MORFOLOGIA URBANA E DESENHO DA CIDADE Jos M
MORFOLOGIA URBANA E DESENHO DA CIDADE José M. Ressano Garcia Lamas 3. 3. A Forma Urbana Medieval 1
3. 3. A Forma Urbana Medieval • A formação das cidades medievais; • Elementos e componentes que caracterizam a cidade medieval; • O planeamento urbano medieval e seus resultados espaciais; 2
A formação das cidades medievais “Após a queda do Império Romano, diminui o ritmo de crescimento demográfico e a vida urbana foi substancialmente reduzida, até que nos séculos X e XI a estabilidade política e o ressurgimento do comércio voltaram a dinamizar as estruturas. Neste período de tempo, os centros urbanos da Europa foram-se modificando”. 3
Diversas origens da formação das cidades medievais : • antigas cidades romanas que permaneceram, ou que, tendo sido abandonadas, são posteriormente reocupadas; • burgos que se formam na periferia da cidade romana, por vezes do outro lado do rio, e que se desenvolvem até formar cidades; • antigos santuários cristãos instalados fora das cidades romanas e que, no período medieval, vão formar novos núcleos urbanos; • cidades que se formam pelo crescimento de aldeias rurais; • novas cidades, como as bastides, fundadas, como bases comerciais • e militares, a partir de um plano geométrico predeterminado; 4
• CONSEQUÊNCIAS: MAS, com o tempo > modelos urbanos diferenciados; > morfologia tende a assemelhar-se; Crescimento e instalação de • NOVAS FUNÇÕES: como > ordens militares e religiosas > conduzem a sobreposição de traçados; > aos restos do traçado ortogonal romano vai sobrepor-se o traçado radiocêntrico da Idade Média; > a cidade medieval utiliza os restos das antigas cidades romanas = pedras de templos e edifícios; • RAZÕES: > mudanças funcionais; > falta de espaço dentro do perímetro amuralhado; > dificuldades na obtenção dos materiais de construção; 5
• SOBREPOSIÇÃO DE TRAÇADOS E DE CONSTRUÇÕES: > realiza-se sem uma ordem predefinida e com pontos de apoio nos eixos que ligam: as cidades, estradas de passagem, portas das muralhas, pontes sobre os rios, etc. PORTANTO: a formação da cidade medieval vai processar-se > organicamente = por desenvolv. das antigas estruturas romanas -ou > pela fundação de cidades novas = organizadas segundo um plano regulador 6
“A estrutura original romana perde-se durante séculos de abandono e não é totalmente retomada na reocupação”. Traçados medievais: Portanto, quanto ao PROCESSO ORG NICO: > a quadrícula se revela de pouca utilidade; > o aspecto final é de aparente desordem (favorecida pela topografia do terreno); > a topografia desaconselha os traçados geométricos; DISPOSIÇÃO DOS TRAÇADOS MEDIEVAIS: > correspondem à divisão do terreno em loteamento que vai sobrepor às ruínas e restos dos assentamentos anteriores; 7
CIDADES NOVAS: = bastides > a operação do loteamento é mais evidente; > recurso à quadrícula e a geometrias de divisão do solo; > possibilidade de traçado em terreno livre conduz a > formas regulares e > idéia predeterminada na concepção espacial = PROCESSO RACIONAL > NOVOS CONCEITOS DE DESENHO: • abandona-se a escala monumental das cidades romanas; • adquire morfologia mais intimista (cumina na forma e escala das pequenas cidades medievais); • o desenvolvimento das cidades se apoia em classes socias: > o artesão > o comerciante (se agrupam em sistemas de corporação e poupança > início à banca); 8
Em períodos alternados a cidade cresce e diminui : “O desenvolvimento deste sistema social gera aumentos e redistribuições demográficas e necessidades de novos espaços. . . os grandes flagelos, pestes, epidemias e guerras provocam diminuições demográficas e destruições”. Representação de uma cidade tal como existia no imaginário medieval. Transmite uma entidade orgânica na sua dimensão e na sua forma circunscrita pelas muralhas. Representação da cidade medieval. Ambrogio Lorenzetti 1340: Uma 9 Cidade Toscana. Pintura sobre tábua existente na Pinacoteca de Sienna.
Elementos e Componentes que caracterizam a Cidade Medieval • as muralhas; • as ruas; • os espaços públicos: > a praça >o mercado • os edifícios singulares; • o quarteirão medieval; Imagem de Lisboa medieval: a Ribeira Velha antes do terremoto de 1755 - azulejos de princípios do século XVIII atribuíveis ao mestre 10 PMP, existentes no Museu da Cidade.
