O Memorial do Convento de Jos Saramago 1982

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O Memorial do Convento, de José Saramago (1982) Apontamentos

O Memorial do Convento, de José Saramago (1982) Apontamentos

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Linguagem e estilo n Cada frase, ou discurso, ou o período, cria se dentro

Linguagem e estilo n Cada frase, ou discurso, ou o período, cria se dentro de mim mais como uma fala do que como uma escrita. A possibilidade da espontaneidade, a possibilidade do discurso em linha reta, enfim, a direito, é muito maior do que se eu me colocasse na posição de quem escreve. No fundo, ao escrever estou colocado na posição de quem fala. ” José Saramago, in Conversas, Mário Ventura, Publ. Dom Quixote, 1986

Linguagem e estilo Uma das características mais notórias de José Saramago é a utilização

Linguagem e estilo Uma das características mais notórias de José Saramago é a utilização peculiar da pontuação. n Principal marca: nas passagens do discurso direto: n n n eliminação do travessão e dos dois pontos; a substituição do ponto de interrogação e de outros sinais de pontuação pela vírgula; sendo o início de cada fala apenas assinalado pela maiúscula.

LER EM VOZ ALTA n "Por uma hora ficaram os dois sentados, sem falar.

LER EM VOZ ALTA n "Por uma hora ficaram os dois sentados, sem falar. Apenas uma vez Baltasar se levantou para pôr alguma lenha na fogueira que esmorecia, e uma vez Blimunda espevitou o morrão da candeia que estava comendo a luz e então, sendo tanta a claridade, pôde Sete Sóis dizer, Por que foi que perguntaste o meu nome, e Blimunda respondeu, Porque minha mãe o quis saber e queria que eu o soubesse, Como sabes, se com ela não pudeste falar, Sei que sei, não sei como sei, não faças perguntas a que não posso responder, faze como fizeste, vieste e não perguntaste porquê, E agora, Se não tens onde viver melhor, fica aqui, Hei de ir para Mafra, tenho lá família, Mulher, Pais e uma irmã, Fica, enquanto não fores, será sempre tempo de partires, Por queres tu que eu fique, Porque é preciso, Não é razão que me convença, Se não quiseres ficar, vai te embora, não te posso obrigar, Não tenho forças que me levem daqui, deitaste me um encanto, Não deitei tal, não disse uma palavra, não te toquei, Olhaste me por dentro, Juro que nunca te olharei por dentro, Juras que não o farás e já o fizeste, Não sabes de que estás a falar, não te

ação estrutura n A obra está dividida em 25 capítulos, apesar de estes não

ação estrutura n A obra está dividida em 25 capítulos, apesar de estes não estarem numerados ou titulados, que correspondem ao mesmo número de sequências narrativas na estrutura interna.

Narrador (quanto à participação) n n n Geralmente, é HETERODIEGÉTICO (surge na terceira pessoa

Narrador (quanto à participação) n n n Geralmente, é HETERODIEGÉTICO (surge na terceira pessoa e não participa na ação) PORÉM, por vezes, assume o ponto de vista de algumas personagens (assumindo a primeira pessoa do singular e até do plural) HOMODIEGÉTICO Isso acontece porque o narrador assume o pensamento de algumas personagens

NARRADOR (focalização) n Geralmente, o narrador assume uma focalização omnisciente n Tem uma perspetiva

NARRADOR (focalização) n Geralmente, o narrador assume uma focalização omnisciente n Tem uma perspetiva transcendente em relação às personagens e move se à vontade no tempo, saltando facilmente entre passado, presente e futuro.

Focalização omnisciente ¨ "Mas também não faltam lazeres, por isso, quando a comichão aperta,

Focalização omnisciente ¨ "Mas também não faltam lazeres, por isso, quando a comichão aperta, Baltasar pousa a cabeça no regaço de Blimunda e ela cata lhe os bichos, que não é de espantar terem nos os apaixonados e os construtores de aeronaves, se tal palavra já se diz nestas épocas, como se vai dizendo armistício em vez de pazes. " [pág. 91] ¨ "Mas em Lisboa dirá o guarda livros a el rei, Saiba vossa majestade que na inauguração do convento de Mafra se gastaram, números redondos, duzentos mil cruzados, e el rei respondeu, Põe na conta, disse o porque ainda estamos no princípio da obra, um dia virá em quereremos saber, Afinal, quanto terá custado aquilo, e ninguém dará satisfação dos dinheiros gastos, nem facturas, nem recibos, nem boletins de registo de importação, sem falar de mortes e sacrifícios, que esses são baratos. " [pág. 138]

Focalização interna Outras vezes, o narrador assume momentaneamente a perspetiva das personagens que vivem

Focalização interna Outras vezes, o narrador assume momentaneamente a perspetiva das personagens que vivem a ação, conferindo mais vivacidade e verosimilhança à narrativa.

