IDENTIDADE NACIONAL E REPRESENTAO INTELECTUALVISUAL BRASIL OITOCENTISTA FEITO
IDENTIDADE NACIONAL E REPRESENTAÇÃO INTELECTUAL/VISUAL BRASIL OITOCENTISTA
“FEITO O BRASIL, É PRECISO FAZER OS BRASILEIROS” * • Com a fundação do império brasileiro em 1822, forjou-se uma identidade nacional sem nem existir ainda cidadãos brasileiros. * “Feito a Itália, é preciso fazer os italianos”. Massimo D’Azeglio, líder da unificação italiana, em meados do século XIX.
QUESTÕES CONCEITUAIS
DISSENSO TEÓRICO • Autores dividem-se entre: • aqueles que acreditam na existência de uma identidade nacional, nacional ainda que não de forma ontológica, e • aqueles que recusam qualquer tipo de nacionalismo, entendido como uma armadilha ideológica que almeja encobrir conflitos fundamentais.
“NAÇÕES INVENTADAS” • O termo “invenção” não se refere ao falseamento da realidade que, por sua vez, se opõe à uma identidade “natural”. • Parte-se do pressuposto de que todas as identidades são inventadas, construídas a partir de instrumentos normativos e legislativos e também por meio de valores simbólicos e culturais • Tomás Perez Vejo, La pintura de historia y la invención de las naciones, p. 144. Ver Benedict Anderson, Nações inventadas.
TRABALHO DO HISTORIADOR, DO CIENTISTA SOCIAL • “A questão não era mais saber se uma determinada coletividade era uma nação, mas identificar os mecanismos que levavam-na a ver-se como nação”. nação • Tomás Perez Vejo, Nacionalismo y imperialismo en el siglo XIX, p. 52
PAPEL DA ELITE E DAS CLASSES POPULARES • Embora o tema “nação e nacionalismo” seja um espaço por excelência de formulação de projetos das elites, ele também pode servir como expressão de aspirações, necessidades e interesses das classes populares. • Ao se materializar na forma de instituições, formações e movimentos culturais, políticos e educacionais, a nação se afirma como elo identitário poderoso e sujeito a revisões, apropriações e contradições ao longo de sua trajetória. • Marcos Napolitano, Cultura e identidade no século XIX, p. 2
A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL BRASILEIRA
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL • No segundo Reinado (1840 -1889), de D. Pedro II, principalmente, o principal objetivo dos “construtores” do Brasil era dotar a nação brasileira de um conjunto de símbolos, símbolos aos quais pudessem ser identificados como próprios ao povo brasileiro a partir de uma identidade nacional que articulasse tanto o passado quanto o presente e até mesmo o futuro • Marcos Napolitano, Cultura e identidade no século XIX, p. 1
DEFINIÇÃO DE “POVO BRASILEIRO” • Esse “povo brasileiro”, no entanto, ora tomado como empecilho à civilização e à modernidade, modernidade ora tomado como expressão do processo de constituição nacional, nacional o povo brasileiro acabou como o revés da nacionalidade comprometida com a construção da nação • Marcos Napolitano, Cultura e identidade no século XIX, p. 8
DIFICULDADES NACIONAIS DE CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA • • ESCRAVIDÃO NEGRA POPULAÇÕES INDÍGENAS PODERES LOCAIS FRAGMENTAÇÃO REGIONAL • “[. . . ] amalgação muito difícil será a liga de tanto metal heterogêneo, como brancos, mulatos, pretos livres e escravos, índios etc. , em um corpo sólido e político”. político • José Bonifácio, 1813. Apud Manoel Luís Salgado Guimarães, Nação e civilização nos trópicos, p. 5
“INVENÇÃO DAS TRADIÇÕES” • No entanto, era preciso enfrentar os obstáculos e criar uma identidade brasileira. “Era necessário descobrir ou estabelecer hábitos, costumes, expressões artísticas e narrativas, uma história e uma mitologia de heróis nacionais que distinguissem o brasileiro do colonizador português forjando uma identidade nacional positiva e diversa capaz de plasmar o consenso social Se a nação é resultado de uma genealogia histórica, urgia estabelecê-la, elegendo na sucessão das nações possíveis, a invenção ideal”. ideal • Giselle Martins Venâncio, Pintando o Brasil, p. 3. Ver também Eric J. Hobsbawm, A invenção das tradições.
