NARRAR E CURAR FUNDAMENTOS DA MEDICINA NARRATIVA Fabiana
NARRAR E CURAR: FUNDAMENTOS DA MEDICINA NARRATIVA Fabiana Carelli FLC 6214 – Universidade de São Paulo, Brasil
Benjamin, W. Imagens do pensamento in Rua de mão única (Obras escolhidas, II)
“[…] a narrativa árabe – eu penso em As mil e uma noites – também tinha, como motivação, tema e pretexto, não morrer: falava-se, narrava-se até o amanhecer para afastar a morte, para adiar o prazo desse desenlace que deveria fechar a boca do narrador. A narrativa de Shehrazade é o avesso encarniçado do assassínio, é o esforço de todas as noites para conseguir manter a morte fora do ciclo da existência. ” Michel Foucault in Estética
A “ONDA” MBE • Revista Veja de ago/2005: Claudio de Moura Castro, proposta de uma “Educação Baseada em Evidências”; • Sociedade não-médica passaria a se utilizar do exemplo [modelo] da MBE como paradigma de sua própria racionalidade na tomada de decisões; • problema epistemológico: MBE tornou-se um paradigma da racionalidade médica e um imperativo ético. • Para a MBE: - evidência = verdade = validade = confiabilidade decisões práticas; - prática científica = prática racional • Para o autor: - racionalidade levada ao limite; - há o “imponderável”: experiências individuais dos pacientes, tipos de narrativas, impacto da doença na vida pessoal. Fonte: POMPILIO, CE. As ‘evidências’ em evidência. Diagnóstico & Tratamento, vol. 11, p. 16 -17, 2006.
Raio-X de Tórax Mamografia O Problema da ‘Representação’ • A questão canguilhemeana da ‘ciência aplicada’: se “o útil [aplicada] é julgado como subordinado ao verdadeiro [ciência]”, o que é verdadeiro em ciência? • “Se eu desenho [fotografo/narro] o que eu vejo [/sinto], a pessoa que olha [ouve] vê o quê? O que eu vi? ” (“As deformações do ver”, in Ecce Medicus, fev. 2012, in www. scienceblogs. com. br/eccemedicus) • Quais as possibilidades de valorização epistêmica das ‘representações’ – melhor dizendo, das configurações (entre elas, as narrativas) - no contexto da saúde? Qual seu valor de verdade?
“PROTO-HISTÓRIA” DANARRATIVE(-BASED) MEDICINE: - 1981: Georges Rousseau sugere que “os encontros clínicos poderiam ser produtivamente estudados com o tipo de abordagem e métodos estudos literários”: “toda vez que um paciente entra no consultório de um médico, uma experiência literária está para acontecer: repleta de personagens, panos de fundo, tempo, espaço, linguagem e cenários que podem terminar de várias maneiras previsíveis” (Rousseau, apud Hurwitz, trad. livre). - 1986, Stephen Hoffmann: “um médico é em essência um crítico literário. Convidado a ouvir uma história a cada vez que um paciente vem vê-lo, ele precisa avaliar a história de cada pessoa do mesmo modo que um leitor treinado se aproxima de um texto literário” (Hoffmann, apud Hurwitz, trad. livre).
NARRATIVE MEDICINE: Grã-Bretanha, USA
WHO IS WHO DA MEDICINA NARRATIVA TRISHA GREENHALGH • BA em Social and Political Sciences, University of Cambridge, 1980; MD, University of Oxford, 1983 • Co-diretora da Global Health, Policy and Innovation Unit em Barts e na London School of Medicine and Dentistry, UK Publicações: Narrative-Based Medicine (1998, com Brian Hurwitz); Evidence-Based Health Care Workbook (1999, com Anna Donald); Narrative Research in Health and Illness (2004, com Brian Hurwitz e Vieda Skultans); How to read a Paper – the Basis of Evidence-Based Medicine (4ª. Ed, 2010); etc. Pontos importantes: • Fundamenta seus estudos num conhecimento reconhecido e numa crítica da MBE pela via da Narrative Medicine; • Seu trabalho volta-se especialmente a pacientes com diabetes.
