Formao continuada de professores e fracasso escolar problematizando

Formação continuada de professores e fracasso escolar: problematizando o argumento da incompetência. Denise Trento Rebello de Souza Laura Patrícia

Objetivo Discutir de forma crítica o lugar da formação docente, com foco na formação continuada, tendo em vista a melhoria da qualidade dos sistemas públicos de ensino brasileiro. Patto (1990) Fracasso escolar Souza (2001) Educação continuada ü Análise dos programas educacionais – entre 1982 e 1994. ü Estudo de caso em moldes etnográficos. 2

A etnografia como perspectiva teórico-metodológica para captar a heterogeneidade da escola: ü Descontentamento com a abordagem da escola (meados anos 80). ü Necessidade de recuperar a “história escolar não documentada” – se olhar para dentro da escola. ü Abstracionismo pedagógico brasileiro (Azanha, 1990). Antes de saber como transformar a escola, é preciso saber o que, nela precisa ser transformado. ü Dimensão da vida cotidiana – diversidade (Ezpeleta e Rockwell, 1986). 3

* Equívocos e informações * Olhar para dentro da escola. genéricas sobre a escola, os alunos * Vida cotidiana das escolas. e as famílias. danças propostas * Documentar a diversidade. * Deficiências da escola. * Heterogeneidade. * Enfatizam-se as faltas. O que era evidenc * Homogeneidade. Era necessário superar: ü Reducionismo: psicologizante e sociologizante. ü História não documentada (Ezpeleta e Rockwell). 4

“As políticas de formação contínua de professores, propostas pelo Estado ou pelas universidades, precisam levar em consideração a perspectiva dos agentes escolares, porque é por meio dela que a trama da educação escolar se realiza” (Souza, 2006, p. 481). 5

Uma pesquisa sobre o fracasso escolar e seus desdobramentos para a área de formação continuada de professores (Patto, 1990): ü Objetivo: causas do fracasso escolar. ü Análise a partir dos sujeitos. ü Resultados: ü Superação das explicações tradicionais (visão medicalizada e psicologizante). ü Grande parte das dificuldades da escolarização observadas, são explicadas pelas práticas e processos escolares. 6

Práticas e processos escolares que respondem por partes das dificuldades da escolarização Formação de classes homogêneas Remanejamento Desrespeito no trato com as crianças Submissão a exercícios tediosos e atividades sem significado Expectativa negativa em relação às crianças de classes populares Presença de estereótipos e preconceitos Mecanismo de atribuição de classes Burocratização e segmentação do trabalho pedagógico 7

Baseando-se na sociologia da vida cotidiana, Patto (1990) reafirma: ü A escola reproduz as condições observadas na vida social. ü Interesses particulares dos educadores. ü Insubordinação de professores e alunos. ü Perfil do professor: descompromissado e incompetente. Formação continuada de professores: Soluções Participação voluntária em pequenos grupos coordenados por um “profissional qualificado” (interlocutor). 8

Uma reflexão sobre a questão da formação continuada de professores: Formação continuada Convênios/ cursos Seminários Encontros Conferências Congêneres Capacitar, reciclar, melhorar a competência dos agentes escolares ü 2003: Programa de Educação Continuada (PEC) de Formação de Professores (SE) - USP, UNESP, PUC-SP (6. 300 professores). ü PEC-Municípios (2. 000 professores - 10 municípios). Área lucrativa 9

ü Análise crítica dos principais programas educacionais implementados pela Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo (SE) 1982 -1994: ü Análise documental. ü Pesquisa empírica (abordagem etnográfica): Programa de Capacitação – Escola Padrão. ü Resultados: formação continuada para forjar a competência do professor. Argumento da incompetência 10

ü Causa: formação inicial. ü Consequência: melhorar a competência dos professores. ü Histórico: ü 1982: Magistério de 1° Grau: da competência técnica ao compromisso político (Guiomar Namo de Mello). Visão negativa e homogênea dos professores ü “Se temos uma escola de baixa qualidade é porque nossos professores são incompetentes”. Cursos de caráter compensatório 11

