Fundamentos da Cincia da Informao Carlos Alberto vila
Fundamentos da Ciência da Informação Carlos Alberto Ávila Araújo 19/08/2013
Um segundo desafio contemporâneo • A Ciência da Informação é uma ciência? • Se sim, de que tipo? • Literatura aponta: a) é uma ciência pós-moderna b) é uma ciência interdisciplinar c) é uma ciência social Mas o SIGNIFICADO disso está claro para a comunidade científica?
A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO NA VISÃO DOS PROFESSORES E PESQUISADORES BRASILEIROS Informação & Sociedade: Estudos. João Pessoa, v. 17, n. 2, maio/ago. 2007
A ciência da informação na visão dos professores da ECI/UFMG Perspectivas em Ciência da Informação, v. 12, n. 2, 2007.
1. A discussão da pós-modernidade • “Postmodern science is not like classical science, driven by the search for complete understanding of how the world works, buy by the need to develop strategies to solve in particular those problems which have been caused by classical sciences and technologies” (WERSIG, 1993, p. 229)
. . . “information science is not to be looked at as a classical discipline, but as a prototype of the new kind of science” (WERSIG, 1993, p. 235).
1. 1. Modernidade: origem e proposta • • Confusão conceitual Renascimento, Iluminismo, Rev. Francesa Grande projeto para a humanidade Antropocentrismo Razão como locus da verdade Rompimento com as trevas e preconceitos Weber: “desencantamento do mundo”
Desdobramentos • • • Ciência e descobertas tecnológicas Industrialização Explosão demográfica e urbana Democracia Liberalismo e Socialismo Ideais da Revolução Francesa
Crise do projeto da Modernidade • • • Totalitarismos e o projeto nazista Guerras e a bomba atômica Desastres ecológicos e poluição Aumento das desigualdades Esgotamento estético, arte como mercadoria • Instrumentos de persuasão • Adorno e Horkheimer: “O Iluminismo como mistificação das massas”
1. 2. Pós-Modernidade • Grandes mudanças no modo de viver e pensar • Queda das metanarrativas • Pulverização do poder • Desconfiança da razão (“reencantamento”) • Simulação/tecnologias do virtual • Niilismo • Presenteísmo e hedonismo • Globalização e fundamentalismos
Compreensões da Pós-Modernidade • Autores que acreditam se tratar de um acirramento do processo de implantação da Modernidade (Habermas, Giddens, Latour) • Autores que proclamam a Pós-Modernidade e se encantam com ela (Maffesoli, Harvey, Lévy) • Autores que vêem a Pós-Modernidade como o apocalipse (Baudrillard, Lyotard, Vattimo, Virilio)
1. 3. Ciência • O desejo de conhecer a natureza, formular teorias e sistemas explicativos, inclusive com acumulação e aplicações práticas, sempre existiu na história da humanidade • “consiste numa produção historicamente datada: surgiu no bojo das primeiras manifestações de um vasto período plurisecular, no qual se gestou o que conhecemos como ‘Iluminismo’ ” (CARDOSO, 1996, p. 64 -65).