EXEMPLO n "Grita o povinho furiosos impropérios aos condenados, guincham as mulheres debruçadas dos

EXEMPLO n "Grita o povinho furiosos impropérios aos condenados, guincham as mulheres debruçadas dos peitoris, alanzoam os frades, a procissão é uma serpente enorme que não cabe direita no Rossio e por isso se vai curvando e recurvando como se determinasse chegar a toda a parte ou oferecer o espetáculo edificante a toda a cidade, aquele que ali vai é Simeão de Oliveira e Sousa, sem mester nem benefício, mas que do Santo Ofício declarava ser qualificador, e sendo secular dizia missa, confessava e pregava, e ao mesmo, tempo que isto fazia proclamava ser herege e judeu, raro se viu confusão assim, (. . . ) por toda a vida, e esta sou eu, Sebastiana Maria de Jesus, um quarto de cristã nova, que tenho visões e revelações, mas disseram me no tribunal que era fingimento, que ouço vozes do céu, mas explicaram me que era demoníaco, que sei que posso ser santa como os santos o são, ou ainda melhor, pois não alcanço diferença entre mim e eles, mas repreenderam me de que isso é presunção insuportável e orgulho monstruoso, desafio a Deus, aqui vou blasfema, herética, temerária, amordaçada para que não me ouçam as temeridades, as heresias e as blasfémias, condenada a ser açoitada em público e a oito anos de degredo no reino de Angola (. . . ) [págs. 52 53]

PERSONAGENS D. JOÃO V n D. João V representa o poder real absolutista que

PERSONAGENS D. JOÃO V n D. João V representa o poder real absolutista que condena uma nação a servir a sua religiosidade fanática e a sua vaidade. n Cumpridor dos seus deveres de marido e de rei, D. João V assume apenas o papel gerativo de um filho e de um convento, numa dimensão procriadora, da qual a intimidade e o amor se encontram ausentes.

PERSONAGENS n D. JOÃO V Amante dos prazeres humanos, a figura real é construída

PERSONAGENS n D. JOÃO V Amante dos prazeres humanos, a figura real é construída através do olhar crítico do narrador, de forma multifacetada: n n é o devoto fanático que submete um país inteiro ao cumprimento de uma promessa pessoal (a construção do convento, de modo a garantir a sucessão) e que assiste aos autos de fé; é o marido que não evidencia qualquer sentimento amoroso pela rainha, apresentando nesta relação uma faceta quase animalesca, enfatizado pela utilização de vocábulos que remetem para esta ideia (como a forma verbal" emprenhou" e o adjetivo "cobridor");

PERSONAGENS D. JOÃO V n é o megalómano que desvia as riquezas nacionais para

PERSONAGENS D. JOÃO V n é o megalómano que desvia as riquezas nacionais para manter uma corte dominado pelo luxo, pela corrupção e pelo excesso; n é o rei vaidoso que se equipara o Deus nas suas relações com as religiosas; é o curioso que se interessa pelas invenções do padre Bartolomeu de Gusmão;

PERSONAGENS D. JOÃO V n é o esteta que convida Domenico Scarlatti a permanecer

PERSONAGENS D. JOÃO V n é o esteta que convida Domenico Scarlatti a permanecer em Portugal; n é o homem que teme a morte e que antecipa a sua imortalidade, através da sagração do convento no dia do seu quadragésimo primeiro aniversário.

PERSONAGENS D. MARIA ANA JOSEFA n n A rainha representa a mulher que só

PERSONAGENS D. MARIA ANA JOSEFA n n A rainha representa a mulher que só através do sonho se liberta da sua condição aristocrática para assumir a sua feminilidade. D. Maria Ana é caracterizada como uma mulher § passiva, § insatisfeita, § que vive um casamento baseado na aparência, na sexualidade reprimida e num falso código ético, moral e religioso.

