Perspectivas feministas de crtica ao direito Fabiana Cristina
Perspectivas feministas de crítica ao direito Fabiana Cristina Severi 2017
Aportes teóricos e categorias conceituais • Patriarcado (patriarcalismo), gênero, sexualidade, colonialidade, racismo patriarcal e heteronormativo, vida precária, interseccionalidade • Campo feminista • Teorias feministas e críticas feministas ao direito • Sistema de justiça, o caráter subversivo do direito e o poder do direito e do feminismo
Feminismo • Ação política – movimentos sociais e resistências múltiplas • Perspectivas teóricas ou teorias feministas Questionamento acerca das posições de subordinação que as mulheres têm vivido nas diversas sociedades, pautado no interesse de transformar a realidade analisada.
Todo feminismo é interseccional? • Flora Tristán (1843): “Por que reclamo direitos para a mulher? Porque eu gostaria que ela estivesse na sociedade em condições de igualdade absoluta com o homem, e que gozasse desta situação em virtude do direito legal tal qual todo ser vivente ao nascer? Reclamo direitos para a mulher porque estou convencida de que todas as desgraças do mundo provêm do esquecimento e desprezo que se tem mantido até hoje aos direitos naturais e imprescritíveis da mulher. Reclamo direitos para a mulher porque é o único meio de obter sua reabilitação diante da igreja, diante da lei e da sociedade e porque é necessária essa reabilitação prévia para que os trabalhadores mesmos sejam reabilitados. • “(. . . ) Tenham em conta que a posição do trabalhador é completamente distinta da do ocioso. (. . . ) A mulher é tudo na vida do trabalhador”.
• “A miserável posição da mulher não comprova sua raça inferior, assim como os opressores de todo tipo não pertencem à melhor da humanidade. Eu não anuncio uma cruzada nem contra os homens em geral, nem contra os sociais -democratas em particular. Apenas sou contra a ideia de que nós mulheres devemos esperar deles a liberdade. O passado da humanidade não justifica tais expectativas em relação à mulher nem a qualquer oprimido. Libertaram-se apenas aqueles que, ao se revoltar, escreveram as próprias leis” (KALMÁNOVITCH).
• A trabalhadora curva-se sob o peso da família, esgota-se sob a tripla jornada: trabalhadora profissional, dona de casa e mãe. E o que lhe propõem as feministas? Que saída, que alívio buscam para ela? ‘Joguem fora antigos preceitos morais’, sugerem elas à irmã mais nova, ‘torne-se uma amante livre e uma mãe livre. Adote nosso bordão – amor livre, liberdade de amar e direito à maternidade’. Como se há muito tempo esses bordões não tivessem se tornado demasiados reais para a mulher da classe trabalhadora! Como se, por força das condições sociais que a cercam, em que todo o fardo da maternidade recai sobre os ombros enfraquecidos da proletária ‘trabalhadora autônoma’, o amor livre, a liberdade de amar e a maternidade não fossem para ela fonte inexplicável de novos sofrimentos, preocupações, dissabores! Como se toda a questão estivesse nas formas ritualísticas externas, e não nas relações socioeconômicas da sociedade, que determinam as complexas obrigações familiares da mulher proletária! A questão matrimonial e familiar, não importa se sacramentada pela igreja, oficializada pelo juiz ou construída com base em um acordo informal, só deixaria de ser crucial para a maioria das mulheres se, e apenas se, a sociedade retirasse de suas costas todas as minuciosas tarefas domésticas (inevitáveis, em virtude da existência de lares individualizados e desarticulados), se a sociedade tomasse para si as preocupações com a nova geração, se protegesse a maternidade e devolvesse a mãe à criança em seus primeiros meses de vida (KOLLONTAI).