WHO IS WHO DA MEDICINA NARRATIVA RITA CHARON Rita Charon About Narrative Medicine Publicações: Stories Matter: the Role of Narrative in Medical Ethics (2002, com Martha Montello); Narrative Medicine: Honoring the Stories of Illness (2008); Integrating Narrative Medicine and Evidence-Based Medicine (2011, com James Meza, Daniel Passerman, Peter Wyer); etc. Pontos principais: • Foi realizar formação em Literatura Comparada após a formação médica para se “aparelhar” para o estudo das narrativas de doença. • Postula o “close reading”(“close listening”) como método de estudo das narrativas médicas. • 5 aspectos da narrativa médica: Temporalidade, Singularidade, Causalidade/Contingência, Intersubjetividade, Eticalidade (? )
WHO IS WHO DA MEDICINA NARRATIVA BRIAN HURWITZ • BA em História e Filosofia da Ciência, University of Cambridge, 1974; General Pratictioner, University College, Londres, 1977. • Diretor do Centre of Humanities and Health, King’s College, Londres Brian Hurwitz about Narrative Medicine Publicações: Narrative-Based Medicine (1998, com Trisha Greenhalgh); Narrative Research in Health and Illness (2004, com Trisha Greenhalgh e Vieda Skultans); The Doctor in Literature, 2006, com Solomon Posen); Health Care Errors and Patients Safety, 2009, com Aziz Sheikh) Pontos importantes: • Tem realizado trabalho consistente de pesquisa e sobre os métodos da Narrative Medicine: consciência da necessidade de um saber técnico. • Um dos últimos trabalhos em livro estuda o tempo nas narrativas de doença: “The Temporal Construction of Medical Narratives”. • Nas últimas intervenções, preocupado um esboço de uma taxionomia/classificação e análise de/em gêneros textuais: “case reports” x “referrals”.
NARRATIVE VS. EVIDENCE-BASED MEDICINE – AND, NOT OR Meisel and Karlawish, 2011
NARRATIVE VS. EVIDENCE-BASED MEDICINE – AND, NOT OR Meisel e Karlawish, 2011 “Os […] cientistas precisam reconhecer, adaptar e implantar a narrativa para explicar a ciência das diretrizes a pacientes, famílias, profissionais da saúde e gestores de políticas públicas para otimizar o conhecimento, a compreensão e o uso dessas diretrizes. ” Oração principal: cientistas = sujeito; narrativa = objeto de sua ação Duas orações subordinadas adverbiais finais (ou seja, que expressam a finalidade da ação expressa na oração principal), uma dentro da outra. Traduzindo: os cientistas têm de reconhecer a narrativa com a finalidade de explicar a ciência das diretrizes etc. , e esta explicação, por sua vez, tem a finalidade de otimizar o conhecimento e a aplicação das diretrizes. Análise sintática: desvela as relações lógicas que presidem a interação dos elementos no coração do pensamento de quem fala.
O SILÊNCIO. . . X ?
PESQUISA NA INTERSECÇÃO LITERATURA-LINGUAGEM-CUIDADO EM SAÚDE (LISTA NÃO-EXAUSTIVA) 1. Aspectos filosóficos e epistemológicos do pensamento médico “[Eu] definiria [épistémè] como o dispositivo estratégico que permite escolher, entre todos os enunciados possíveis, aqueles que poderão ser aceitáveis no interior, não digo de uma teoria científica, mas de um campo de cientificidade, e a respeito do que se poderá dizer: é falso, é verdadeiro. É o dispositivo que permite separar não o verdadeiro do falso, mas o inqualificável cientificamente do qualificável. ” (FOUCAULT, As palavras e as coisas, 2006: 247) “[A fenomenologia] demonstrou que nos enganamos toda vez que buscamos pensar o modo de ser do estético a partir do ponto de vista da experiência da realidade ou quando buscamos compreendê-lo como uma modificação da mesma. [. . . ] Relegar a determinação ontológica do estético ao conceito da aparência estética tem pois seu fundamento teórico no fato de que o predomínio do modelo de conhecimento das ciências da natureza acaba desacreditando todas as possibilidades do conhecimento que se encontram fora dessa nova metodologia. ” (GADAMER, Verdade e método I, 2011: 133 -4) Fonte: GENAM – Projeto de Pesquisa Interdisciplinar, 2012