PERSONAGENS D. MARIA ANA JOSEFA n n n A transgressão onírica é a única

PERSONAGENS D. MARIA ANA JOSEFA n n n A transgressão onírica é a única expressão da rainha que sucumbe, posteriormente, ao sentimento de culpa. A pecaminosa atração incestuosa que sente por D. Francisco, seu cunhado, conduzem na a uma busca constante de redenção através da oração e da confissão. COMPLEXO DE CULPA. A rainha vive num ambiente repressivo, cujas proibições regem a sua existência e para a qual não há fuga possível, a não ser através do sonho, onde pode explorar a sua sensualidade. Consciente da virilidade e da infidelidade do marido (abundam os filhos bastardos), D. Maria Ana assume uma atitude de passividade e de infelicidade perante a vida.

PERSONAGENS BALTASAR SETE-SÓIS n n Baltasar Mateus é um dos membros do casal protagonista

PERSONAGENS BALTASAR SETE-SÓIS n n Baltasar Mateus é um dos membros do casal protagonista da narrativa. Representa a crítica do narrador à desumanidade da guerra, uma vez que participa na Guerra da Sucessão (1704 1712) e, depois de perder a mão esquerda, é excluído do exército.

PERSONAGENS BALTASAR SETE-SÓIS n Construído enquanto arquétipo da condição humana, Baltasar Sete Sóis é

PERSONAGENS BALTASAR SETE-SÓIS n Construído enquanto arquétipo da condição humana, Baltasar Sete Sóis é um homem pragmático e simples, que assume o papel de demiurgo na construção da passarola (ao realizar o sonho de Bartolomeu de Gusmão). n Participa na construção do convento e partilha, através do silêncio, a vida de Blimunda Sete Luas. Sucumbe às mãos da Inquisição.

PERSONAGENS BLIMUNDA SETE-LUAS n Blimunda é o segundo membro do casal protagonista da narrativa.

PERSONAGENS BLIMUNDA SETE-LUAS n Blimunda é o segundo membro do casal protagonista da narrativa. Mulher sensual e inteligente, Blimunda vive sem subterfúgios, sem regras que a condicionem e escravizem. n Dotada de poderes invulgares, como a mãe, escolhe Baltasar para partilhar a sua vida, numa existência de amor pleno, de liberdade, sem compromissos e sem culpa.

PERSONAGENS BLIMUNDA SETE-LUAS n n n Blimunda representa o transcendente e a inquietação constante

PERSONAGENS BLIMUNDA SETE-LUAS n n n Blimunda representa o transcendente e a inquietação constante do ser humano em relação à morte, ao amor, ao pecado e à existência de Deus. O seu dom particular (ecovisão) transfigura esta personagem, aproximando a da espiritualidade da música de Scarlatti e do sonho de Bartolomeu de Gusmão. Ao visualizar a essência dos que a rodeiam, Blimunda transgride os códigos existentes e perceciona a hipocrisia e a mentira.

PERSONAGENS FREI BARTOLOMEU LOURENÇO DE GUSMÃO n n n O padre Bartolomeu Lourenço de

PERSONAGENS FREI BARTOLOMEU LOURENÇO DE GUSMÃO n n n O padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão representa as novas ideias que causavam estranheza na inculta sociedade portuguesa. Estrangeirado, Bartolomeu de Gusmão tornou se um alvo apetecido do chacota da corte e da Inquisição, apesar da proteção real. Homem curioso e grande orador sacro (a sua fama aproxima o do padre António Vieira).

PERSONAGENS BARTOLOMEU DE GUSMÃO n n n Bartolomeu de Gusmão evidenciou, ao longo da

PERSONAGENS BARTOLOMEU DE GUSMÃO n n n Bartolomeu de Gusmão evidenciou, ao longo da obra, uma profunda crise de fé, a que as leituras diversificadas e a postura "antidogmática" não serão alheios, numa busca incessante do saber. A sua personagem risível era conhecido por "Voador" torna o elemento catalisador do voo do passarola, conjuntamente com Baltasar e Blimunda. A tríade corporiza o sonho e o empenho tornados realidade, a par da desgraça, também ela, partilhada (loucura e morte, em Toledo, de Bartolomeu de Gusmão, morte de Baltasar Sete Sóis no auto de fé e solidão de Blimunda).