MÚLTIPLAS CONSTRUÇÕES • A construção de uma identidade nacional brasileira, numa realidade caracterizada pela diversidade sob todos os aspectos (regional, social, populacional etc. ), dispôs de meios diversos, diversos sob múltiplas perspectivas, seja no • 1) CAMPO INTELECTUAL como a construção da história do Brasil pelo IHGB (von Martius e Francisco Adolfo Varnhagen, p. ex. ), seja na • 2) PRODUÇÃO ARTÍSTICA como o desenvolvimento do estilo da pintura histórica (Pedro Américo e Vitor Meireles, p. ex. ), serviram para • A) AMALGAMAR A IDÉIA DE NAÇÃO E CONGÊNERES como identidade, nacionalidade, brasilidade etc. • B) ESCAMOTEAR SÉRIOS PROBLEMAS como a permanência da escravidão, escravidão ainda que na contramão mundial desde os tempos coloniais, e a exclusão social, social já que índios, negros, mulheres e pobres encontravam-se em situação de desvantagem numa conjuntura favorável a homens, brancos, europeus e de posses.
CONCEITO DE CIDADANIA • Se a análise da construções das identidades coletivas pode ser feita em várias dimensões (intelectual e artística, p. ex. ), com recurso a um diversificado arsenal de fontes (escritas e visuais, p. ex. ) e a cidadania é tomada a partir de uma perspectiva mais ampla, ampla abarcando “todas as modalidades possíveis de relação entre os cidadãos, de um lado, e o governo e as instituições do Estado, de outro, além de valores e práticas sociais definidoras da esfera pública”, delimitamos aqui o seguinte percurso: • A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO HISTÓRICO PELO IHGB (INSTITUIÇÕES) • A CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA HISTÓRICA NAS ARTES PLÁSTICAS (FATORES CULTURAIS) • Ver José Murilo de Carvalho, Nação e cidadania no Império, p. 1011
INSTITUTO HISTÓRICO GEOGRÁFICO BRASILEIRO (IHGB)
INSTITUIÇÃO OFICIAL • Era uma instituição oficial, financiada pelo governo de D. Pedro II, embora a maioria dos membros do IHGB preferisse defini-la como uma instituição científico-cultural sem relações político-partidária.
OBJETIVOS DO IHGB • Através do contato com instituições congêneres, nacionais e internacionais, o IHGB tinha como principais objetivos: • PRODUZIR TRABALHOS INÉDITOS nos campos da história, da geografia e da etnologia • COLETAR E PUBLICAR DOCUMENTOS RELEVANTES PARA HISTÓRIA DO BRASIL • INCENTIVAR ESTUDOS DE NATUREZA HISTÓRICA • INCENTIVAR A CRIAÇÃO DE INSTITUTOS HISTÓRICOS PROVINCIAIS, canalizando para sua matriz no Rio de Janeiro informações sobre as diferentes regiões do Brasil • Manoel Luís Salgado Guimarães, Nação e civilização nos trópicos, p. 9, 11
PERFIL DOS INTELECTUAIS • ACESSO RESTRITO a um grupo de eleitos cujos critérios de seleção apoiavam-se no domínio intelectual de um saber específico • 27 MEMBROS SÓCIO-FUNDADORES • FUNÇÕES NO APARELHO DO ESTADO: senadores, ministros, conselheiros de Estado, magistrados, advogados, burocratas, eclesiásticos, militares • GERAÇÃO NASCIDA EM PORTUGAL • DIVERSIDADE DA ORIGEM SOCIAL, AMALGAMADA PELO PROCESSO EDUCACIONAL: tradição jurídica de Coimbra • INTELECTUAIS DO IHGB: Gonçalves Dias, Joaquim Manoel de Macedo, Manuel de Araújo Porto Alegre, Francisco Adolfo Varnhagen, Januário da Cunha Barbosa
