POTICA2 ANLISE DA OBRA ANA CRISTINA CSAR A
POÉTICA(2): ANÁLISE DA OBRA ANA CRISTINA CÉSAR
A LÓGICA CIRCUNDANTE DE ANA CRISTINA CÉSAR Tati Dantas, psicóloga e pesquisadora na área de literatura e psicanálise, comenta sobre a dificuldade de a leitura fluir (ordem dos escritos de Ana César, em Poética, foi cronológica) nesse livro e aconselha algumas alterações para criar intimidade com os escritos de Ana: 1. Inéditos e Dispersos 2. Antigos e Soltos: poemas e prosas da pasta rosa 3. Visita à Oficina 4. A Teus Pés 5. Luvas de Pelica 6. Correspondência Completa 7. Cenas de Abril
DADOS DA OBRA Autora: Ana Cristina Cruz César Escola Literária: Literatura Contemporânea – Geração Mimeógrafo Ano de Publicação: Organizado em 2013 Gênero: Poesia Ilustração : Ana Cristina Cruz César
DADOS DA OBRA Temas: v. Registro da intimidade (como se vê nos diários e cartas), porém é uma intimidade aparente, é uma estratégia de sedução estética. v Retrato de cenas cotidianas e pensamentos fugazes. v Intertexto com poesia universal , ora parodiandoas, ora parafraseando-as.
O LIVRO, A AUTORA POÉTICA, ANA CRISTINA CESAR, SÃO PAULO: COMPANHIA DAS LETRAS, 2013, 504 PÁG. Poética trata-se de um livro com as obras de Ana Cristina Cesar ou simplesmente Ana C. . Ana era uma poetisa e tradutora carioca vinculada a Poesia Marginal, portanto um dos nomes marcantes da geração mimeógrafo. Carioca, nasceu no ano de 1952 e suicidou-se aos 30 anos, em 1983, atirando -se pela janela do apartamento do oitavo andar. Ana Cristina Cesar era filha de Maria Luiz Cruz e do jornalista e sociólogo Waldo Aranha Lenz Cesar. Estes eram pertencentes à classe média da sociedade e a família era considerada muito culta. Ana tinha dois irmãos, um chamado Filipe, e outro Flávio. O melhor amigo de Ana Cristina César foi o poeta brasileiro Armando Freitas Filho. Foi para esse grande amigo, que Ana Cristina deixou a responsabilidade de depois de sua morte, cuidar de suas publicações. Atualmente, o acervo pessoal dessa grande autora está sob os cuidados do Instituto Moreira Salles. Isso só foi possível porque a família de Ana fez com que o Instituto prometesse que os manuscritos da autora ficassem no Rio de Janeiro. No entanto, muitas cartas da autora, em especial as que foram recebidas pelo escritor Caio Fernando de Abreu, foram censuradas pela família.
CONTEXTO HISTÓRICO Década Sessenta do século XX: v Desenvolvimento tecnológico; v Crises políticas → Governo JK: ≈ euforia política e econômica ≈ euforia cultural (Bossa Nova, Cinema Novo, Teatro de Arena, Vanguardas e Televisão) → renúncia de Jânio Quadros e Golpe Militar: ≈ censura: jornais, revistas, filmes, músicas. ≈ fechamento do Congresso ≈ perseguição de intelectuais, artistas e políticos.
CONTEXTO HISTÓRICO Década Sessenta do século XX: v. Crises políticas → recuo da cultura → uso de estratégias de disfarce cultural Década Setenta do século XX: v. Nacionalismo exacerbado→ motivação: vitória na Copa. → segue-se a ele um período de torpor. Em 1979 : → Governo Figueiredo ≈ anistia: exilados voltam ao Brasil
CONTEXTO HISTÓRICO Década Oitenta do século XX: v. Mobilização popular → desejo de eleições diretas Em 1989→ posse de Fernando Collor de Mello, eleito diretamente e cassado em 1991.
PERÍODO HISTÓRICO Em 1964, os militares tomaram o poder no Brasil, derrubando o governo de João Goulart (o Jango). Goulart tinha sido vice-presidente de Jânio Quadros, eleito democraticamente. Mas quando Jânio Quadros renunciou ao cargo, em 1961, Goulart assumiu a presidência e colocou no governo ministros declaradamente de esquerda.
