Ensino de Literatura Brasileira 4 O que literatura
Ensino de Literatura Brasileira 4. O que é literatura? Literatura, ensino de literatura, ideologia e poder. Os direitos do leitor: a leitura como “operação de caça”
ESTRATÉGIA “Chamo de ‘estratégia’ o cálculo das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder é isolável de um ‘ambiente’. Ela postula um lugar capaz de ser circunscrito como um próprio e portanto capaz de servir de base a uma gestão de suas relações com uma exterioridade distinta. A nacionalidade política, econômica ou científica foi construída segundo esse modelo estratégico. ” (Michel de Certeau, A invenção do cotidiano, p. 46)
TÁTICA “Denomino, ao contrário, ‘tática’ um cálculo que não pode contar com um próprio, nem portanto com um fronteira que distingue o outro como totalidade visível. A tática só tem por lugar o do outro. Ela aí se insinua, fragmentariamente, sem apreendê-lo por inteiro, sem poder retê-lo à distância. Ela não dispõe de base onde capitalizar os seus proveitos, preparar suas expansões e assegurar uma independência em face das circunstâncias. O ‘próprio’ é uma vitória do lugar sobre o tempo. Ao contrário, pelo fato de seu não-lugar, a tática depende do tempo, vigiando para ‘captar no voo’ possibilidades de ganho. O que ela ganha, não o guarda. Tem constantemente que jogar com os acontecimentos para os transformar em ‘ocasiões’. Sem cessar, o fraco deve tirar partido de forças que lhe são estranhas. Ele o consegue em momentos oportunos onde combina elementos heterogêneos [. . . ], mas a sua síntese intelectual tem por forma não um discurso, mas a própria decisão, ato e maneira de aproveitar a ‘ocasião’ [kairós]. ” (Michel de Certeau, A invenção do cotidiano, p. 46 -7)
“O cotidiano se inventa com mil maneiras de caça não autorizada. ” (Michel de Certeau, A invenção do cotidiano, p. 38, destaque do autor)
“A eficácia da produção implica a inércia do consumo. Produz a ideologia do consumo-receptáculo. Efeito de uma ideologia de classe e de uma cegueira técnica, esta lenda é necessária ao sistema que distingue e privilegia autores, pedagogos, revolucionários, numa palavra, ‘produtores’ em face daqueles que não o são. Recusando o ‘consumo, tal como foi concebido e (naturalmente) confirmado por essas empresas de ‘autores’, tem-se a chance de descobrir uma atividade criadora ali onde foi negada, e relativizar a exorbitante pretensão de uma produção (real mas particular) de fazer a história ‘informando’ o conjunto do país. ” (A invenção do cotidiano, p. 262)
“O que se deve pôr em causa [. . . ] é [. . . ] o fato de assimilar a leitura a uma passividade. [. . . ] Análises recentes mostram que ‘toda leitura modifica o seu objeto’, que (já dizia Borges) ‘uma literatura difere de outra menos pelo texto que pela maneira como é lida’, e que enfim um sistema de signos verbais ou icônicos é uma reserva de formas que esperam do leitor o seu sentido. Se portanto ‘o livro é um efeito (uma construção) do leitor’, devese considerar a operação deste como uma espécie de lectio, produção própria do ‘leitor’. Este não toma nem o lugar do autor nem um lugar de autor. Inventa nos textos outra coisa que não aquilo que era a ‘intenção’ deles. Destaca-os de sua origem (perdida ou acessória). Combina os seus fragmentos e cria algo não-sabido no espaço organizado por sua capacidade de permitir uma pluralidade indefinida de significações. Essa atividade ‘leitora’ será reservada ao crítico literário (sempre privilegiado pelos estudos sobre a leitura), isto é, novamente a uma categoria de funcionários, ou pode se estender a todo o consumo cultural? Esta a pergunta à qual a história, a sociologia ou a pedagogia escolar deveriam trazer elementos de resposta. ” (A invenção do cotidiano, p. 264 -5)
“De onde nasce então a muralha da China que circunscreve um ‘próprio’ do texto, que isola do resto a sua autonomia semântica, e faz dela a ordem secreta de uma ‘obra’? Quem eleva essa barreira que constitui o texto em ilha sempre fora do alcance para o leitor? Essa ficção condena à sujeição os consumidores que agora se tornam sempre culpados de infidelidade ou de ignorância diante da ‘riqueza’ muda do tesouro assim posto à parte. Essa ficção do ‘tesouro’ escondido na obra, cofre-forte do sentido, não tem evidentemente como base a produtividade do leitor, mas a instituição social que sobredetermina a sua relação com o texto. [. . . ] A utilização do livro por pessoas privilegiadas o estabelece como um segredo do qual somente eles são os ‘verdadeiros’ intérpretes. ” (A invenção do cotidiano, p. 266 -7)
“Longe de serem escritores, fundadores de um lugar próprio, herdeiros dos servos de antigamente mas agora trabalhando no solo da linguagem, cavadores de poços e construtores de casas, os leitores são viajantes; circulam nas terras alheias, nômades caçando por conta própria através dos campos que não escreveram, arrebatando os bens do Egito para usufruí-los. A escritura acumula, estoca, resiste ao tempo pelo estabelecimento de um lugar e multiplica sua produção pelo expansionismo da reprodução. A leitura não tem garantias contra o desgaste do tempo (a gente se esquece), ela não conserva ou conserva mal a sua posse, e cada um dos lugares por onde ela passa é repetição do paraíso perdido. ” (A invenção do cotidiano, p. 269 -70)
5. A literatura e o prazer da leitura. Estratégias de estímulo à descoberta do prazer de ler depoimentos. . .
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