PROJETO POLÍTICO-IDEOLÓGICO CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL • Contribuir com a nação brasileira e a construção da identidade nacional através da • ESCRITA DA HISTÓRIA • MAPEAMENTO GEOGRÁFICO • SEM EMPREENDER UMA RUPTURA COM O PODER • DEPENDIA DO SEU APOIO MATERIAL E ATÉ SE CONSTITUIU EM PORTA-VOZ DO IMPERADOR INSTRUMENTALIZAÇÃO DA HISTÓRIA • “Em suma: com a história é possível aprender de forma a não se comprometer a marcha do progresso social, História vista segundo sua instrumentalidade para a compreensão do presente e encaminhamento do futuro, futuro princípios tão caros também àqueles que no Brasil se lançaram à tarefa de escrever uma história nacional”. • Manoel Luís Salgado Guimarães, Nação e civilização nos trópicos, p. 13
INTERVENÇÃO DO MONARCA • ESTABELECIMENTO DE PRÊMIOS destinados aos trabalhos científicos • CONCESSÃO DE BOLSAS que viabilizavam o trabalho intelectual • DEPENDÊNCIA FINANCEIRA que assegurava a continuidade do trabalho e a expansão da instituição, cerca de 75% do orçamento do IHGB provinha do governo imperial, além das verbas extras para viagens especiais
cont. . . INTERVENÇÃO DO MONARCA • SUGESTÃO DE TEMAS PARA REFLEXÃO DOS MEMBROS: • “Sem dúvida, Senhores, que a vossa publicação trimestral tem prestado valiosos serviços, mostrando ao velho mundo o apreço, que também no novo merecem as aplicações da inteligência; mas para que esse alvo se atinja perfeitamente, é de mister que não só reunais os trabalhos das gerações passadas, aos que vos tendes dedicado quase que unicamente, como também, pelos próprios, torneis aquela a que pertenço digna realmente dos elogios da posteridade: posteridade não dividi pois as vossas forças, o amor da ciência é exclusivo, e concorrendo todos unidos para tão nobre, útil, e já difícil empresa, erijamos assim um padrão de glória à civilização da nossa pátria”. • Discurso do imperador, de 15 de dezembro de 1849, durante a inauguração da nova sede do IHGB. Apud Manoel Luís Salgado Guimarães, Nação e civilização nos trópicos, p. 11 -12
cont. . . INTERVENÇÃO DO MONARCA • ACOMPANHAMENTO DAS ATIVIDADES, inclusive com a sua presença nas reuniões: • “Congratulando-me desde já convosco pelas felizes consequências do empenho que contraís, reunindo-vos em meu palácio, recomendo ao vosso presidente que me informe sempre da marcha das comissões, assim como me apresente, apresente quando lhe ordenar, uma lista, lista que espero será a geral, dos sócios quem bem cumprem com os seus deveres; comprazendo-me aliás em verificar por mim próprio os vossos esforços todas às vezes que tiver a satisfação de tomar parte em vossas lucubrações”. lucubrações • Apud Manoel Luís Salgado Guimarães, Nação e civilização nos trópicos, p. 5 -6
PRODUÇÃO, CIRCULAÇÃO E PÚBLICO ALVO • ESFERA NACIONAL: as elites letradas, esclarecidas se encarregaram de transmitir o conhecimento às demais classes sociais • CIRCUITO INTERNACIONAL: intelectuais ligados ao Institut Historique de Paris auxiliavam na difusão além-mar da história do Brasil
CONCEPÇÃO DE HISTÓRIA E ESCRITA DA HISTÓRIA DO BRASIL
TRADIÇÃO ILUMINISTA • CONCEPÇÃO LINEAR, DE PROGRESSO E TELEOLÓGICA DA HISTÓRIA • FONTES PRIMÁRIAS • BUSCA PELO CARÁTER NACIONAL • CONCEPÇÃO EXEMPLAR DA HISTÓRIA • LINHA EVOLUTIVA e ARTICULADA do passado, presente e futuro • NOÇÃO DE CIVILIZAÇÃO E HIERARQUIA RACIAL: agente da civilização (branco) e seu olhar sobre o “outro” (índio, negro)