PERÍODO HISTÓRICO Para impedir o avanço do socialismo, os militares entraram em campo. O país passou a ser governado a partir de decretos, os Atos Institucionais. O mais pesado de todos, o AI-5, entrou em vigor a partir de 1968, instaurando a censura prévia o a tortura, entre outras coisas. Ele durou até 1979.
POESIA MARGINAL — ANOS 70 Entende-se como "Poesia marginal" toda a poesia produzida pela chamada “geração mimeógrafo” — um movimento brasileiro que ocorreu após a Tropicália, na década de 1970, devido a forte atuação da ditadura militar, a qual levou professores, intelectuais, poetas e artistas em geral a buscarem formas "não convencionais" (portanto, marginais) de publicação, como o mimeógrafo, uma das mais altas tecnologias da época.
POESIA MARGINAL — ANOS 70 A ideia era fazer a poesia chegar mais rapidamente ao público e de forma mais barata; assim, as obras eram vendidas de mão em mão nas ruas, praças, bares e universidades. Foi a forma que os poetas encontraram de se expressar livremente em pleno regime da ditadura militar, bem como revelar novas vozes poéticas. Esse tipo de poesia foi estendido também aos anos 1980, utilizando-se a fotocópia (xérox) e a produção de fanzines.
FANZINE É uma abreviação de fanatic magazine, mais propriamente da aglutinação do final da palavra magazine (revista) com a sílaba inicial de fanatic. Fanzine é, portanto, uma revista editada por um fan (fã, em português). Trata-se de uma publicação despretensiosa, eventualmente sofisticada no aspecto gráfico, dependendo do poder econômico do respectivo editor (faneditor). Engloba todo o tipo de temas, assumindo usualmente, mas não necessariamente, uma determinada postura política, em padrões experimentais.
Fanzines
POESIA MARGINAL — ANOS 70 Atualmente, usa-se a internet como forma de divulgação, mas não para fugir da censura, e sim por motivos econômicos. Nos anos 70, muitos dos poetas pertenciam à classe média alta ou mesmo a elite social brasileira, logo seus motivos eram meramente políticos.
POESIA MARGINAL — ANOS 70 A poesia marginal sofreu influências do Modernismo Brasileiro (na primeira fase, de Oswald e Mário de Andrade), do Tropicalismo (na música, com Gilberto Gil e Caetano Veloso) e de movimentos de contracultura, como o rock, o movimento hippie, histórias em quadrinhos e cinema.
POESIA MARGINAL — ANOS 70 “O que interessa aqui, para pensar a poesia dos anos 70, é o lado anárquico do movimento tropicalista, do deboche, do ‘comportamento desviante’, como dirá a poeta Ana Cristina César, em 1979. ” A linguagem desse movimento prima pela coloquialidade, espontaneidade, experimentação rítmica e musical, humorística, paródica e representação do cotidiano urbano. Os temas abordados pelos escritores giram sobre o eixo da liberdade, do amor, da sexualidade, da poesia, da política, do medo. Ana César trará, também, temas como: a experiência existencial e de escrita, o cultivo do ‘instante’, da falsa intimidade (confissões ficcionais)
POESIA MARGINAL — ANOS 70 A produção desse tipo de poesia, como já era de se esperar, não foi aceita por grandes editoras. O pontapé inicial se deu somente em 1975, quando a editora Brasiliense publicou a obra "26 Poetas Hoje", cuja responsável pela antologia foi Heloísa Buarque de Holanda. Também foi ela quem incluiu Ana César nessa coletânea. Heloísa , então, buscava incluir um nome feminino nesse movimento, quando conheceu, através de uma professora de Ana Cristina, a sua poesia. Os principais autores da poesia marginal da época dos anos 1970 foram: Paulo Leminski, Francisco Alvim, Cacaso, Ana Cristina César e Ricardo Carvalho Duarte (Chacal).