• “O feminismo é uma teoria política e uma prática que luta por libertar todas as mulheres negras, mulheres trabalhadoras, mulheres pobres, mulheres deficientes, mulheres lésbicas, mulheres de terceira idade – bem como mulheres brancas economicamente privilegiadas e heterossexuais. Qualquer visão diferente desta de total liberdade não é feminismo. Apenas um engrandecimento feminino”. Patricia Collins
Interseccionalidade e democracia radical • Análise do poder: como a análise da intersecção das opressões estruturais sustenta o sistema de dominação; Como o enquadramento dos domínios do poder aporta ferramentas conceituais para examinar e responder a relações de poder entrecruzadas; Como uma análise mais robusta do coletivo ilumina a ação política dos grupos subordinados. • A partir disso, é possível examinar o poder e as políticas a partir do ponto de vista das tradições de resistência dos grupos subordinados historicamente, especialmente a ação política das mulheres negras. • A conceituação interseccional do feminismo negro é um importante ponto de partida para um compromisso mais profundo com a democracia participativa como uma alternativa às agendas técnicas do Estado. • Coalizões e solidariedades flexíveis – ampliam o potencial crítico transformador da análise interseccional
• Heleieth Saffioti – sistema de exploração dominação em que se cruzam nós de opressões • Lélia Gonzales – Afroamericanidade • Glória Anzaldúa – Consciência mestiça • Sueli Carneiro – Enegrecendo o feminismo • Rita Segato – Frente colonial/estatalempresarial-midiático-cristã • Jurema Werneck e Nilza Iraci – racismo patriarcal e heteronormativo
Patriarcado contemporâneo (Sylvia Walby) • Sistemas de estruturas sociais interrelacionadas por meio das quais os homens exploram as mulheres: – esfera doméstica: expropriada pelo marido – Trabalho assalariado: remuneração e direitos – Estado: políticas e representação – Violência masculina: tolerada e legitimada – Sexualidade: heterossexualidade compulsória e duplo padrão sexual – Cultura: religião, educação e mídia
Pressupostos gerais de uma perspectiva feminista crítica sobre o direito • Relação entre teoria e prática • Crítica ao caráter androcêntrico do direito e à desvalorização das mulheres pelo direito • Interdisciplinaridade • Propostas questionadoras da neutralidade da lei e desafiadoras dos significados convencionais de categorias jurídicas como público, privado, igualdade etc.
Algumas categorias analíticas de juristas feministas • Poder do direito como tecnologia de criação de gênero (Carol Smart); • Descentrar e desafiar o poder do direito (Carol Smart) • Paradoxos do feminismo no campo do direito: crítica ao ou uso do direito? • Direito em sentido amplo (Alda Facio) • Tipos de feminismos jurídicos na América Latina: inclusivo, responsivo e político. (Isabel Jaramillo)
Análise feminista do direito (Garcia; Sierra, 2012) • Dimensões de crítica ao direito liberal: – Crítica aos binários – Desnaturalização das categorias legais – Politização dos espaços que se assumem como privados ou não políticos – Exceção como mecanismo de domesticação da crítica
• Dimensão de análise distributiva do direito – o direito é uma criação constante na qual intervêm diversos atores e instituições – Percepção sobre normas que configuram uma situação ainda que não se percebam, geralmente, como relacionadas com tal papel regulador; – Para entender como funciona o direito em uma situação especifica é preciso comparar as respostas que ele tem dado a situações similares em outros contextos, ou imaginarmos regras alternativas – O direito é um fator que intervém na distribuição de recursos e poder e, simultaneamente, em um discurso que impede a modificação substancial de tal distribuição.
Sentido de direito para os feminismos políticos (análise distributiva) • Está em constante criação no qual intervêm diversos atores • Composto por um conjunto amplo de normas que regulam os recursos que estão em jogo em determinada situação • Para entender seu funcionamento é preciso fazer comparações ou imaginar regras alternativas • É um importante fatos que intervém na distribuição de recursos de poder e impede a modificação dessa distribuição
Feminismo e produção do conhecimento • Sandra Harding (2005, p. 11) – teorias com categorias instáveis, inclusive a categoria mulher “aprender a aceitar a instabilidade das categorias analíticas, encontrar nelas a desejada reflexão teórica sobre determinados aspectos da realidade política em que vivemos e pensamos, usar as próprias instabilidades como recurso de pensamento e prática. Não há ‘ciência normal’ para nós! Recomendo aceitar esta mesma solução, apesar de se tratar de uma meta incômoda, pelas razões que se seguem”.