CONCEPÇÃO LINEAR, DE PROGRESSO E TELEOLÓGICA DA HISTÓRIA PAPEL DA HISTÓRIA TAREFA DO HISTORIADOR • “A História, tornando-lhe presente a experiência de séculos passados, passados ministra-lhe conselhos tão seguros como desinteressados, desinteressados que lhe aclaram os caminhos que deve seguir, seguir os escolhos que deve evitar, evitar e o seguro porto, a que uma sólida manobra pode felizmente fazer chegar a nau do Estado”. • “Deve o historiador, se não quiser que sobre ele carregue grave e dolorosa responsabilidade, por a mira em satisfazer aos fins políticos e moral da história Com os sucessos do passado ensinara à geração presente em que considere a sua verdadeira felicidade, chamando-a a um nexo comum, inspirando-lhe o mais nobre patriotismo, patriotismo o amor às instituições monárquicoconstitucionais, o sentimento religioso, religioso e a inclinação aos bons costumes”. costumes Januário da Cunha Barbosa, membro do IHGB, e Revista do IHGB, abr. /jun. 1847. Apud Manoel Luís Salgado Guimarães, Nação e civilização nos trópicos, p. 16
FONTES PRIMÁRIAS • Se as fontes primárias tinham papel central no trabalho do historiador da moderna historiografia, mas sua localização ultrapassava as fronteiras nacionais, nacionais espraiando-se para além delas, principalmente em países como Portugal e Espanha
CONCEPÇÃO EXEMPLAR DA HISTÓRIA • A Revista do IHGB tem uma seção de biografias que visa não só reunir exemplos notáveis às gerações vindouras como também para a construção da galeria dos grandes heróis
A CIVILIZAÇÃO COMO LINHA MESTRA DA HISTÓRIA • “Neste sentido, lançar mão dos conhecimentos arqueológicos, linguísticos e etnográficos seria a forma de se ter acesso a uma cultura estranha – a dos indígenas existentes no território –, cuja inferioridade em relação à ‘civilização branca’ poderia ser através de uma argumentação científica, como pretendiam, explicitada. Por outro lado, este mesmo instrumental capacitaria o investigador da história brasileira a recuperar a cadeia civilizadora, civilizadora demonstrando a inevitabilidade da presença branca como forma de assegurar a plena civilização”. civilização • Manoel Luís Salgado Guimarães, Nação e civilização nos trópicos, p. 12
REVISTA DO IHGB • • 73% DOS SEUS ARTIGOS VERSAVAM SOBRE: A PROBLEMÁTICA INDÍGENA As EXPLORAÇÕES CIENTÍFICAS A HISTÓRIA REGIONAL
FUSÃO DAS RAÇAS • ÍNDIO: conhecimento ancestral • BRANCO: elemento civilizatório cujo contato é imprescindível aos outros povos • NEGRO: atenção mais limitada, reflexo de uma tendência que irá se consolidar ao longo do século XIX, isto é, a de responsabilizar o negro pelo atraso do processo civilizador • Consultar perspectivas para um projeto de política indigenista em Qual seria o melhor sistema de colonizar os índios entranhados em nossos sertões conviria seguir o sistema dos jesuítas fundado principalmente na propagação do cristinianismo, ou se outro do qual se esperam melhores resultados do que os atuais? (1840), de Januário da Cunha Barbosa; Como se deve escrever a História do Brasil (1845), de von Martius, e Se a introdução do trabalho escravo em raça a civilização dos nossos indígenas (1839), de Januário da Cunha Barbosa.