Ciência moderna • Ser humano como sujeito do conhecimento • Se constrói em oposição ao senso comum e às demais formas de conhecimento - se apresenta como a única dotada de razão • Rigor metodológico • Leis de aplicação universal
• Separação total entre a natureza e o ser humano • Ideal matemático - conhecer = quantificar • Redução da complexidade • Conhecimento causal • Previsão do comportamento futuro dos fenômenos • Determinismo mecanicista utilitário e funcional: não compreender mas transformar
O paradoxo do século XX • Promessa de acesso universal x exclusão • Promessa de progresso x violência, mortandade, destruição • Crise mais ampla da Modernidade • A previsão da literatura
Resultados e perspectivas • Questionamento da racionalidade científica • Objeções ao paradigma da objetividade e da universalidade • Iniciativas: Teoria da Relatividade, Teoria do Caos, Inter e Transdisciplinaridade, etc • “Momento paradoxal para a ciência” • O desafio da ciência pós-moderna (Boaventura Santos, Axel Honneth, Edgar Morin, Pedro Demo, Fritjof Capra)
1. 4. Ciência pós-moderna • A crise do paradigma dominante a) Condições teóricas: o próprio avanço do conhecimento científico b) Condições sociais: o uso feito do conhecimento científico • Paradigma emergente: antipositivista, contra teoria representacional da verdade, contra a primazia das explicações causais • Rousseau
Características a) Todo conhecimento é social (contra distinção ciências naturais x sociais): características de auto-organização e historicidade em todos os objetos; b) Todo conhecimento é total e local: contra especialização, disciplinaridade; constitui-se com problemáticas específicas, circunstanciais
c) Todo conhecimento é auto-conhecimento: contra a expulsão do sujeito (dicotomia sujeito/objeto), o objeto é a continuação do sujeito por outros meios d) Todo conhecimento científico visa a constituir-se em senso comum: contra a ruptura com outras formas de conhecimento • Interpenetração: “o desenvolvimento tecnológico deve traduzir-se em sabedoria”
Avaliações/reações a essa proposta • Sokal: debilidade das posições antipositivistas ditas pós-modernas • Sokal e Bricmont: uso incorreto de teorias e conceitos das ciências físiconaturais • W. Gomes: vivemos num tempo normal, normal até demais
1. 5. A proposta de Wersig • Algumas mudanças: da instituição para o fluxo (Miksa), do sistema para o usuário • Bibliotecas e SRIs x ação informacional • Documentação surge diante de uma nova necessidade • Novo papel do conhecimento na sociedade pós-moderna
Mudança no papel do conhecimento 1. Despersonalização (x tradição oral) 2. Credibilidade (x experiência direta) 3. Apresentação (vários sistemas de ideias, pluralidade identitária) 4. Racionalização (ação orientada pela informação) Inf = conhecimento para a ação CI: resolver um novo problema causado pela própria ciência (volume e complexidade)
CI como ciência pós-moderna • Não é ciência – objeto e método únicos • Novos campos – orientados para problemas, não receita de como algo funciona mas estratégias para lidar com os problemas • Construção da CI não nos moldes de uma ciência tradicional – outro esquema de organização
O desafio teórico • Redefinir conceitos • Ex: “SI” conceito reificado x abstração; o papel do sujeito que age • Reformular interconceitos • Ex: “conhecimento”, “imagem”, “figura” • Entrelaçar modelos e interconceitos • Metáfora do pássaro tecelão, pegar de outros lugares e reestruturá-las – não teoria mas estrutura de conceitos ampliados
2. Interdisciplinaridade • Características das formas de produção de conhecimento (dos antigos até hoje) • O sentido da disciplinaridade – estratégia epistemológica • Disciplinas e universidade – as várias rupturas (G/E, E/P), o “contrato histórico” • A naturalização das divisões • A questão do “mercado de trabalho” – saberes especializados (dupla proteção) • A profissionalização do ensino superior
• • • A avaliação do processo Fatos históricos do século XX O limite das especialidades A “demanda” da realidade: objetos refratários As primeiras iniciativas I Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, em Portugal, 1994 • Klein: 8530 disciplinas (CNPq, 868) • Congresso “Que universidade para o amanhã? Em busca de uma evolução transdisciplinar da universidade”, Suíça, 1997 - religação