PERSONAGENS DOMENICO SCARLATTI Scarlatti representa a arte que, n aliada ao sonho, n permite

PERSONAGENS DOMENICO SCARLATTI Scarlatti representa a arte que, n aliada ao sonho, n permite a cura de Blimunda e possibilita a conclusão e o voo da passarola. n

PERSONAGENS O POVO

PERSONAGENS O POVO

PERSONAGENS O POVO n O verdadeiro protagonista de Memorial do Convento é o povo

PERSONAGENS O POVO n O verdadeiro protagonista de Memorial do Convento é o povo trabalhador. Espoliado, rude, violento, o povo atravessa toda a narrativa, numa construção de figuras que, embora corporizadas por Baltasar e Blimunda, tipificam a massa coletiva e anónima que construiu, de facto, o convento. n A crítica e o olhar mordaz do narrador enfatizam a escravidão a que foram sujeitos quarenta mil portugueses, para alimentar o sonho de um rei megalómano ao qual se atribui a edificação do Convento de Mafra.

PERSONAGENS O POVO n n A necessidade de individualizar personagens que representam a força

PERSONAGENS O POVO n n A necessidade de individualizar personagens que representam a força motriz que erigiu o palácio-convento, sob um regime opressivo, é a verdadeira elegia de Saramago para todos aqueles que, embora ficcionais, traduzem a essência de ser português: GRANDES FEITOS, COM GRANDE ESFORÇO E CAPACIDADE DE SOFRIMENTO

Espaço O espaço físico n São dois os espaços físicos nos quais se desenrola

Espaço O espaço físico n São dois os espaços físicos nos quais se desenrola a ação: Lisboa e Mafra. n Lisboa, enquanto macroespaço, integra outros espaços: TERREIRO DO PAÇO, ROSSIO E SÃO SEBASTIÃO DA PEDREIRA n n n

Espaço físico Terreiro do Paço Local onde Baltasar trabalha num açougue, após a sua

Espaço físico Terreiro do Paço Local onde Baltasar trabalha num açougue, após a sua chegada a Lisboa. É onde decorre a procissão do Corpo de Deus. n Rossio Este espaço aparece no início da obra como o local onde decorrem o auto de fé e a procissão da Quaresma ou dos penitentes. n S. Sebastião da Pedreira Trata se de um espaço relacionado com a passarola do padre Bartolomeu de Gusmão, ligada, assim, ao caráter mítico da máquina voadora. No época, S. Sebastião da Pedreira era um espaço rural, onde existiam várias quintas que integravam palacetes. n

Espaço físico Mafra n Mafra é o segundo macroespaço. Até à construção do convento,

Espaço físico Mafra n Mafra é o segundo macroespaço. Até à construção do convento, a vida de Mafra decorria na vila velha e no antigo castelo, próximo da igreja de Sto. André. n A Vela foi o local escolhido para a construção do convento, que deu lugar à vila nova, à volta do edifício. Nas imediações da obra, surge a "Ilha da Madeira", onde começaram por se alojar dez mil trabalhadores, ascendendo, mais tarde, a quarenta mil. Além de Mafra, são ainda referidos espaços como Pêro Pinheiro, a serra do Barregudo, Monte Junto e Torres Vedras. n

O espaço social o espaço social é construído, na obra, através do relato de

O espaço social o espaço social é construído, na obra, através do relato de determinados momentos (ou episódios) e do percurso de personagens que tipificam um determinado grupo social, caracterizando o. n n Ao nível da construção do espaço social, destacam se os seguintes momentos: ¨ ¨ ¨ PROCISSÃO DA QUARESMA autos de fé A TOURADA PROCISSÃO DO CORPO DE DEUS O TRABALHO NO CONVENTO

O espaço social Procissão da Quaresma n excessos praticados durante o Entrudo (satisfação dos

O espaço social Procissão da Quaresma n excessos praticados durante o Entrudo (satisfação dos prazeres carnais) e brincadeiras carnavalescas as pessoas comiam e bebiam demasiado, davam "umbigadas pelas esquinas", atiravam água à cara umas das outras, batiam nas mais desprevenidas, tocavam gaitas, espojavam se nas ruas. n penitência física e mortificação da alma após os desregramentos durante o Entrudo (é tempo de "mortificar a alma para que o corpo finja arrepender se”)