*Alunos e suas famílias (teorias da carência cultural) * Instituição escola * Argumento da incompetência * Professor ü Argumento da incompetência assume ≠ versões, de acordo com o contexto. Simplista: documentos das políticas educacionais. Sofisticado: literatura educacional. ü Ideias e análises convenientes (politicamente mais vantajosas) – ações de maior visibilidade para o público em geral. ü Formação continuada: “remédio para todos os males escolares”. 12

Discurso do argumento da incompetência pelos níveis da SE Equipe central Monitoras Professoras Equipe central ü Idealizadora do projeto analisado. ü Mais seduzida pelo argumento da incompetência. ü Esforço de autocrítica. 13

“Num primeiro momento era assim, 30 alunos por classe, três períodos, laboratórios. Até sem pensar que os professores que estão nas escolas não são formados para trabalhar com laboratório. É um símbolo, um fetichismo de material, está ali mas ninguém sabe usar [. . . ]. Mas é um símbolo, algo que a população acha encantador. ‘Centram no material como se o material resolvesse, como se ter material muito equipado numa escola melhorasse o ensino de ciências’. Sempre há um momento no qual os discursos respondem muito às expectativas que, na minha leitura, são extremamente equivocadas. A coisa menor, que dá menos dividendos políticos que é você ‘respeitar as hipóteses do alunos’, entender que (o aluno) é uma pessoa e que tem que dar um espaço, isso não é bandeira política” (Mary, gerente, p. 485). Argumento da incompetência Estratégia Novos métodos e novas técnicas de ensino Formar uma rede de competência 14

Monitoras ü Mais condições para superar o argumento da incompetência. ü Concordavam com a “rede de competência”. ü Aceitavam sua parcela de responsabilidade. ü Tinham participado de projeto anterior: curso de longa duração. ü O desenvolvimento profissional vai além de mudanças de comportamento ou adoção de novas metodologias e técnicas de ensino. ü Mudanças trazem sentimentos desconfortáveis. ü Melhor instrução sobre esses aspectos pela FDE. 15

Professoras ü Grupo mais severamente afetado pelo argumento. ü Ouvir professores = angústias, dúvidas e queixas. ü Entrevista = protestar, desabafar e contar a história profissional. ü Alterações de assunto. ü Relações com colegas e superiores. ü Problemas com alunos. ü Incertezas e inseguranças em relação à carreira docente. ü Solidão. 16

ü Refletir sobre educação continuada traz à tona condições específicas de ensino de cada uma delas. ü Desenvolvimento profissional se referia às condições concretas nas quais as prática ocorria. ü Discurso irregular revela como os professores sentem os desafios da prática docente e do lugar pouco expressivo ocupado pelas práticas de formação continuada em suas vidas. ü A rotina oferece poucos espaços para reflexão, estudo e auto-organização. 17

Rita – 11 anos de experiência ü Primeira experiência com classe de alfabetização: ü Classe difícil (acúmulo de reprovações). ü Fala apressada. “Eu comecei a fazer o curso, primeiro porque eu estava trabalhando com CB. Nunca trabalhei com CB, onze anos trabalhando com criança. . . dou tudo quanto é tipo de coisa, menos alfabetização. Então eu comecei a fazer o curso por causa disso. Eu peguei uma classe muito problemática. (. . . ) Estava no AEIOU. (. . . ) Então eu estava pedindo socorro! Eu estava desesperada, só podia chorar. Chorava, chorava e não sabia como resolver aquilo. (. . . ) Surgiu o curso e eu esperava um milagre, entendeu? Fui naquela esperança” (Rita, p. 487). 18

Entrevista com os professores revelaram Heterogeneidade ü Motivações ü Desespero por soluções imediatas; busca de conhecimentos para refletir sobre a prática; sentir-se pressionado; razões internas ou pelos superiores. ü Percepções sobre as razões da FDE oferecer o curso ü Muitas não pensaram sobre isso; outras percebiam “intenções ocultas”. OBS: recusa a participar ou participar de tudo. 19