O que você deve saber sobre : TENDÊNCIAS CONTEMPOR NEAS A poesia Marginal encaixa-se naquilo que hoje chamamos de Literatura Contemporânea. Muitas são as tendências que marcam essa literatura no Brasil. Futuramente, caberá aos críticos e especialistas que estudarem a multiplicidade estética da época identificar traços de semelhança e de diferença entre as muitas produções dos escritores atuais.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE TENDÊNCIAS CONTEMPOR NEAS § Revisão ou descarte de conceitos valorizados no século XX, como classe social, ideologia, esquerda e direita. § Abandono da linearidade narrativa e uma escrita fragmentada para retratar a realidade do século XXI. § Destaque aos gêneros conto e crônica. § Incorporação do tema da violência (principalmente a urbana). § Realismo fantástico. § Intimismo pessimista ligado ao tema dos desencontros.
TENDÊNCIAS LITERÁRIAS Concretismo: no Brasil, surge, em 1956, com a publicação da revista Noigrandes. Radicalizou a proposta de valorização da forma na poesia, incorporando a ela os signos da sociedade moderna. Foi representado e idealizado por Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari. Neoconcretismo: em consonância com as propostas dos artistas plásticos Hélio Oiticica e Lygia Clark, surge o Neoconcretismo, movimento fundado por Ferreira Gullar que propunha a necessária participação do leitor na construção do sentido do texto. Poema-processo: colocando em segundo plano o signo verbal, em detrimento dos signos gráficos, surge em 1967, idealizado por Wlademir Dias-Pino. TENDÊNCIAS CONTEMPOR NEAS
TENDÊNCIAS LITERÁRIAS Poesia política: no contexto do golpe militar de 1964, surge uma poesia engajada e política, representada por Ferreira Gullar, Tiago de Melo e Geir Campos. Prosa introspectiva: Caio Fernando Abreu, Lygia Fagundes Telles, Marina Colasanti, Nélida Piñon e Raduan Nassar, guardadas suas diferenças estéticas, mergulham no universo das personagens, revelando suas angústias, medos, frustrações, em narrativas marcadas pelo fluxo de consciência e intimismo. Crônica: ganha força na literatura contemporânea com Lourenço Diaféria, Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Carlos Heitor Cony e Martha Medeiros. TENDÊNCIAS CONTEMPOR NEAS
TENDÊNCIAS LITERÁRIAS Regionalismo: retomada da vertente regionalista com a incorporação de novos recursos narrativos. Destacam-se João Ubaldo Ribeiro, Bernardo Élis, José Cândido de Carvalho e Milton Hatoum. Romance urbano: destacam-se Luiz Alfredo Garcia-Roza, Patrícia Melo, Chico Buarque, Dalton Trevisan, Rubem Fonseca e Cristóvão Tezza. Poesia marginal: na década de 1970, surge a poesia marginal, tendência marcada pela “publicação alternativa” das obras e pela temática do humor e da irreverência em relação às grandes questões da época. Destacam-se Chacal, Charles, Ledusha, Ronaldo Bastos, Cacaso, Francisco Alvim, Glauco Matoso e Roberto Piva e Ana Cristina César. TENDÊNCIAS CONTEMPOR NEAS
ASSINATURA DIVERSA Ana Cristina César assinava seus poemas de quatro formas derivadas de seu nome próprio: Ana Cristina César , Ana Cristina C. , Ana C. ou Ana. Nenhuma análise há que explique essa variação.
SÍNTESE DO LIVRO MARCAS DE AUTORIA ANA CRISTINA CÉSAR
SÍNTESE DA OBRA Ana César escreve de maneira muito original e, talvez por isso, sua leitura não é facilmente compreendida. v. Alguns de seus textos poéticos mencionam acontecimentos reais. v. Há nela inovações da linguagem. v. Investe na experimentação. v. Exercita a liberdade e inventividade de temas. v. O Leitor é um destinatário.
SÍNTESE DA OBRA E como também fazem os poetas da geração do mimeógrafo utiliza: v. Linguagem próxima a oralidade. v. Textos curtos. v. Paródias. v. Metalinguagem.