O espaço social Procissão da Quaresma n descrição da procissão (os penitentes à cabeça,

O espaço social Procissão da Quaresma n descrição da procissão (os penitentes à cabeça, atrás dos frades, o bispo, as imagens nos andares, as confrarias e as irmandades) n manifestações de fé que tocavam a histeria (as pessoas arrastam se pelo chão, arranham se, puxam os cabelos, esbofeteiam se) enquanto o bispo faz sinais da cruz e um acólito balança o incensório; os penitentes recorrem à autoflagelação n o narrador afirma que, apesar da tentativa de purificação através do incenso, Lisboa permanecia uma cidade suja, caótica e as suas gentes eram dominadas pela hipocrisia de uma alma que, ironicamente, este define como "perfumada“.

O espaço social autos de fé n autos de fé (Rossio) Neste relato, são

O espaço social autos de fé n autos de fé (Rossio) Neste relato, são de salientar os seguintes aspetos: n o Rossio está novamente cheio de assistência; a população está duplamente em festa, porque é domingo e porque vai assistir a um auto de fé (passaram dois anos após o último evento deste tipo) n o narrador revela a sua dificuldade em perceber se o povo gosta mais de autos de fé ou de touradas, evidenciando com esta afirmação a sua ironia crítica perante um povo que revela um gosto sanguinário e procura nas emoções fortes uma forma de preencher o vazio da sua existência

O espaço social autos de fé n a assistência feminina, à janela, exibe as

O espaço social autos de fé n a assistência feminina, à janela, exibe as suas toilettes, preocupa se com pormenores fúteis relativos à sua aparência (a segurança dos sinaizinhos no rosto, a borbulha encoberta), e aproveita a ocasião para se entregar a jogos de sedução com os pretendentes que se passeiam em baixo n a proximidade da morte dos condenados constitui o motivo do ambiente de festa; esta constatação suscita, mais uma vez, a crítica do narrador na realidade, o facto de as pessoas saberem que alguns dos sentenciados iriam, em breve, arder nas fogueiras não as inibia de se refrescarem com água, limonada e talhadas de melancia e de se consolarem com tremoços, pinhões, tâmaras e queijadas;

O espaço social autos de fé n sai a procissão à frente os dominicanos;

O espaço social autos de fé n sai a procissão à frente os dominicanos; depois, os inquisidores n distinção entre os vários sentenciados (através do gorro e sambenito), assim como o crucifixo de costas voltadas, para as mulheres que irão arder na fogueira; n menção dos nomes de alguns dos condenados (inclusivamente, o de Sebastiana Maria de Jesus, mãe de Blimunda) n início da relação entre Baltasar e Blimunda n punição dos condenados pelo Santo Ofício - o povo dança em frente das fogueiras

O espaço social Tourada

O espaço social Tourada

O espaço social Tourada (Terreiro do Paço) n o espetáculo começa e o narrador

O espaço social Tourada (Terreiro do Paço) n o espetáculo começa e o narrador enfatiza a forma como os touros são torturados, exibindo o sangue, as feridas, as "tripas“ ao público que, em exaltação, se liberta de inibições ("os homens em delírio apalpam as mulheres delirantes, e elas esfregam se por eles sem disfarce”

O espaço social Tourada n dois toiros saem do curro e investem contra bonecos

O espaço social Tourada n dois toiros saem do curro e investem contra bonecos de barro colocados na praça; de um saem coelhos que acabam por ser mortos pelos capinhas, de outro, pombas que acabam por ser apanhadas pela multidão n A ironia do narrador é ainda traduzida pela constatação de que, em Lisboa, as pessoas não estranham o cheiro a carne queimada, acrescentando ainda numa perspetiva crítica, que a morte dos judeus é positiva, pois os seus bens são deixados à Coroa.