CONTINUIDADE DA HISTÓRIA DOS COLONIZADORES EUROPEUS • O ponto de partida da construção da identidade nacional brasileira é a herança da colonização europeia, por isso a necessidade das “metáforas de parentesco” • Por exemplo, em carta ao Imperador D. Pedro II, datada de 14 de julho de 1857, Francisco Adolfo Varnhagen, Varnhagen ao tratar da obra História Geral do Brasil, afirmou: • “Em geral busquei inspirações de patriotismo sem ser no ódio a portugueses, ou à estrangeira Europa, que nos beneficia com ilustração; ilustração tratei de por um dique à tanta declamação e servilismo à democracia; e procurei ir disciplinando produtivamente certas ideias soltas de nacionalidade”. nacionalidade • Apud Manoel Luís Salgado Guimarães, Nação e civilização nos trópicos, p. 5 -6
ESTUDOS PRECURSORES DO MITO DA “DEMOCRACIAL” • Em 1845, 1845 a Revista do IHGB publicou Como se deve escrever a História do Brasil, Brasil do cientista alemão Karl Friedrich Philipp von Martius, Martius que apresentava um plano de redação ao historiador da História do Brasil tomando como tarefa básica a integração das três raças • Em 1854 e 1857, 1857 respectivamente, Francisco Adolfo Varnhagen publicou, em dois volumes, História Geral do Brasil, Brasil na qual também tratou da integração das três raças
A HISTÓRIA A SERVIÇO DA UNIFICAÇÃO NACIONAL • • Jornal Minerva Brasiliense, Brasiliense edição de novembro de 1843: “Estranhas umas às outras, falta às nossas províncias a força do laço moral, o nexo da nacionalidade espontânea que poderia prender estritamente os habitadores desta imensa peça, peça que a natureza abarcou com os dois maiores rios do universo”. “Uma história geral e completa do Brasil resta a compor, e se até aqui prender nem nos era permitido a esperança de que tão cedo fosse satisfeito este desideratum, hoje assim não acontece, depois da fundação do Instituto Histórico, Histórico cujas importantíssimas pesquisas no nosso passado deixam esperar, que esta ilustre corporação se dê à tarefa de escrever a história nacional, nacional resultado final, para que devem convergir todos os seus trabalhos”. • • Em carta ao Imperador D. Pedro II, datada de 14 de julho de 1857, Francisco Adolfo Varnhagen, Varnhagen ao falar dos objetivos da obra História Geral do Brasil, afirmou: “[. . . ] era para ir assim enfeixando-as / as províncias / todas e fazendo bater os corações dos de umas províncias em favor das outras, outras infiltrando a todos nobres sentimentos de patriotismo de nação, nação único sentimento que é capaz de desterrar os provincialismo excessivo, excessivo do modo que desterra o egoísmo, levando-nos a morrer pela pátria ou pelo soberano que personifica seus interesses, sua honra e sua glória”. glória Apud Manoel Luís Salgado Guimarães, Nação e civilização nos trópicos, p. 15, 19
A HISTÓRIA A SERVIÇO DA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL • Sedimentar as elites regionais, regionais até então dispersas em “pátrias locais”, herdadas da colônia, e uni-las à Coroa portuguesa, ancorada na dinastia dos Bragança. • István Jancsó e João Paulo G. Pimenta, Peças de um mosaico
A HISTÓRIA A SERVIÇO DAS VIRTUDES CÍVICAS • A HISTÓRIA MORALIZANTE: • “A história é uma mestra, não somente do futuro, como também do presente. Ele pode difundir entre os contemporâneos sentimentos e pensamentos do mais nobre patriotismo. Uma obra histórica sobre o Brasil deve, deve segundo minha opinião, ter igualmente a tendência de despertar e reanimar em seus leitores brasileiros amor da pátria, coragem, constância, indústria, fidelidade, prudência, em uma palavra, todas as virtudes cívicas”. cívicas • Von Martius, Como se deve escrever a História do Brasil, 1845. Apud Manoel Luís Salgado Guimarães, Nação e civilização nos trópicos, p. 15