TEMAS DO LIVRO POÉTICA ANA CRISTINA CÉSAR EXEMPLOS INTERTEXTU AIS
TEMAS DA OBRA: Ênfase no existencialismo (momento político - ditadura, tempo presente sem importar-se com o futuro); ØPresença do feminino; Ø Cultivo do instante como momento da vital; ØClara influência de outros escritores, a partir de: Citação direta, Citação indireta e intertextualidade. Ø
CLARA INFLUÊNCIA DE OUTROS ESCRITORES, A PARTIR DE: § Citação direta (menção de nomes, títulos ou trechos entre aspas): [Em Artemanhas de um gasto gato, aparece os nomes J. Alfred Prufrock (do poema “A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock” de Eliot) e J. Pinto Fernandes( do poema “Quadrilha” de Carlos Drumond de Andrade) – ][ Psicografia é um título que ela empresta de Fernando Pessoa ou Jornal Íntimo que é uma menção clara ao poema Journaux Intimes de Charles Baudelaire] § Citação indireta (menção de palavras, títulos ou poemas ligeiramente modificados): [Marfim – uma palavra que remete ‘à torre de marfim’, figura que remete aos poetas simbolistas], [Arte-manhas de um gasto gato – que dialoga com ‘Old Possum’s book of practical Cats’ (Livro do velho gambá sobre gatos travessos) de T. S. Eliot] [O poema e a água, de Cabral de Melo Neto, vira O poema e a trégua] ØIntertextualidade: resultado dessas citações diretas ou menções: [Índice onomástico] ou [Jornal Íntimo – em que diz: “tomo um banho de lua” , verso da música ‘Banho de lua’ de Celi Campelo
ARTIMANHAS DE UM GASTO GATO – ANA CÉSAR Não sei desenhar gato. Não sei escrever gato. Não sei gatografia Nem a linguagem felina das suas artimanhas Nem as artimanhas felinas da sua nãolinguagem Nem o que o dito gato pensa do hipopótamo (não o de Eliot) Eliot e os gatos de Eliot (“Practical Cats”) Os que não sei e nunca escreverei na tua cama. O hipopótamo e suas hipopotas ameaçam gato (que não é hipogato) Antes hiponímico. Coisa com peso e forma de peso e o nome do gato? J. Alfred Prufrock? J. Pinto Fernandes? o nome do gato é nome de estação de trem o inverno dentro dos bares a necessidade quente de tê-lo onde vamos diariamente fingindo nomear eu – o gato – e a grafia de minhas garras: toma: lê o que eu escrevo em teu rosto a parte que em ti é minha – é gato leio onde te tenho gato e a gatografia que nunca sei aprendi na marca no meu rosto aprendi nas garras que tomei e me tornei parte e tua – gata – a saltar sobre montanhas como um gato e deixar arco-irisado esse meu salto saltar nem ao menos sabendo que desenho e escrita esperam gato saltar felinamente sobre o nome de gato ameaçado o nome de GATO ameaçado o nome de GASTO ameaçado de morrer na gastura de meu nome repito e me auto-ameaço: não sei desenhar gato não sei escrever gato não sei gatografia Nem…
T. S. ELIOT Sobre: J. Alfred Prufrock “A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock” só seria publicado pela primeira vez em 1915, na revista “Poetry”, e lançado no livro “Prufrock e Outras Observações”, em 1917, que trazia uma recolha de poemas do autor. Uma vez publicado, o poema deu uma outra visão à poesia inglesa que se espalhou pelo mundo. Longo, angustiado e angustiante, T. S. Eliot mostra o medo de existir no tédio, a luta entre o desejo e a impotência, a existência e o envelhecer, a ansiedade de transitar em um novo mundo urbano e a necessidade de alienar-se a ele. (Lê-la em http: //virtualiaomanifesto. blogspot. com. br/2008/12/cano-de-amor-de-j-alfredprufrock-t-s. html <acesso em 16/07/2016>)
T. S. ELIOT Sobre gatos: Os afilhados do escritor, os filhos do dono da editora Faber & Faber (editora de Eliot), magoavam-se com o comportamento soturno do padrinho e resolveram apelidá-lo de Old Possum (o velho gambá). O fato despertou o interesse de Eliot que resolveu responder à altura aos meninos. Nas datas comemorativas de aniversário, Eliot presenteava os meninos com um poema sobre gatos. O velho gambá conhecia todos os tipos de felinos e cada texto se preocupava em descrever as características de um bichano (o que na maioria das vezes, representava marcas de pessoas específicas ou de comportamentos da sociedade londrina). Os poemas chamavam muito a atenção pelo poder musical, desenvolvidos em um ritmo extremamente cadenciado, e pelo jogo de palavras.