O espaço social Procissão do Corpo de Deus n n preparação da procissão: descrição

O espaço social Procissão do Corpo de Deus n n preparação da procissão: descrição dos "preparos da festa” feita pelo narrador, que assume o olhar do povo (as colunas, as figuras, os medalhões, as ruas toldadas, os mastros enfeitados com seda e ouro, as janelas ornamentadas com cortinas e sanefas de damasco e franjas de ouro), que se sente maravilhado com a riqueza da decoração (uma reflexão do narrador leva o a concluir que não se verificam muitos roubos durante a cerimónia, pois o povo teme os pretos que se encontram armados à porta das lojas e os quadrilheiros, que procederiam à prisão dos infratores)

O espaço social Procissão do Corpo de Deus n preparação da procissão: n referência

O espaço social Procissão do Corpo de Deus n preparação da procissão: n referência do narrador às damas que aparecem às janelas, exibindo penteados, rivalizando com as vizinhas e gritando motes n à noite, passam pessoas que tocam e dançam, improvisa-se uma tourada n de madrugada, reúnem se aqueles que irão formar as alas da procissão, devidamente fardados

O espaço social Procissão do Corpo de Deus n realização da procissão: o evento

O espaço social Procissão do Corpo de Deus n realização da procissão: o evento começa logo de manhã cedo. DESCRIÇÃO DO APARATO: n à frente, as bandeiras dos ofícios da Casa dos Vinte e Quatro, em primeiro lugar a dos carpinteiros em honra a S. José; atrás, a imagem de S. Jorge, os tambores, os trombeteiros, as irmandades, o estandarte do Santíssimo Sacramento, as comunidades (de S. Francisco, capuchinhos, carmelitas, dominicanos, entre outros) e o rei, atrás, segurando uma vara dourada, Cristo crucificado e cantores de hinos sacros n

O espaço social Procissão do Corpo de Deus n CRÍTICA DO NARRADOR: n crítica

O espaço social Procissão do Corpo de Deus n CRÍTICA DO NARRADOR: n crítica do narrador às crenças e interditos religiosos; n visão oficial da procissão como forma de purificação das almas, que tentam libertar-se dos pecados cometidos

O espaço social Procissão do Corpo de Deus n CRÍTICA DO NARRADOR: n Censura

O espaço social Procissão do Corpo de Deus n CRÍTICA DO NARRADOR: n Censura ao luxo da igreja e à luxúria do Rei n histeria coletiva das pessoas que se batem a si próprias e aos outros como manifestação da sua condição de pecadores

EM SÍNTESE n As procissões e os autos de fé caracterizam Lisboa como um

EM SÍNTESE n As procissões e os autos de fé caracterizam Lisboa como um espaço caótico, dominado por rituais religiosos cujo efeito exorcizante esconjura um mal momentâneo que motiva a exaltação absurda que envolve os habitantes. A desmistificação dos dogmas e a crítica irónica do narrador ao clero subjazem ao ideário marxista que condena a religião enquanto "ópio do povo", isto é, condena-se a visão redutora do mundo apresentada pela Igreja, que condiciona os comportamentos, manipula os sentimentos e conduz os fiéis a atitudes estereotipadas. n n A violência das touradas ou dos autos de fé apraz ao povo que, obscuro e ignorante, se diverte sensualmente com as imagens de morte, esquecendo a miséria em que vive.

O TRABALHO NO CONVENTO n Mafra simboliza o espaço da servidão desumana a que

O TRABALHO NO CONVENTO n Mafra simboliza o espaço da servidão desumana a que D. João V sujeitou todos os seus súbditos para alimentar a sua vaidade. n Vivendo em condições deploráveis, os cerca de quarenta mil portugueses foram obrigados, à força de armas, o abandonar as suas casas e a erigir o convento para cumprir a promessa do seu rei e aumentar a sua glória.

Espaço psicológico n o espaço psicológico é constituído pelo conjunto de elementos que traduz

Espaço psicológico n o espaço psicológico é constituído pelo conjunto de elementos que traduz a interioridade das personagens. Nesta obra, o espaço psicológico é constituído fundamentalmente através de dois processos: os sonhos das personagens, que funcionam como forma de caracterização das mesmas ou que, num processo que lhes confere densidade humana, traduzem relações com as suas vivências; e os seus pensamentos.

TEMPO

TEMPO

TEMPO O tempo diegético (tempo da história) Trata se do tempo em que decorre

TEMPO O tempo diegético (tempo da história) Trata se do tempo em que decorre a ação. n n n O tempo da história é constituído por algumas datas fundamentais. A ação inicia se em 1711. D. João V ainda não fizera vinte e dois anos e D. Maria Ana Josefa chegara há mais de dois anos da Áustria. O fluir do tempo, mais do que através da recorrência a marcos cronológicos específicos, é sugerido pelas transformações sofridas pelas personagens e por alguns espaços e objetos ao longo da obra.