2. 1. Epistemologia da interdisciplinaridade • Ninguém sabe o que é, mas abuso do uso • Uso amplo da palavra – contextos epistemológico, pedagógico, midiático, empresarial • Resultado: enorme cacofonia • Complicação: são quatro palavras
Proposta de definição • Disciplina: ramo do saber, componente curricular, conjunto de normas • Multi: pôr em conjunto, algum tipo de coordenação, paralelismo • Inter: pôr em conjunto de forma coordenada, complementaridade • Trans: fusão, desaparece a convergência
Disciplina • Corpo de teorias, métodos, procedimentos, conceitos; define certa maneira de organizar o trabalho • Lado arbitrário e ideológico porque se cria por diferenciação em relação às outras • Divisão territorial coloca barreiras
Pluridisciplinaridade • Coexistência de mais de uma instância teórica • Área se situa em diversas filiações independentes que não se alteram enquanto suporte • Justaposição de disciplinas que favorece o intercâmbio e a cooperação, sem que haja uma real coordenação • Trata-se de multiplicar as abordagens sobre um fenômeno • Essencialmente aditiva, não integrativa • Relacionamento cumulativo, não interativo
Interdisciplinaridade • Integração de material de várias áreas dentro de uma nova e coerente entidade • Troca de experiência entre pesquisadores de áreas distintas • Interação em um grupo com tentativa de confrontação entre disciplinas diferentes e uma evolução do conjunto de pesquisadores • Pressuposto comum a um conjunto de disciplinas conexas • Cruzada x estrutural
Transdisciplinaridade • Movimento de ir além • Não mais interação ou reciprocidade, mas um sistema total, sem fronteiras • Contribuições de várias disciplinas são deslocadas de seu lugar de origem e se entrecruzam num outro lugar
Ideia de continuum
2. 2 Fundamentos e rede conceitual • Japiassu: contra o “saber em migalhas”; contra o divórcio universidade/sociedade; contra o conformismo - “É preciso um século de análise para um dia de síntese” • Horizontalidade da CI – perpassa todos os campos na sua condição de inf especializada • Fases da CI: 1961/1969 (conceitualização, naturalização), 1970/1989 (delimitação, listagem) e 1990 (consolidação) • Saracevic, metáfora e motivos (problema e formação); Brasil, Zaher e Gomes, 1971
Pesquisas empíricas para delimitação interna da CI • Pinheiro e Loureiro, 1995 – 12 áreas; depois 17, depois 31 • O campo interdisciplinar da CI vai se movendo, desenvolvendo novas configurações
2. 3. O estudo de Smith • Objetivo de revisar os estudos que tentam caracterizar a natureza interdisciplinar da CI • Métodos para identificação: análise de citações, análise conceitual, visualização das relações encontradas • Análise de dissertações: citam 58% da literatura pertencente ao seu próprio campo – menor índice de interdisciplinaridade dentro das ciências sociais
• Resultado: discrepância entre o que é dito (caráter interdisciplinar) e o que é feito (isolamento da pesquisa) • Contribuição para outros campos muito fraca • Necessidade de avaliar os programas educacionais para avaliar o quanto são verdadeiramente interdisciplinares • Se CI for prosperar como campo interdisciplinar, então mais atenção precisa ser dispensada às características da interdisciplinaridade individual
3. A especificidade das ciências humanas e sociais • Metodologia: movimento do pensamento com intenção de produção de novo conhecimento – relação com um horizonte de possibilidades, condições de produção • Programa de pesquisa: empreendimentos institucionalizados, recursos, perguntas e teses para a busca de um conhecimento legítimo – escolhas e objetos
Trajetória da CI • Início: explosão informacional, tecnologia, otimização de gastos, interesses estratégicos do Estado, guerra fria • Década 60 – recuperação da informação, bibliometria, regularidades • Década de 70 – serviços de informação, usuários, modelos cognitivistas • Década de 80 – cidadania, democratização, emancipação • Década de 90 – gestão do conhecimento • Década de 00 – hipertexto, interfaces, sociedade da informação
Caráter poli-epistemológico A ação de informação articula três estratos: a) Semântico-discursivo, cultural, dimensão de significação – métodos da antropologia, lingüística b) Meta-informacional, regulação dos ciclos e fluxos, organização e gestão – métodos da administração, gestão, política c) Infra-estrutural, tecnológico – métodos da computação, técnica, economia Convivência de modos de conhecimento ESPECÍFICOS de cada estrato