QUADRILHA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE Sobre: J. Pinto Fernandes João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história
MARFIM – ANA CÉSAR A moça desceu os degraus com o robe monografado no peito: L. M. sobre o coração. Vamos iniciar outra Correspondência, ela propôs. Você já amou alguém verdadeiramente? Os limites do romance realista. Os caminhos do conhecer. A imitação da rosa. As aparências desenganam. Estou desenganada. Não reconheço você, que é tão quieta, nessa história. Liga amanhã outra vez sem falta. Não posso interromper o trabalho agora. Gente falando por todos os lados. Palavra que não mexe mais no barril de pólvora plantado sobre a torre de
JOURNAUX INTIMES - CHARLES BAUDELAIRE Obra inédita até 1887, os textos de "Mon coeur mis a nu“ [Meu coração a nu] e "Fusées“ [Fogacho - Chama súbita e pouco duradoura. ] foram publicados sob o título geral de Journaux Intimes. Essa designação que Baudelaire lhes atribuiu constituem um conjunto de valiosas notas destinadas às suas obras, ou apontamentos breves e sinceros, por vezes com verdadeiro sarcasmo, dos seus pensamentos mais íntimos, dos seus juízos de valor, das suas iras, tornando-se indispensável a sua leitura para a plena compreensão da sua personalidade e da sua obra.
JORNAL ÍNTIMO – ANA CÉSAR à Clara 30 de junho Acho uma citação que me preocupa: “Não basta produzir contradições, é preciso explicá-las”. De leve recito o poema até sabê-lo de cor. Célia aparece e me encara com um muxoxo inexplicável. 29 de junho Voltei a fazer anos. Leio para os convidados trechos do antigo diário. Trocam olhares. Que bela alegriazinha adolescente, exclama o diplomata. Me deitei no chão sem calças. Ouvi a palavra dissipação nos gordos dentes de Célia. 27 de junho Célia sonhou que eu a espancava até quebrar seus dentes. Passei a tarde toda obnubilada*. Datilografei até sentir câimbras. Seriam culpas suaves. Binder ** diz que o diário é um artifício, que não sou sincera porque desejo secretamente que o leiam. Tomo banho de lua. 27 de junho Nossa primeira relação sexual. Estávamos sóbrios. O obscurecimento me perseguiu outra vez. Não consegui fazer as reclamações devidas. Me sinto em Marienbad*** junto dele. Perdi meu pente. Recitei a propósito fantasias capilares, descabelos, pelos subindo pelo pescoço. Quando Binder perguntou do banheiro o que eu dizia respondi “Nada” funebremente. * obnubilada - escurecida ** Mike Binder (Detroit, 2 de junho de 1958) é um premiado cineasta, roteirista, produtor e ator norte-americano ***L'Année dernière à Marienbad (O ano passado em Marienbad) é um filme multinacional lançado em 1961, com direção de Alain Resnais e roteiro original de Alain Robbe-Grillet
JORNAL ÍNTIMO – ANA CÉSAR 26 de junho Célia também deu de criticar meu estilo nas reuniões. Ambíguo e sobrecarregado. Os excessos seriam gratuitos. Binder prefere a hipótese da sedução. Os dois discutem como gatos enquanto rumbas me sacolejam. 25 de junho Quando acabei O jardim de caminhos que se bifurcam uma urticária me atacou o corpo. Comemos pato no almoço. Binder me afaga sempre no lugar errado. 27 de junho O prurido só passou com a datilografia. Copiei trinta páginas de Escola de mulheres no original sem errar. Célia irrompeu pela sala batendo com a língua nos dentes. Célia é uma obsessiva. 28 de junho Cantei e dancei na chuva. Tivemos uma briga. Binder se recusava a alimentar os corvos. Voltou a mexericar o diário. Escreveu algumas palavras. Recurso mofado e bolorento! Me chama de vadia para baixo. Me levanto com dignidade, subo na pia, faço um escândalo, entupo o ralo com fatias de goiabada. 30 de junho Célia desceu as escadas de quatro. Insisti no despropósito do ato. Comemos outra vez aquela ave no almoço. Fungo e suspiro antes de deitar. Voltei ao
PSICOGRAFIA – ANA CÉSAR Também eu saio à revelia e procuro uma síntese nas demoras cato obsessões com fria têmpera e digo do coração: não sou e digo a palavra: não digo (não posso ainda acreditar na vida) e demito o verso como quem acena e vivo como quem despede a raiva de ter visto
AUTOPSICOGRAFIA - FERNANDO PESSOA O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que leem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração. 27/11/1930
NOITE DE NATAL- INTERTEXTO COM MANUEL BANDEIRA Estou bonita que é um desperdício. Não sinto nada, mamãe Esqueci Menti de dia Antigamente eu sabia escrever Hoje beijo os pacientes na entrada e na saída com desvelo técnico. Freud e eu brigamos muito. Irene no céu desmente: deixou de trepar aos 45 anos Entretanto sou moça estreando um bico fino que anda feio, pisa mais que deve, me leva indesejável pra perto das botas pretas pudera.