Características da Cidade Medieval “Quase todas as cidades pssuíam as suas defesas, compostas de muros, torres, fossos e muralhas”. ELEMENTOS E COMPONENTES: • as muralhas > são o perímetro defensivo da cidade; > separação com o campo e o mundo rural; > a cidade concentra-se, por necessidade de espaço, até alargar seu limite e construir novas muralhas que englobam as expansões; > formam-se os anéis sucessivos de construções e sistemas defensivos; > a muralha delimita a cidade e caracteriza sua imagem e forma; 11
• as ruas > elemento base do espaço urbano medieval; > preenche quase todo o interior do perímetro urbano; > concebidas para andar a pé ou c/animais de carga; > servem a circulação e ao acesso de edifícios; > pavimentação frequente a partir dos séculos XI e XII; > edifícios ligados aos sistemas de rua - pisos térreos ocupados por lojas - fachadas com grande valor comercial ; > rua como extensão do mercado - nela se negocia compra e vende; > ruas delimitam quarteirões que se subdividem em logradouros e em edifícios; > sistema constituído pelo quarteirão, logradouro, prédio e fachada surge na Idade Média e vai manter-se até nossos dias com variações ; 12
“Morris desfaz a idéia de que as cidades medievais fossem insalubres e excessivamente densas, pois a estreiteza das ruas sería compensada pela existência de hortas, jardins e espaços livres no interior dos quarteirões”. QTO. AOS EDIFÍCIOS HABITACIONAIS: > regulares e uniformes; > formam um pano de fundo da estrutura urbana; > ocupam os espaços livres, em épocas de crescimento, avançando em balanço sobre a rua; > constrói-se por todos os lados, até nas pontes; 13
• Os Espaços Públicos: > o mercado: > principal razão da cidade > lugar de trocas e serviços; A POSIÇÃO DO MERCADO: varia e até duplica: > no adro da igreja; > no centro da cidade; > junto a uma das portas da cidade; > é um espaço aberto e público por excelência; > a função comercial prolonga-se pelas ruas; 14
> a praça: > geralmente irregular; > resulta mais de um vazio aberto na estrutura urbana do que de um desenho prévio; “É na Idade Média que se começa a esboçar o conceito de praça européia, que atingirá seu apogeu a partir do Renascimento”. PRAÇA MEDIEVAL: > largo de geometria irregular FUNÇÕES IMPORTANTES: > comércio e reunião social As praças medievais DIVIDEM-SE geralmente > na praça do mercado > na praça da igreja (adro), ou o parvis medieval > as funções e a localização na estrutura urbana são diferentes. 15
• os edifícios singulares > a igreja ou a catedral = principais lugares da religiosidade; > o castelo = lugar de defesa e de poder; > o palácio e as torres senhoriais ou a Câmara Municipal = lugares de poder; LUGARES DE PODER: > sobressaem na forma urbana medieval, contrapondo-se à estrutura anônima e modesta das habitações; > são elementos física e ritualmente dominantes, embora não estruturem traçados; > sua forma e significação contrapõem-se ao perímetro amuralhado; > são introduzidos por “acumulação” na estrutura urbana, muitas vezes associados ao espaço público coletivo - a praça e o 16 mercado;
• o quarteirão medieval > modificações importantes em relação ao quarteirão romano, tanto na forma, como no posicionamento dos edifícios, ou no papel que desempenha na estrutura urbana; > OS EDIFÍCIOS > concentram-se na periferia ou no perímetro do quarteirão; > contato direto com a rua; > deixam livre a zona posterior de cada lote; > este espaço livre é utilizado para hortas ou jardins privados = constitui uma área de reserva e salubridade urbana; “Nos antigos bairros de Lisboa, como Alfama e Mouraria, ainda se poderá encontrar a imagem dos quarteirões medievais, pese embora as modificações surgidas em mais de 500 anos”. 17
A FORMA DO QUARTEIRÃO MEDIEVAL: > é determinada pelos traçados viários; quando REGULARES, QUADRICULADOS, > originam quarteirões + regulares; > não parece ter sido abundante a utilização de módulos geométricos e de dimensões predeterminadas exceto nas cidades fundadas de novo; > edifícios que possuem individualidade própria ocupam a periferia do quarteirão e variam no desenho da fachada; > isto confere-lhe irregularidade volumétrica; > o quarteirão deixa de ser apenas um meio de loteamento e divisão cadastral do solo, para se constituir também como elemento morfológico do espaço urbano. 18
O planeamento urbano medieval e seus resultados espaciais • “A forma urbana medieval vai permanecer nas cidades européias e servir de referência na medida em que irá “simbolizar” a estrutura orgânica”. • “A diversidade de formas e imagens assim obtidas produzirá efeitos cênicos, volumétricos e visuais muito diversificados, os quais Sitte designaria de ‘pitoresco’ ”. O PLANEAMENTO URBANO MEDIEVAL: ? É fruto do acaso? - ou - de princípios de urbanismo aplicados ao crescimento orgânico? 19
