrato factual, estejam a correr em simultâneo um processo penal e um processo disciplinar e a apreciação do ilícito disciplinar esteja dependente do acesso a elementos probatórios disponíveis no processo penal.
Suspensão do processo disciplinar.
II - Direito a um processo disciplinar equitativo. “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente (…)” - artigo 6º, nº 1, da CEDH.
- Embora, segundo o artigo 6º, nº 1, da CEDH, o direito a um equitativo exame da causa esteja associado à determinação de direitos e obrigações de carácter civil ou penal, a jurisprudência do TEDH tem alargado o âmbito do conceito de obrigações de carácter civil ou penal de forma a incluir os processos disciplinares que apliquem sanções que venham a afetar direitos ou obrigações de carácter civil ou que pretendam aplicar sanções que pela sua natureza, severidade ou gravidade devam ser consideradas de natureza penal.
Exame público da causa – artigo 6º, nº 1, da CEDH Com a publicidade pretende-se contribuir para o exame equitativo.
Deliberações do CSM em matéria disciplinar. O facto de o STJ ter poderes limitados quanto à apreciação da matéria de facto (não ter competência em matéria de aquisição da prova ou para a fixação dos factos provados), conjugado com a não realização de uma audiência pública, significa que não são respeitadas as exigências de um processo equitativo, tal como previsto no artigo 6º, nº 1, da CEDH. – Ac. da Grand Chambre do TEDH de 06. 11. 18.
I - Legislação. - Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; - Estatuto dos Funcionários de Justiça; - Estatuto dos Magistrados Judiciais; - Convenção Europeia dos Direitos do Homem. II - Jurisprudência. - A indicada (disponível em www. dgsi. pt). III – Bibliografia. - Vasco José da Silva Cavaleiro, “O poder disciplinar e as garantias de defesa do trabalhador em funções públicas”, tese de mestrado, Universidade do Minho, Escola de Direito, tese disponível na internet; - Ireneu Cabral Barreto, “Direito ao Exame da Causa Publicamente”, in Ministério Público, Procuradoria-Geral da República, Gabinete de Documentação e Direito Comparado, texto disponível na internet; - Raquel Alves, “A apreciação das deliberações do Conselho Superior da Magistratura pelo Supremo Tribunal de Justiça à luz do art. 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, in Revista Julgar, nº 21, ano 2013, texto disponível na internet
Muito obrigado.
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