Os professores são diferentes Histórias, concepções sobre formação contínua, ensino, possibilidades de desenvolvimento próprio e dos alunos, apropriação da literatura e orientações, escolas, necessidades, características, clientela, corpo docente. 20

Os professores são os que mais sofrem as consequências negativas do argumento da incompetência: Dificuldades para permanecer na docência Eles aceitam a ideia, desde que o incompetente seja o OUTRO Problemas individuais Mecanismo de defesa, projeção Necessidade de interlocutores Tentativa de resguardar sua imagem de competentes (sobrevivência) 21

ü Discussão final: ü Formação do professor tem assumido lugar de destaque. ü As propostas da SE tomam o professor individualmente, desconectado de seu contexto de trabalho (profissionais que precisam ser bem treinados). ü As escolas e seus contextos sociais e institucionais não são considerados. ü A melhoria da qualidade de ensino não pode ser pautada apenas na formação continuada do professor (simplista). ü Considerar as condições concretas do trabalho docente. 22

ü Considerar as complexas relações interpessoais. ü Conhecer melhor a cultura escolar e a cultura docente, enfrentar entraves burocráticos e administrativos e repensar a formação inicial, a carreira docente e as políticas salariais. “A própria ideia de autonomia da escola, com estímulos ao desenvolvimento de um projeto pedagógico específico, pressupõe que a entidade a ser melhorada é a escola e não o professor. Este deve merecer atenção enquanto participante de um projeto escolar. Fora disso, o aperfeiçoamento individual do professor é uma questão pessoal, cuja solução a Administração de ensino pode e deve criar condições facilitadoras, mas não transformá-lo num problema público. O problema público está na escola” (Azanha, 1990, p. 54). 23

ü O foco da atenção das políticas educacionais deve ser a escola e não o professor. ü Não se trata de um problema técnico ou de encontrar novas teorias ou novas técnicas a serem transmitidas. ü Como profissionais qualificados, os professores têm obrigação de se desenvolver continuamente (projeto escolar). ü É urgente repensar as abordagens comumente utilizadas nas propostas de formação de professores em serviço (cursos, seminários, palestras, vivências etc. ). 24

Nova concepção de formação continuada (Candau, 1996): ü 1) O processo de formação contínua deve ter como referência fundamental o saber docente, seu reconhecimento e sua valorização. ü 2) As propostas de formação contínua devem considerar o ciclo de vida e a fase de desenvolvimento profissional dos professores. ü 3) A escola deve ser tomada como locus privilegiado para a formação continuada dos professores. 25

Questionamentos importantes (Candau, 1996): ü “[. . . ] um movimento de volta a um tipo de análise das questões da formação de professores quase sem nenhuma referência aos contextos mais amplos, sociais, culturais, políticos e ideológicos nos quais se situam” (Candau, 1996, p. 151). 26

“A entidade a ser objeto de atuação de uma política de melhoria do ensino é a escola. Nem se alegue que uma política de aperfeiçoamento que alcançasse todos os docentes teria êxito na melhoria da qualidade do ensino. Uma escola não é apenas um conjunto de professores. Uma escola é uma entidade social que não é mera reunião de indivíduos com diferentes papéis. [. . . ] A questão da qualidade do ensino é, pois, uma questão institucional. São as escolas que precisam ser melhoradas. Sem este esforço institucional, o aperfeiçoamento isolado docente não garante que essa eventual melhoria do professor encontre na prática as condições propícias para uma melhoria do ensino” (Azanha, 1990, p. 52). “Condições concretas de trabalho nas escolas, relações interpessoais entre os vários agentes escolares, cultura escolar e cultura docente, administração do sistema escolar e formação do educador, para mencionar alguns dos mais centrais” (Souza, 2006, p. 490). 27

O cenário atual difere do mencionado no texto? Se sim, de qual(is) forma(s)? OBRIGADA! 28