Há contradições entre vários autores: • Morris > existem escassos documentos que possam comprovar um planeamento e decisões sobre traçado e estética no dia-a-dia do crescimento urbano medieval: “decisões coletivas tomadas ocasionalmente e para os grandes problemas urbanos”. • Munford > ao contrário, escreve com entusiasmo que já na Idade Média se prolongaria uma rua para embelezar a cidade ou descobrir uma nova perspectiva, exemplificando o interesse dos cidadãos pela arquitetura e pela cidade, ao escolherem os pilares da catedral de Florença. A questão só tem resposta nos resultados espaciais e visuais da cidade medieval, em que apresenta grande riqueza na organização e sequência de percursos e nas vistas e perspectivas das massas construídas. 20
• Lamas - Me parece de excluir o “acaso” do urbanismo, quando os resultados são estética e formalmente válidos. Admitiria que não existiram regras estéticas (como definido a partir do Renascimento) que determinassem o desenho urbano. Existiram, sem dúvida, um conjunto de regras, que aplicadas diariamente como a prática de construir conduziria a qualidade estética e arquitetônica, garantindo a coerência da imagem da cidade medieval (Lamas). EXEMPLO DE REGRAS APLICADAS: • ao modo de colocar edifícios; • aos processos construtivos; • à unidade de materiais e formas; 21
CONTRIBUIÇÃO NA HISTÓRIA DO URBANISMO: • O espaço e a morfologia urbanos medievais serão uma referência importante em alguns períodos; • servem de modelo para a diversidade espacial e animação em novas urbanizações; • Camilo Sitte - 1889, é um dos primeiros a interessar-se pelo desenho urbano medieval. Critica o desenho urbano dos planos alemães e austríacos, que acusa de “excessiva subordinação aos problemas técnicos e de tráfego e de desatenção pelos resultados ambientais e estéticos”; Suas propostas partem da análise da cidade medieval para revalorizarem a composição orgânica. Sitte recusa o edifício isolado, as linhas retas, as grandes perspectivas, a uniformidade geométrica dos planos, e os regulamentos urbanísticos abstratos; 22
• C. Sitte baseia-se na: > exploração das particularidades topográficas; > nas relações de escala e de assimetria; > na volumetria diversificada; (é o que “tendenciosamente” procura ver na cidade medieval) As propostas de Sitte aplicavam-se: > à pequena escala; > à rua e ao bairro; > mas tornavam-se inoperantes ao afrontar os problemas da grande cidade novecentista; • Unwin - recoloca em outros moldes alguns valores anos mais tarde em Town Planning in Practice: > a perspectiva fechada; > a variação volumétrica; > a escala humana; que seriam introduzidos nos espaços de Letchworth e Welwyn. 23
“A ‘tentação medieval’ - identificada como a urbanística orgânica surge em diversos períodos, servindo a recusa do racionalismo e do traçado geométrico”. “A conservação de muitos centros históricos medievais até nossos, torna-os, elementos disponíveis para a reflexão sobre o desenho da cidade”. “Assim, a morfologia da cidade medieval não pode ser esquecida na prática profissional, como um dos ‘ modelos’ de composição do espaço”. “Porém modelo difícil de utilizar, na medida em que será difícil recriar só pelo desenho a complexidade visual e formal construída por sedimentação e acumulação durante séculos”. 24
• Zevi - a partir do final da Idade Média perdeu-se o gosto pela liberdade geométrica - que coincidirá simbolicamente com o gosto pela liberdade tout court Um edifício como o Palazzo Vecchio, em Florença, ou a Praça do Campo, em Sienna, parecem atualmente pertencer a outro planeta. “ Os arquitetos, para os produzirem, devem ter deitado fora réguas , T, esquadros e compassos e todo o arsenal de desenho concebido em função da gramática e sintaxe clássica. Com tais instrumentos, sería impossível reproduzir um episódio urbano como a Praça do Campo, em Sienna”. Zevi - revela que os resultados espaciais e formais da cidade medieval decorrem: > não apenas de um sentido estético, mas também de > um processo de formação 25 que criou um modelo de referência para o desenho urbano.
A cidade Medieval é ainda uma REFERÊNCIA ATUAL NA MEDIDA EM QUE: > a preocupação com a ‘forma urbana’ não pode esquecer a utilização de geometrias irregulares; > a morfologia urbana medieval continua a servir de referência e tem sido abundantemente utilizada em empreendimentos como: aldeamentos turísticos, em que a natureza do programa e da construção procuram a diversidade e a aparente desordem de implantações e volumes; Todavia as preocupações recentes da cultura urbana parecem mais coladas ao traçado retilíneo e geométrico que facilita a produção em série; 26
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