• HARDING – “As dicotomias são empiricamente falsas, mas não podemos descartá-las como irrelevantes enquanto elas permanecem estruturando nossas vidas e nossas consciências”. • Standpoint – ou a importância da experiência na produção do conhecimento • Crítica ao universal abstrato
Questões centrais para o feminismo hj (Judith Butler) • Quem está protegido diante da lei? • Quem recebe proteção policial quando está no trabalho ou no espaço doméstico? • Quais são os corpos objetos da violência policial? • Quem são estigmatizados e privados de direitos, ao mesmo tempo em que são atraídos e satisfeitos como sujeitos consumidores? • Quem têm suas relações íntimas e pessoais reconhecidas? • Como se expressam e são construídas as reivindicações de quem não têm voz? • Que tipo de alterações suas ações são capazes de operar no campo do poder? • Como podem tais populações ou grupos exigir o que necessitam para sobreviver?
Metodologias jurídicas feministas (Bartlet) • Pergunta pela mulher: identificar e questionar aqueles elementos da doutrina que excluam ou coloquem em desvantagem as mulheres • • Raciocínio prático: as resoluções legais são respostas pragmáticas a dilemas concretos ao invés de escolhas estáticas entre opostos • Aumento de autoconsciência: aumentar perspectivas através de compromissos colaborativos
Metodologias jurídicas feministas (Martha Minow) • Abordagem relacional do direito e do paradoxo entre igualdade-diferença: – dupla estratégia: a defesa do direito das mulheres de serem incluídas na lei para serem tratadas como os homens e a exigência pelo direito a um tratamento legal especial às mulheres que valoriza as diferenças das mulheres. – Enfrentar as falsas suposições que sustentam a maioria das decisões no direito: de que a diferença é algo intrínseco ao sujeito, de que há um padrão de normalidade (norma oculta) e desconsideração da perspectiva do observador
Metodologias jurídicas feministas (Alda Facio) • Tomar consciência da subordinação do sexo e/ou gênero feminino de forma pessoal • Identificar no texto as distintas formas em que se manifestam o sexismo • Identificar qual é a mulher que está presente ou invisbilizada no texto • Identificar qual é a concepção ou estereotipo de mulher que sustenta o texto • Analisar o texto tomando em conta a influencia e os efeitos do fenómeno legal • Ampliar e aprofundar a tomada de consciencia do que é o sexismo e coletiviza-la.
Categorias em criação • Projeto jurídico feminista • Processos de captura/domesticação da LMP • Caráter subversivo do projeto jurídico feminista • Desnaturalização do (história do) feminismo no campo jurídico
Direito e feminismo no Brasil • Produção intelectual vinculada ao litígio e à educação popular • Discussão sobre acesso à justiça, direitos sociais, democracia, legislação penal, uso de estereótipos de gênero em decisões judiciais, direitos sexuais e reprodutivos e violência.
Pesquisa da produção acadêmica brasileira • Amostra • Total: 277 ocorrências Até anos 80: 21 Entre 81 e 99: 58 Entre 2000 -2006: 57 Após 2007: 141
Evolução da publicação dos livros por biênio 40 35 30 25 20 número 15 10 5 80 82 84 86 88 90 92 94 96 98 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016 2017 0
Evolução da produção bibliográfica por biênio e sexo/gênero da autoria 100 A H M O 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 A - até 1980 B - entre 1981 e 1999 C - entre 2000 e 2006 D - após 2007
Tipologia da produção por período/perfil • Até anos 80: Questionamento do status civil da mulher na sociedade brasileira • Anos 80 e 90: Ampliação dos direitos políticos das mulheres e aproximação do feminismo ao Congresso e à Justiça • 2000 a 2006: Escovando a lei e a justiça a contrapelo e enfrentando a violência doméstica e institucional contra as mulheres • 2007 em diante: Ampliação dos direitos humanos das mulheres e a chegada das feministas na academia.
Até anos 80: Questionamento do status civil da mulher na sociedade brasileira • 67% autores do gênero masculino e a produção é individual; • Temas: conjugalidade e honra da mulher (divórcio, direitos da mulher casada, nome); • Editoras comerciais do direito: RT; • Categoria “mulher”
80 e 90: Ampliação dos direitos políticos das mulheres e aproximação do feminismo ao Congresso e à Justiça • 75% autoria mulheres • Temas: Constituinte, direitos políticos, saúde, direitos sexuais e reprodutivos, crimecriminologia, violência • Categoria: “mulheres” e “mulher” • Editoras: ONGs feministas, LTr, Lumen Juris, Atlas, Forense, Fabris
• Produção amplia, mas com foco na organização política feminista e na litigância estratégica feminista junto ao Congresso; • Abordagens históricas do feminismo brasileiro e de seus impactos no Direito; • Teses e dissertações com temas-problemas específicos, não necessariamente abordados em uma perspectiva teórica feminista “assumida”.