PESQUISA NA INTERSECÇÃO LITERATURA-LINGUAGEM-CUIDADO EM SAÚDE (LISTA NÃO-EXAUSTIVA) 2. Teoria Literária e Estudo da Narrativa Narrador: “voz” que conta a história. Geralmente, diferente do autor. Mas há configurações em que isso se torna questionável: numa autobiografia, por exemplo. Nas narrativas médicas, autor e narrador são quase sempre confundidos nas histórias clínicas, o que não é de todo pertinente do ponto de vista analítico, já que todo narrador é uma instância, não de “carne”, mas de linguagem, podendo, às vezes, constituir-se enquanto projeção do autor. O narrador é uma espécie de deus. É ele quem “cria” a história: seleciona o que dizer e o que omitir, organiza o enredo em partes, abre ou não espaço para a ação discursiva dos seus personagens (concedendo-lhes a palavra, por meio do discurso direto, ou falando por eles, via discurso indireto), dá o tom da sua narrativa. Tudo está relacionado à maneira como ele interpreta os fatos narrados, ou seja: toda narração pressupõe uma interpretação. Fonte: GENAM – Projeto de Pesquisa Interdisciplinar, 2012
PESQUISA NA INTERSECÇÃO LITERATURA-LINGUAGEM-CUIDADO EM SAÚDE (LISTA NÃO-EXAUSTIVA) 2. Teoria Literária e Estudo da Narrativa Personagens: São os “seres” que agem na história, puramente inventados ou não, humanos ou não. Assim como o narrador, todo personagem é uma entidade feita de linguagem, ou seja: personagem é diferente de pessoa, ainda que sua construção possa ser baseada num ser “real”. Nas narrativas médicas, muitas vezes os personagens, seres por definição inventados (feitos de linguagem) são tomados como seres reais, o que configura, de princípio, uma inadequação analítica (embora inspirados em entidades não-fictícias, seres de linguagem são sempre, em última análise, não-reais). Além disso, determinadas configurações dessas narrativas personificam e modelizam certas categorias abstratas, as doenças inclusive, e é preciso perceber e avaliar tal processo. Fonte: GENAM – Projeto de Pesquisa Interdisciplinar, 2012
PESQUISA NA INTERSECÇÃO LITERATURA-LINGUAGEM-CUIDADO EM SAÚDE (LISTA NÃO-EXAUSTIVA) 2. Teoria Literária e Estudo da Narrativa Enredo e suas partes: Reza a teoria da narrativa que todo enredo (sequência de ações) está dividido em quatro partes: apresentação (em que o leitor/ouvinte é situado na história, à qual correspondem as perguntas: quem, onde, quando, por quê? ); complicação (em toda história, acontece um fato novo que tira os acontecimentos da mesmice e coloca a narrativa em ação); clímax (quando o conflito chega ao seu auge); e desfecho (final da história). As narrativas mais tradicionais organizam-se desse modo, nessa ordem, mas há gêneros que necessariamente subvertem o protocolo, assim como narrativas que o fazem por originalidade. Fonte: GENAM – Projeto de Pesquisa Interdisciplinar, 2012
PESQUISA NA INTERSECÇÃO LITERATURA-LINGUAGEM-CUIDADO EM SAÚDE (LISTA NÃO-EXAUSTIVA) 2. Teoria Literária e Estudo da Narrativa Tempo: O tempo nas narrativas é sempre clivado na origem, dividido entre o tempo do narrado e o tempo da narrativa propriamente dita. O narrado é o que é contado, a “fábula”, síntese dos fatos narrativos principais, que pode ser abstraída em um número relativamente pequeno de frases. A narrativa é o texto em si, o tecido, em todos os seus pontos, vírgulas, meandros: a obra que é constituída a partir dos elementos da fábula. Às vezes, um ano (tempo do narrado) é contado em uma linha, então a narrativa tem um ritmo rápido, acelerado. Mas essa relação pode ser dar de inúmeras maneiras e assumir diferentes configurações. Fonte: GENAM – Projeto de Pesquisa Interdisciplinar, 2012
PESQUISA NA INTERSECÇÃO LITERATURA-LINGUAGEM-CUIDADO EM SAÚDE (LISTA NÃO-EXAUSTIVA) 2. Teoria Literária e Estudo da Narrativa Espaço: Único traço estrutural da narrativa “esquecido” na enumeração intuitiva elaborada por Greenhalgh & Hurwitz no artigo citado (embora presente: Pooh Bear “went round to Piglet’s house”; “he stumped over the white forest track”, GREENHALGH & HURWITZ, 1999: 48, itálicos nossos). É um dos elementos mais difíceis de sistematizar. Às vezes se separa entre espaço social/público e espaço privado, entre campo e cidade, mas sua configuração é bem particularizada para cada narrativa específica e constituinte fundamental de seu significado e coerência internos. A “ausência” de espaço também é elemento significativo em alguns casos, conferindo uma generalidade quase “científica” a certas narrativas (que falariam, nesse caso, de “algo que existe em todos os lugares”). Fonte: GENAM – Projeto de Pesquisa Interdisciplinar, 2012