Dupla hermenêutica • • • CI recebe das ciências sociais seu traço identificador (princípio articulador das diversidades) Condições epistemológicas (os três estratos) + condições políticas, sociais, econômicas e tecnológicas (os regimes de informação) Conseqüência: “a definição de um núcleo de um programa de pesquisa nunca poderia estar totalmente ocupado ou caracterizado por uma escola, uma teoria, uma técnica, uma temática” (p. 7)
Interdiscursos e questões para a CI • • CI nasce numa época de crise da ciência moderna, busca por uma nova cientificidade Zonas de núcleo e zonas de periferia – produção de excedentes Produção de interdiscursos (dificuldade de se ter um conhecimento específico da informação) “A escolha do horizonte de problematização é decisiva nesse caso. Qual será o foco da pesquisa e em que área, teoria ou abordagem das ciências sociais terá um papel de interlocutores preferenciais da pesquisa? ” (p. 8)
3. 1. A importância do estudo das linhas de pensamento • Nenhuma pesquisa é neutra - todo estudo tem um arcabouço teórico que informa a escolha do objeto • Todo estudo sobre o social insere-se em alguma corrente de pensamento filosófica ou sociológica, mesmo que essa filiação seja INCONSCIENTE para o autor • Nenhuma das linhas existentes tem o monopólio da compreensão TOTAL e COMPLETA da realidade
• “(. . . ) convém efetivamente evocar conjuntos não rígidos com variáveis que se entrecortam e não tanto territórios rigorosamente delimitados” (LALLEMENT, 2004, p. 8) • Não tanto oposições frontais mas pólos estruturantes entre os quais se organizam diversas combinatórias teóricas • Possibilidade de se acomodar a um pluralismo explicativo que não é prejudicial à sua validade epistemológica
Habermas - interesses de conhecimento a) Ciências empírico-analíticas: interesse cognitivo de ordem técnica (dispor das coisas da natureza) b) Ciências histórico-hermenêuticas: interesse prático (compreender e estabelecer consenso) c) Ciências praxiológicas e críticas: emancipação (libertação de formas de dominação)
Positivismo • Ainda hoje, corrente dominante • Teses: a) a realidade é aquilo que nossos sentidos podem perceber b) ciências sociais e naturais têm o mesmo FUNDAMENTO lógico e metodológico c) distinção entre fato e valor
Características do Positivismo • Hipótese central: a realidade é regulada por leis naturais • Durkheim: “fato social”como coisa, coercitivo e geral; busca pela sua organicidade (causação funcional) • Críticas: vida interior do ser humano; possibilidade de se livrar dos valores pela matemática; idéia de que os dados são OBJETIVOS se obtidos por instrumentos padronizados; achar que a vida humana SE RESTRINGE ao observável e quantificável
Funcionalismo • Variante do Positivismo; teses: a) sociedade são totalidades que se constituem como organismos vivos, com elementos interdependentes, equilíbrio e ajustes b) cada sociedade tem seus elementos de controle para regular elementos internos e externos c) integração pelo consenso d) idéia de progresso e desenvolvimento
Perspectiva crítica • Metodologia: totalidade • Perspectiva histórica - materialismo histórico (dinâmica do real na sociedade) • Abordagem dialética (método de abordagem do real) • Entendimento do processo histórico na sua transformação
Marxismo • Estuda os sujeitos comprometidos com seus interesses e lutas sociais • Crítica das ideologias • Vínculo entre os modos de produção e as formações sociais (consciência surge como produto social) • Dialética: princípio do conflito como algo permanente
Abordagem compreensiva • Compreensão como propriedade ESPECÍFICA dos fenômenos sociais • Significado e intencionalidade os separam dos fenômenos naturais • Dilthey: compreensão ESPECÍFICA e CONCRETA • Weber: causação diferente das ciências naturais - compreensão interpretativa da ação social
Fenomenologia • Estudo da vida cotidiana: conhecimento vivido, “natural”, com tipificações • Revelar os significados implícitos que penetram o universo social • Conceitos: situação, conhecimento, estoque, relevância • Intersubjetividade: dado da existência humana
4. Impactos na CI • Mais importante do que DETERMINAR é entender os motivos e os significados • Fazer das caracterizações não justificativas para falta de rigor • Nem meros cosméticos • Retirar das caracterizações IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS CONCRETAS
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