TEMPO O tempo diegético (tempo da história) O tempo histórico n Logo no início

TEMPO O tempo diegético (tempo da história) O tempo histórico n Logo no início do romance, podemos inferir que a ação tem início no ano de 1711, através da seguinte referência do narrador: n "(. . . ) S. Francisco andava pelo mundo, precisamente há quinhentos anos, em mil duzentos e onze (. . . )"

TEMPO O tempo diegético (tempo da história) n Referências cronológicas n As referências cronológicas

TEMPO O tempo diegético (tempo da história) n Referências cronológicas n As referências cronológicas mais importantes são as seguintes: n Em 1716, tem lugar a bênção da primeira pedra do Convento de Mafra em 1717, Baltasar e Blimunda regressam a Lisboa para trabalhar na passarola do padre Bartolomeu de Gusmão em 1719, celebra se o casamento de D. José com Mariana Vitória e de Maria Bárbara com o príncipe D. Fernando (VI de Espanha) em 1730, mais propriamente no dia 22 de outubro, o dia do quadragésimo primeiro aniversário do rei, realiza se a sagração do Convento de Mafra a ação termina em 1739, no momento em que Blimunda vê Baltasar a ser queimado em Lisboa, num auto de fé. n n

TEMPO O tempo diegético (tempo da história) n Muitas vezes, a passagem do tempo

TEMPO O tempo diegético (tempo da história) n Muitas vezes, a passagem do tempo é anunciada por situações precisas "Para D. Maria Ana é que lhe vem chegando o tempo. A barriga não aguenta crescer mais por muito que a pele estique (. . . )" ou por referências temporais que se integram em marcações referenciais – por exemplo: n "(…) tendo partido daqui há vinte meses (…)" p. 72 "Meses inteiros se passaram desde então, o ano é já outro" p. 77 "Entretanto, nasceu o infante D. Pedro (. . . )" p. 88 "Bartolomeu Lourenço foi à quinta de S. Sebastião da Pedreira, três anos inteiros haviam passado desde que partira (. . )” p. 117 "(. . . ) é certo que há seis anos que vivem como marido e mulher (…)" p. 130 "(. . . ) se não ficou dito já, sempre são seis anos de casos acontecidos (…) " p. 134 "(…) e já vão onze anos passados (. . . )" p. 162 "(. . . ) passaram catorze anos (…)“ p. 214 "Desde que na vila de Mafra, já lá vão oito anos, foi lançada a primeira pedra da basílica (…)" p. 231 n n n n

TEMPO n O tempo do discurso é revelado através da forma como o narrador

TEMPO n O tempo do discurso é revelado através da forma como o narrador relata os acontecimentos. Este pode apresentá los de forma linear, optar por retroceder no tempo em relação ao momento da narrativa em que se encontra ou antecipar situações.

TEMPO n n O tempo do discurso As analepses (recuos no tempo) As analepses

TEMPO n n O tempo do discurso As analepses (recuos no tempo) As analepses explicam, geralmente, acontecimentos anteriores, contribuindo para a coesão da narrativa. É de assinalar, anteriormente ao ano do início da ação (1711 ), a analepse que explica, em parte, a construção do convento como consequência do desejo expresso, em 1624, pelos franciscanos, de possuírem um convento em Mafra.

TEMPO n n O tempo do discurso As prolepses (ações futuras) A antecipação de

TEMPO n n O tempo do discurso As prolepses (ações futuras) A antecipação de alguns acontecimentos serve os seguintes objetivos: . a crítica social é o n. a visão globalizante de tempos caso das prolepses que distintos por parte do narrador (o dão a conhecer as tempo da história e, num tempo futuro, o mortes do sobrinho de do momento da escrita) cabem aqui as Baltasar e do infante D. referências aos cravos (outrora, nas Pedro, de modo a pontas das varas dos capelães; muito estabelecer o contraste mais tarde, símbolos da revolução do 25 entre os dois funerais, de Abril), a associação entre os ou a morte de Álvaro possíveis voos da passarola e o facto Diogo, que viria a cair de uma parede, durante de os homens terem ido à Lua, no a construção do século XX, a alusão ao tipo de convento, assim como a diversões que se vivia no século XVII e informação sobre os ao cinema, entre outras bastardos que o rei iria gerar, filhos das freiras que seduzia