PESQUISA NA INTERSECÇÃO LITERATURA-LINGUAGEM-CUIDADO EM SAÚDE (LISTA NÃO-EXAUSTIVA) 3. Medicina e Semiótica • Ferdinand de Saussure, Curso de Linguística Geral (1ª ed. 1916): […] Chamamos signo a combinação do conceito e da imagem acústica; mas, no uso corrente, esse termo designa geralmente a imagem acústica apenas, por exemplo uma palavra (arbor etc. ). Esquece-se que se chamamos a arbor signo, é somente porque exprime o conceito ‘árvore’, de tal maneira que a ideia da parte sensorial implica a do total. […] Propomo-nos a conservar o termo signo para designar o total, e a substituir conceito e imagem acústica respectivamente por significado e significante [. . . ]” (SAUSSURE, 2004: 80 -1). • Kathryn Vance Staiano, “A semiotic definition of illness” (1979): • “Já foi discutido anteriormente que a apresentação das queixas pelo paciente (sintomas) pode ser simbólica (isto é, a relação entre o representamen [o sintoma] e aquilo que é denotado ou conotado pelo sintoma) e é constituída por um vínculo arbitrário. Mas o médico é também um ser ou construto social, e, assim, opera sob códigos restritos. O evento diagnóstico, portanto, é também ‘simbólico’, embora o vínculo entre representamen e o intérprete possa ser tão convencionalizado que possa parecer indexical. ” (STAIANO, 1979: 112, trad. nossa) Fonte: GENAM – Projeto de Pesquisa Interdisciplinar, 2012
PESQUISA NA INTERSECÇÃO LITERATURA-LINGUAGEM-CUIDADO EM SAÚDE (LISTA NÃO-EXAUSTIVA) 4. Medicina e Linguagem (uma poética médica? ) • Kathy Crowley, “Medicine and Language - notes from the lacune”, post (2010) [. . . ] será que estou sozinha ao sentir o encanto das artérias descritas como aferentes e eferentes – aquelas que navegam para frente, e aquelas que navegam para longe? Ou esta evocação triste: de que as células cerebrais destruídas pela demência deixem, em seu lugar, uma paisagem de lagos pequeninos, chamados pela sua designação latina – lacunas? ” (CROWLEY, 2010, trad. nossa). http: //beyondthemargins. com/2011/08/notes-from-the-lacune-medicine-and-language/ Créditos: Sobel, 2005. Fonte: GENAM – Projeto de Pesquisa Interdisciplinar, 2012
5. GENAM
COMUNICAÇÃO MÉDICO/PACIENTE VS. RELAÇÃO MÉDICO/PACIENTE: A NARRATIVA COMO PONTE NA CONSTRUÇÃO DO (RE)CONHECIMENTO Hélio Plapler (Escola Paulista de Medicina) Fabiana Carelli (Universidade de São Paulo)
NARRATIVE AS A BRIDGE (OUR HYPOTHESES): 1. The conception of Narrative as a form to apprehend the characters’ particularities shall improve both patients’ and doctors’ skills towards the understanding of predicaments processes and treatments. 2. Every clinical encounter is a process that: - begins with a POETIC EFFORT towards the setting of a story; - goes through a RHETORICAL MOMENT – effort of persuasion about specific views and beliefs; and - (if it happens to be happier and more effective, in our opinion) reaches to become a DIALECTICAL PROCESS of mutual understanding among the parties involved.
POETICS: THE PATIENT’S ROLE • For Aristotle (Poetics), every poetic effort (representation or imitation through language), even History (related to “reality’s” expression) and Poetry (“story” - related to what is verisimilar), is an imitation of truth. • In this imitation, the mythos (μυθος, the “organization of events”/agenciamento dos fatos – also according to Ricoeur, 1990) is the most important compositional factor. • The “mimesis” emplotment (through poetry, in a broad sense) builds up multiple points of view, all of them verisimilar. • This non-variable succession engenders a significance, which is one of the poetic composition’s traits.