2000 a 2006: Escovando a lei e a justiça a contrapelo e enfrentando à violência contra as mulheres • 78% feitas por mulheres e 14% são institucionais. (Diminui participação dos homens) • Categorias interseccionais: Mulheres negras, trabalhadoras rurais; • Temas: direitos humanos, saúde, sexualidade e violência; • Produção articulada com a litigância junto ao Sistema de Justiça – estereótipos e estruturas • Aumento dos trabalhos acadêmicos e do diálogo interdisciplinar
• • Após 2007: Ampliação dos direitos humanos das mulheres e a chegada das feministas na academia Homens voltam à cena (22% só e 14% ambos): violência doméstica; Categorias: “mulheres em situação de violência” e gênero; Temas: Violência doméstica, direitos sexuais e reprodutivos, direitos humanos Produção de teses e dissertações temáticas, dogmática de direitos humanos das mulheres, traduções
Produção por tema e gênero após 2007 80 70 60 50 O 40 M H A 30 20 10 0 criminologia direitos e penal humanos direitos empresarial sexuais e reprodutivos família justiça políticos racismo saúde sociojurídico trabalho ou teórico violência
Comentários gerais sobre a produção feminista no Brasil • Não houve disputa no campo da educação jurídica (manuais) • Diálogo com abordagens teóricas feministas de outras regiões e países • Uso explícito de teorias e abordagens feministas para análise do direito • Produção gratuita, editoras independentes, fora da Universidade, interdisciplinar, em temas afins às mobilizações políticas dos movimentos feministas brasileiros hegemônicos
Direito e feminismo no Brasil • Adv. Vera Araújo (movimento negro e feminista): “Eu não consigo, realmente, ter um olhar muito positivo ou otimista quanto à construção de um direito feminista. Eu acho que se a gente fala da construção de direitos para as mulheres a partir da intervenção do movimento feminista, conseguimos manter uma leitura muito estimulante. Mas, o exercício do direito, o cotidiano dos conflitos, de interesses e direitos é difícil. Pensando em uma advocacia feminista, eu acho que precisaríamos ter, efetivamente, uma sistematização maior, mais consolidada, não só no uso do termo, mas no uso de teses rigorosamente feministas para sustentação de direitos. Nisso nós ainda temos uma atuação, me parece, muito acanhada”.
Dogmática brasileira: ensaio sobre a cegueira • “O perigo estará potencialmente, aqui, num abusivo emprego penal das medidas protetivas de urgência, que estão amplamente legitimadas enquanto coerção direta. Mas a suspensão de visitas aos filhos (art. 22, inc. IV) pode ser abusivamente manejada como pena sempre que, a despeito da agressão contra a mãe, a relação do agressor com seus filhos não estiver afetada”. • a demanda por punição “acaba por reunir o movimento de mulheres, que é um dos mais progressistas do país, com um dos movimentos mais conservadores e reacionários, que é o movimento de Lei e Ordem” (Nilo Batista – Só Carolina Não viu)
Desnaturalizando a História do feminismo no Brasil: o caso da Lei Maria da Penha • Mito de origem • Poder do direito em deformar a história das lutas sociais por direitos • Mobilização legal exitosa • Ampliação histórica da capacidade do movimento feminista brasileiro em desafiar o poder do direito;
O Projeto jurídico feminista e o poder do campo feminista • A construção de uma dogmática jurídica feminista e os usos sociais do direito – Direitos humanos das mulheres: igualdade e não discriminação, devida diligência e acesso à justiça • A ênfase em processos de democratização do sistema de justiça • Vinculação positiva com o pluralismo legal • Interpretação da lei tradicional à luz das normas internacionais de direitos humanos das mulheres • Ativação das demandas por direitos mediante ações coletivas
O Projeto jurídico feminista e o poder do campo feminista • Projeto jurídico feminista e transformações democratizantes no sistema de justiça – Controle de convencionalidade (pluralismo constitucional) – Devida diligência – Composição democrática – Transparência e controle social dos órgãos e decisões da justiça
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