A HISTÓRIA A SERVIÇO DA MONARQUIA • “O Brasil está afeto em muitos membros da sua população, de ideias políticas imaturas Ali vemos republicanos de todas as cores, ideólogos de todas as qualidades E justamente entre estes que se acharão muitas pessoas que estudarão com interesse uma história de seu país natal; para eles, pois, deverá ser calculado o livro, livro para convencê-los por uma maneira destra da inexiguidade de seus projetos utópicos, utópicos da inconveniência de discussões licenciosas dos negócios públicos ‘por uma imprensa desenfreada, e da necessidade de uma monarquia em um país onde há um tão grande número de escravos Só agora principia o Brasil a sentir-se como um Todo Unido”. • Von Martius, Como se deve escrever a História do Brasil, 1845. Apud Manoel Luís Salgado Guimarães, Nação e civilização nos trópicos, p. 15
INSTRUMENTALIZAÇÃO POLÍTICA DA HISTÓRIA DO BRASIL • A HISTÓRIA LEGITIMA E SERVE AO PRESENTE, À MONARQUIA E À ESCRAVIDÃO, À ORDEM CONSTITUÍDA • ATRAVÉS DA FIGURA DO HISTORIADOR ESCLARECIDO QUE ESTÁ • A SERVIÇO DO IMPÉRIO E DO IMPERADOR E É TAMBÉM MANTIDO POR ESTE • “A leitura da história enquanto legitimação do presente, carregada, portanto, de sentido político, político é sem dúvida um aspecto importante do projeto historiográfico do IHGB. O historiador, na qualidade de esclarecido, deveria indicar o caminho da felicidade e realização aos seus contemporâneos: fiéis súditos da monarquia constitucional e da religião católica”. católica • Manoel Luís Salgado Guimarães, Nação e civilização nos trópicos, p. 17
DEBATE ACERCA DO ÍNDIO COMO PORTADOR DA BRASILIDADE • CONCEPÇÃO HEGEMÔNICA DE VARNHAGEN que recusa a ideia do índio como portador de brasilidade X LITERATURA INDIANISTA DE GONÇALVES DIAS que transforma o índio em representante por excelência da nacionalidade brasileira • • “Será, portanto, em torno da temática indígena que, no interior do IHGB, e também fora dele, travar-se-á um acirrado debate em que literatura, de um lado, e história, de outro, argumentarão sobre a viabilidade da nacionalidade brasileira estar representada pelo indígena Enquanto Varnhagen, em carta dirigida ao imperador com data de 18 de julho de 1852 a propósito do indianismo de Gonçalves Dias o adverte para ‘não deixar para mais tarde a solução de uma questão importante acerca da qual convém muito ao país e ao trono que a opinião se não extravie, com ideias que acabam por ser subversivas’, a literatura veicula a imagem do indígena como portador da ‘brasilidade’”. Manoel Luís Salgado Guimarães, Nação e civilização nos trópicos, p. 12
AS PINTURAS HISTÓRICAS DE VITOR MEIRELLES E PEDRO AMÉRICO
CARACTERÍSTICAS GERAIS • DIÁLOGO COM NEOCLASSICISMO a partir da Missão Artística Francesa (1816) • A ESTRUTURAÇÃO DO ENSINO DE ARTE NO BRASIL resultou na criação da Academia Imperial de Belas Artes (século XIX) • GRANDES TELAS E TEMAS HISTÓRICOS • BELEZA IDEALIZADA • VALORIZAÇÃO DO DESENHO • PINTURA À ÓLEO • A SERVIÇO DE UMA “ESPÉCIE DE PEDAGOGIA CIVILIZATÓRIA”: As obras produzidas deveriam contribuir para a criação de um imaginário social no qual o Brasil civilizado aparecesse como consequência da ação dos colonizadores portugueses In: Giselle Martins Venâncio, Pintando o Brasil, p. 5 A expressão “espécie de pedagogia civilizatória” foi utilizada por Maria Eliza Linhares Borges