MANUEL BANDEIRA: IRENE NO CÉU Irene no Céu Irene preta Irene boa Irene sempre de bom humor. Imagino Irene entrando no céu: - Licença, meu branco! E São Pedro bonachão: - Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
NADA, ESTA ESPUMA Por afrontamento do desejo insisto na maldade de escrever mas não sei se a deusa sobe à superfície ou apenas me castiga com seus uivos. Da amurada deste barco quero tanto os seios da sereia.
VALE A PENA OBSERVAR EM ‘NADA, ESTA ESPUMA’ Por afrontamento do desejo(1) ≈ Ambiguidade: ≈ Metalinguagem ↔ insisto na maldade de escrever(2/3) ≈ ↔ mas não sei se a deusa sobe à superfície (4) ≈ ou apenas me castiga com seus uivos. Da amurada deste barco(5) ≈ quero tanto os seios da sereia. (6) ≈ (1) causa ou finalidade (Porque o desejo me afrontou ou para afrontar o desejo? ) ≈ (2) escrever mal ou cruelmente? ↔ (3) ato de refletir sobre a escrita ≈ (4) a deusa sobe à superfície para aprovar o meu canto ou me condenar por escrever mal ≈ (5) quero tanto cantar como a sereia ou quero silenciar a sereia que me reprova.
NADA, ESTA ESPUMA - MALLARMÉ Nada, esta espuma, virgem verso A não designar mais que a copa; Ao longe se afoga uma tropa De sereias vária ao inverso. Navegamos, ó meus fraternos Amigos, eu já sobre a popa Vós à proa em pompa que topa A onda de raios e de invernos; Uma embriaguez me faz arauto, Sem medo ao jogo do mar alto, Para erguer, de pé, este brinde Solitude, recife, estrela A não importa o que há no fim de um branco afã de nossa vela. Tradução de Guilherme de Almeida
POÉTICA DE ANA CRISTINA CÉSAR COMPOSIÇÃO DA DA POÉTICA AUTORA
COMPOSIÇÃO DA OBRA Poética é composta de seis livros, cuja organização foi cronológica, embora muitos leitores de Ana César prefiram começar com o livro Inéditos e Dispersos, pois sua temática e forma parece mais próxima ao que comumente aliamos à poesia. 1) Cenas de Abril – 1979 2) Correspondência Completa – 1979 3) Luvas de Pelica – 1980 4) A Teus Pés – 1982 – reúne os livros Cenas de Abril, Correspondência Completa, Luvas de Pelica 5) Inéditos & Dispersos – 1985 – organizado por Armando Freitas Filho 6) Antigos e soltos – 2008 – poemas e prosas da pasta rosa
CENAS DE ABRIL – 1979 o. Heloísa Buarque de Holanda, na FLIP – 2016, afirma que a escolha de títulos era uma etapa adorada por Ana César e que em cenas de abril, o nome desse mês foi escolhido por conta da sonoridade do ‘L’ final. o Lançou em edição independente e depois em ‘A teus pés’: Cenas de Abril. o Possui 24 textos dos mais variados gêneros: poemas, poemas em prosa, prosas poéticas, fragmentos de diário, verbete de dicionário.