RETHORIC: THE PHYSICIAN’S ROLE • Aristotle affirms that: - rhetoric is an art; - it is related to all men; - the purpose of rhetoric is – to adduce evidence; – it is concerned with the modes of persuasion (which is a sort of demonstration). - there’s an ethics of discourse embodied in Aristotelian rhetoric: “[…]is not simply succeed in persuading, but rather to discover the means of coming as near such success as the circumstances of each particular case allow” (2004: 7) “For example, it’s not the function of medicine simply to make a man quite healthy, but put him as far as may be on the road to health”
DIALECTICS: A RELATIONSHIP (IN) CHANGE • Identity depends on a dynamic role as a discursive predicate • Discourse – set of linguistic characteristics that inserts language in a dialogic and social context • Narrative identity = different “selves” inside the “narrative beings” • Ethos = defines someone within cultural and moral principles
A Tragédia da Doença Carlos Eduardo Pompilio Fabiana Carelli Universidade de São Paulo – GENAM-USP Picture: Thomas Struth, 2013. http: //zeteo. wpengine. netdna-cdn. com/wp-content/uploads/2014/12/get-attachment-21 -1024 x 744. jpg
O Homem na Grécia Antiga O Homem mortal, em oposição aos deuses imortais. O Homem entre os homens, ser social. Brotos Anthropos Aner "Masculino", ”viril”, em oposição a "feminino", ”mulher”.
O Homem na Grécia Antiga • Literatura – Gênero Trágico => Brotos • Mythos trágico é baseado na relação do homem com seu destino, sua coragem, sua hybris. • Medicina Grega (Corpus Hippocraticum) => Anthropos O médico hipocrático via seu paciente como habitante de um mundo ordenado – kosmos. Na Grécia Clássica, aquele que fala e age não é o mesmo que adoece.
O Papel dos Escritores e Filósofos • O caso de Friedrich Nietzsche • CADASIL (arteriopatia cerebral autossômica dominante com infartos subcorticais e leucoencefalopatia) • ““Um ser tipicamente mórbido não pode vir a se tornar são e muito menos vir a se tornar são por sua própria conta; para alguém que é tipicamente saudável uma doença pode, ao contrário, até ser uma estimulação enérgica à vida, a viver mais”. ” (Ecce Homo) HEMELSOET, D. , HEMELSOET, K, DEVREESE, D. The neurological illness of Friedrich Nietzsche. Acta neurologica Belgium , 2008.
Unheimlichkeit • Fredrik Svenaeus • O ‘não-estar-em-casa’, condição necessária e básica da existência humana (autêntica) relacionada a nossa finitude e dependência de outros, é, na doença, trazido à tona e transformado em uma intrusiva sensação de abandono e estranhamento (homelessness)” (SVENAEUS, 1999, p. 93).
Unheimlichkeit Ficar doente, sob o ponto de vista puramente existencial, significaria experimentar um constante e intrusivo Unheimlichkeit em nosso ser-no-mundo que nos remete a nós mesmos, nos arrancando, muitas vezes de forma abrupta e violenta, do mundo dos outros e constituindo-se, assim, em uma experiência de individualização.
O Efeito Unheimlich • uma reconfiguração de nosso ser-no-mundo; • uma apreensão alternativa da facticidade do mundo da vida que permitiria sua reinterpretação, estado que se estenderia, principalmente no caso do filósofo, aos períodos de convalescença, como uma experiência de renascimento.
DOENÇA →FINITUDE →ANGÚSTIA: COMO ALIVIAR (CURAR) ESSASCONDIÇÕES/SENTIMENTOS? Duas possibilidades: 1. Mediante algum sentimento de imortalidade (religião/metafísica); ou 2. De modo trágico: Se “já nos considerarmos mortos”, não há o que temer. “Num mundo onde não há nada a perder, todas as circunstâncias são aproveitadas” (Clément Rosset, 1989: 73)
EM (IN)CONCLUSÃO • O ser doente não é o trabalhador robotizado criticado por Benjamin, mas o narrador por excelência. • Os profissionais da saúde são pontos de convergência de narrativas carregadas de conteúdo existencial (Carelli e col. , 2013). • Vistas desse modo, as narrativas não têm por objetivo a coleta de dados ou o simples acolhimento. Elas permitem ao paciente uma reinterpretação de seu ser-no-mundo e, com isso, uma reconfiguração da estrutura de significação no qual o ser-aí está enredado, num processo que “pode criar ‘mundos’ e produzir ‘Eus’ redimidos”.
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