A INTERROGRAÇÃO DA OBRA COMO MÉTODO • MAIS VALE INTERROGAR A OBRA e tomá-las como projetos complexos DO QUE ENQUADRAR O ARTISTA OU A OBRA (em estilos, gêneros, movimentos artísticos): • “Tenho a impressão, por exemplo, que as teorias sobre as artes acabaram ficando, nos meios acadêmicos, mais importantes que as obras. O trabalho é longo, paciente, por vezes desordenado, mas prazeroso, de ler romances, ver quadros, ouvir música, torna-se secundário em relação a esquemas interpretativos, necessariamente muito pobres. • Jorge Coli, Como estudar a arte brasileira no século XIX, p. 19
A HISTORICIDADE DAS PINTURAS HISTÓRICAS • No século XIX, a “pintura histórica” era um gênero artístico considerado superior aos demais (p. ex. ao retrato, à natureza morta, à paisagem), porque englobava todos eles numa articulação complexa que tinha como linha mestra a narrativa histórica. • Diferente dos artistas modernos, inovação e originalidade não eram valores fundamentais para os pintores históricos • Mais que oferecer uma novidade individual, estavam intimamente ligados à história da arte, oferecendo uma releitura de tais referências
Victor Meirelles. Primeira. Moema, Missa no 1866. Brasil, 1861. 258 X 356 cm Victor Meirelles. 129 X 190 cm
O NASCIMENTO DA CRÍTICA DE ARTE NO BRASIL NO SÉCULO XIX • • • Crítica de Manuel Araújo Porto-Alegre, discípulo de Debret, orientador de Vitor Meirelles, membro do IHGB e censor do CDB: “A figura do algoz tem boa cabeça o pescoço, o tórax e o abdômen estão sofrivelmente modelados e melhor coloridos porque não têm tons sujos, porém, parece-me que há uma falhazinha miológica na região intercostal. O braço direito, no que toca o antebraço, não está mau, porém não está acentuado com energia, nem tem clareza na musculação: o deltóide deveria ser mais fibroso, assim como mais marcado o tríceps braquial; quanto ao antebraço, punho e mão, esses não foram estudados com tanto amor como o tórax e o abdômen. [. . . ] As pernas parecem curtas, e um tanto inertes no modo de acentuar a musculação: o que está perfeitamente modelado é a parte externa da região poplítea e, sobretudo, a inserção posterior do tríceps da coxa”. coxa Jorge Coli, Como estudar a arte brasileira no século XIX, p. 51 Vítor Meirelles. A degolação de São João Batista, 1855 (It/Br)
O CONTEXTO DE PRODUÇÃO COMO GUIA • A linguagem pictórica não é atemporal, está intrinsecamente ligada ao seu tempo histórico, histórico ainda que dele não seja reflexo • Ex. : A Primeira Missa no Brasil não é um registro fiel do evento fundador, mas uma interpretação de Victor Meirelles sobre os acontecimentos do passado, a partir das demandas do presente.
Significado da fundação da Nação = Encontro dos índios com os portugueses = domesticação através do catolicismo A composição circular, em forma espiral, direciona para a cerimônia religiosa de fundação da nação Portugueses iluminados X Índios na penumbra Vestígios de civilização (vestuário e armas) X Natureza exuberante (nudez e naturalidade) Domesticação dos símbolos X Simbiose índio-natureza Concentração = respeito dos portugueses X Inquietude = agitação indígena Victor Meirelles. Primeira Missa no Brasil, 1861. 258 X 356 cm
Momentos finais da guerra contra os holandeses, num contexto de construção do orgulho patriótico Primeiro plano iluminado = brancos Plano secundário mais uniforme = índios e negros Victor Meirelles. Batalha dos Guararapes, 1875 -1879. 494, 5 x 923 cm
Num momento de crise da monarquia, às vésperas da independência (7 de setembro de 1822), Pedro Américo reforça uma imagem positiva de D. Pedro e, assim, demonstra sua preferência pelo sistema monárquico, além de representar o confronto sem violência. Pedro Américo. Independência ou morte, 1888.
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