CORRESPONDÊNCIA COMPLETA – 1979 q. Constituído de um único texto: uma carta de Júlia a um ‘My Dear’. O título é uma ironia já que o ‘Completas’ sugeriria as muitas cartas e não uma carta apenas. q. Lançou em edição independente e depois em ‘A teus pés’: Correspondência Completa. q. No início do texto: o “My dear”, a quem Ana Cristina Cesar se dirige, é Heloisa Buarque de Hollanda, professora e amiga da poeta. q A carta foi publicada em 1979(uma única), em edição artesanal, formato 10× 7, sob o título ’Correspondência completa’ e a indicação de ser ‘ 2 a edição’. Trata-se, de fato, da primeira. O dado falso não passa de brincadeira da autora.
LUVAS DE PELICA – 1980 o Escrito enquanto a autora estava fazendo mestrado em Tradução Literária, em Essex, na Inglaterra. o. Ana voltou ao Rio e publicou essa obra que havia escrito na última viagem para a Inglaterra, chamada de Luvas de Pelica. o. O título é uma metáfora para o trabalho refinado e erudito de poeta, o que cria um paradoxo para a linguagem coloquial com que ela escreve os fragmentos. o. Lançou em edição independente e depois em ‘A teus pés’. o. Possui 34 fragmentos (apenas um tem título: ‘Epílogo’, alguns outros têm uma espécie de subtítulo). o. O gênero dessa obra é de difícil classificação, mas predominam fragmentos como os de um diário ou textos confessionais. o. Criação de uma linguagem bem particular, com estilhaçamento dos sentidos e uma cinematográfica. o. Acerca da narração, há a suposição de que seja uma só narradora e vários destinatários : “Reginaldo”, “minha filha”, “querida” “Querido diário”. o. Linguagem coloquial. Expressões afetuosas e íntimas, relatos de conversas banais, casos amorosos, há também , em determinado ponto, um tom de reclamação.
A TEUS PÉS – 1982 o. Possui 43 textos dos mais variados gêneros com predomínio de construções em versos. o O último livro de Ana Cristina César, e único publicado por editora, reúne os três livros anteriores de edição independente: Luvas de Pelica, Correspondência Completa e Cenas de Abril. o Retrata com dor e elegância as vivências urbanas e as impressões cotidianas de uma poeta ao mesmo tempo densa e delicada. o Nesta obra, além de utilizar formas que nos remetem a escritas “íntimas”, a autora ousa mais, fragmenta mais, como se fizesse uma verdadeira colagem cifrada de frases vindas de diversos lugares. o O que se tem no fim são textos aparentemente desconexos, cheios de saltos, de versos que parecem não se encaixar. E muita coisa ainda com cara de diário, de correspondência. o Resultado: a impressão de que há segredos escondidos nas entrelinhas, símbolos a serem decifrados, silêncios que suspendem o entendimento e aguçam a curiosidade: o que ela está querendo dizer? Entretanto, parece não ser bem essa a pergunta a ser feita. Segundo Ana Cristina, não se trata de fazer uma literatura de entrelinhas. Esses vazios, saltos, silêncios, espaços em branco seriam o que ela define como o “não-dito” do texto literário, algo que difere bastante do que usualmente se entende por “entrelinha”.
INÉDITOS & DISPERSOS – 1985 o Compilação de poemas produzidos desde os nove anos de idade , porém publicados apenas após a sua morte. o. Gêneros diversos. o. I parte: üDesenhos infantis de Ana César (1961 -1972): ilustrações simples; üUma história em que a princesa fura a barriga de um conde (porque ele tem ‘o rei na barriga’- expressão popular para orgulho desmedido- e que ela literaliza). A princesa fura-o e aparece um belo rei para se casar com ela, todavia ela se mata atirando-se ao mar. o. II parte: üPoemas datados: apresentam ainda trabalho sonoro rima e presença lírica definida (um formato mais clássico, explicado pela pouca idade da autora, então) üEm 1968, ela escreve dez poemas datados, aparece o tom confessional, de diário, versos livres; em outros ainda está o tom e o rigor clássico (sonetos). üEm dez poemas desse livro, a figura central é o gato e uma gatografia. A escrita na ficção desses poemas dá-se na biblioteca da PUC- lugar de erudição. Usa versos ora curtos e livres, mas eruditos em diálogo direto com ‘Old Possum’s book of practical Cats’ (Livro do velho gambá sobre gatos travessos) de T. S. Eliot. üO livro Inéditos & Dispersos também traz poemas em prosa, como ‘Cartas de Paris’, rico em referências a escritores franceses, o tom é de correspondência tal qual indica o título.
ANTIGOS E SOLTOS – 2008 o. São os poemas da pasta rosa publicado em 2008. Na edição Poética esse livro não está completo, contendo nele uma seleção feita por Viviana Bosi. o. Gêneros diversos: poemas, relatos de viagem, fragmentos de diário, cartas enviadas , cartas nunca enviadas, bilhetes, anotações íntimas em cadernos de aula. o. O livro inicia com uma ‘Nota do Curador’ escrita por Armando Freitas Filho, amigo pessoal de Ana César e responsável por suas obras (curador). Em tal nota ele relata a dificuldade em editar um material de alguém que já morreu, agravada pelo fato da autora ter tachado o material como ‘Prontos mas rejeitados”. o. Essa obra se encerra com uma última parte intitulada “O livro” a qual traz um conto composto de nove partes. Antes da primeira parte há uma espécie de advertência ao leitor.
‘CRÉDITOS’ ACRÉSCIMOS À POÉTICA Teóricos/ Organizador es da obra
ACRÉSCIMOS À OBRA DE ANA CRISTINA CÉSAR Após a coletânea de livros de Ana César, a poética ainda traz mais seis partes: I. VISITA À OFICINA II. À MERCE DO IMPOSSÍVEL III. APÊNDICE IV. CRONOLOGIA V. CRÉDITOS DAS IMAGENS VI. ÍNDICE DE TÍTULOS E PRIMEIROS VERSOS
VISITA À OFICINA- NA EDIÇÃO DE 2013 v. Traz uma ilustração de uma máquina de datilografia que remete ao trabalho do descritor (oficina). v. Armando Freitas filho menciona em nota que Mariano Naronatto descobriu alguns textos inéditos que estavam na oficina de Ana C. e agora expõe ali. A ideia é valorizada pelo acompanhamento que se pode fazer dos exercícios de escrita de Ana César. v. Contém 13 poemas escritos de (1968 a 1980). v. Gêneros diversos: poemas, poemas visuais (seguindo o Concretismo), poemas em prosa e, diário. v. Há algumas cópias dos originais (datilografados ou manuscritos). v. O poema “Quase”, escrito aos dezesseis anos, destoa do material pois há uma notificação do professor que o leu (‘ 10’ e ‘Lindo!’).
À MERCE DO IMPOSSÍVEL vÉ um posfácio escrito por Viviana Bosi com breves comentários sobre a obra de Ana César.
APÊNDICE v. Traz dois poemas de Ana César os quais segundo nota de rodapé faziam parte da edição independente de “Cenas de Abril”, mas que foram excluídos por Ana na edição de ‘A teus pés’. v. Há uma carta endereçada, mas não postada e entregue, a Armando Freitas Filho. v. Contém escritos críticos sobre Ana César, assinados por: Armando Freitas Filho, Heloísa Buarque de Hollanda, Caio Fernando de Abreu, Reginaldo Moraes, Silviano Santiago entre outros.
CRONOLOGIA v. Cronologia da vida da autora.
CRÉDITOS DAS IMAGENS v. Menciona a quem pertence as imagens inclusas no livro.
ÍNDICE DE TÍTULOS E PRIMEIROS VERSOS v. Organiza os títulos e primeiros versos (quando não há título os primeiros versos servem como tal)
VOCÊ PODE ASSISTIR AO VÍDEO: "Um navio no espaço, ou Ana Cristina César", A peça conta a história da vida e obra da poetisa carioca Ana Cristina César. A dupla considera a jovem poeta um grande gênio da sua época e transporta para o palco, em Um Navio no Espaço, sua busca e suas angústias. Sua trajetória é retratada desde a infância até sua morte provocada por ela mesma aos 30 anos de idade. http: //www. youtube. com/watch? list=PLDluqy. FLQfy. U 8 Eo 9 HZYnixf 66 x. Ix 9 sv. K&v=2 -JUGjq 4 n. Rg
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