Do desejo Quem s Perguntei ao desejo Respondeu

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Do desejo Quem és? Perguntei ao desejo. Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.

Do desejo Quem és? Perguntei ao desejo. Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.

 • Do desejo – livro de poemas de 1992 • (“Do desejo”, Amavisse,

• Do desejo – livro de poemas de 1992 • (“Do desejo”, Amavisse, Via espessa, Via vazia, Alcoólicas e Sobre tua grande face); • Nele é confrontado o Nada – cujo vazio é ocupado pela figura de Deus – em face da fugacidade dos deslumbramentos do corpo e, ainda, da palavra.

I Porque há desejo em mim, é tudo cintilância. Tomas-me o corpo. E que

I Porque há desejo em mim, é tudo cintilância. Tomas-me o corpo. E que descanso me dás Antes, o cotidiano era um pensar alturas Depois das lidas. Sonhei penhascos Buscando Aquele Outro decantado Quando havia o jardim aqui ao lado. Surdo à minha humana ladradura. Pensei subidas onde não havia rastros. Visgo e suor, pois nunca se faziam. Extasiada, fodo contigo Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo Ao invés de ganir diante do Nada. (HILST, 2004, p. 17)

I Porque há desejo em mim, é tudo cintilância. Tomas-me o corpo. E que

I Porque há desejo em mim, é tudo cintilância. Tomas-me o corpo. E que descanso me dás Antes, o cotidiano era um pensar alturas Depois das lidas. Sonhei penhascos Buscando Aquele Outro decantado Quando havia o jardim aqui ao lado. Surdo à minha humana ladradura. Pensei subidas onde não havia rastros. Visgo e suor, pois nunca se faziam. Extasiada, fodo contigo Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo Ao invés de ganir diante do Nada. (HILST, 2004, p. 17)

 • a questão formal (sua “ipseidade” poemática) – “Porque há o desejo em

• a questão formal (sua “ipseidade” poemática) – “Porque há o desejo em mim” • a participação do corpo – “Tomas-me o corpo” • as representações antiascéticas – “Extasiada, fodo contigo” • tensão de um eu lírico/narrador com (o) Deus – “Buscando Aquele Outro”

Ipseidade poética [. . . ] a um amante presente, cujo desejo se traduz

Ipseidade poética [. . . ] a um amante presente, cujo desejo se traduz sobretudo pelas exigências sensórias, sexuais (Extasiada, fodo contigo/ Ao invés de ganir diante do Nada). Entretanto, a despeito de sua vontade, a poeta tem dificuldade em assimilar o sentido exigido pela poesia ou pelo desejo de incorporeidade associado a ela (Para pensar o Outro, eu deliro ou versejo. / Pensá-LO é gozo. Então não sabes? INCORPÓREO É O DESEJO. ) (PÉCORA, 2004, p. 8)

IV Se eu disser que vi um pássaro Sobre o teu sexo, deverias crer?

IV Se eu disser que vi um pássaro Sobre o teu sexo, deverias crer? E se não for verdade, em nada mudará o Universo. Se eu disser que o desejo é Eternidade Porque o instante arde interminável Deverias crer? E se não for verdade Tantos o disseram que talvez possa ser. No desejo nos vêm sofomanias, adornos Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro Voando sobre o Tejo. Por que não posso Pontilhar de inocência e poesia Ossos, sangue, carne, o agora E tudo isso em nós que se fará disforme?

“no espaço informe da poesia, a tentativa de materialização do ser por meio da

“no espaço informe da poesia, a tentativa de materialização do ser por meio da palavra poética coloca a autora frente a uma impossibilidade nascida no fracasso da língua para dizer e/ou presentificar o todo. Em luta contra a falibilidade sígnica, Hilda se mostra insatisfeita com os nomes, iniciando, assim, um profundo trabalho de re-nomeação do ser no intuito de fundir palavra-coisa”. (ALMEIDA, 2009, p. 2) “entrega a um desejo que não atinge a plenitude, mas que nos faz sentir a existência ao mesmo tempo em que se expurga da própria condição temporária dessa existência. Uma entrega à intensidade do gozo carnal, que dá sentido ao seu cansaço, ao invés de uma busca enfadonha pelo sentido vazio do existir”. (FONTES, 2014, p. 186)

Colada à tua boca a minha desordem. O meu vasto querer. O incompossível se

Colada à tua boca a minha desordem. O meu vasto querer. O incompossível se fazendo ordem. Colada à tua boca, mas descomedida Árdua Construtor de ilusões examino-te sôfrega Como se fosses morrer colado à minha boca. Como se fosse nascer E tu fosses o dia magnânimo Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer. (iii)

Corpo que todo cintila [. . . ] o sexo será continuamente reclamado por

Corpo que todo cintila [. . . ] o sexo será continuamente reclamado por se tratar do mais primitivo contato do homem com o outro e, por isso, essencial para tocar o sensível, o inefável. [. . . ] O corpo físico vai se tornando o único lugar possível ao encontro com Deus (ALMEIDA, 2009, p. 9)

Aquele Outro não via minha muita amplidão. Nada LHE bastava. Nem ígneas cantigas. E

Aquele Outro não via minha muita amplidão. Nada LHE bastava. Nem ígneas cantigas. E agora vã, te pareço soberba, magnífica E fodes como quem morre a última A partir disso, reconhece-se um corpo que não deve ser renegado para que o grito “se amorteça conquista na pena”. O encontro com (o) Deus, diferente que E ardes como desejei arder de santidade. comumente se impõe pela moral – abrir mão do corpo, dos erotismos e das dores decorrentes de (E há luz na tua carne e tu palpitas. ) suas existências, para conhecer o divino –, Ah, porque me vejo vasta e inflexível aconteceria pelo avesso, na lógica do Louco saltimbanco. A “luz” do fazer poético é, para a eu Desejando um desejo vizinhante lírica dos primeiros poemas, ainda algo imaterial, De uma Fome irada e obsessiva? em contraste com “lidas” com seu amante. Percebe -se, contudo, nos poemas seguintes, a apreensão (VI) de um fazer poético que não poderia cintilar sem o intermédio material do corpo. Dessa forma o sagrado é ressignificado – o corpo e as suas sensações deixam de se colocar como empecilhos para uma experiência poética luminosa, sendo efetivamente assimilados como mediadores

O amante e o desejo Lembra-te que há um querer doloroso E de fastio

O amante e o desejo Lembra-te que há um querer doloroso E de fastio a que chamam de amor. E outro de tulipas e de espelhos Licencioso, indigno, a que chamam desejo. - Amante como Há o caminhar um descaminho, um arrastar-se “avatar da alteridade” - Em direção aos ventos, aos açoites hierofania - Dialética da E um único extraordinário turbilhão. transcendência e da Porque me queres sempre nos espelhos materialidade Naquele descaminhar, no pó dos impossíveis Se só me quero viva nas tuas veias? (VII)

Sua dimensão material diz respeito à vivência cintilante das experiências carnais, que fazem sentir,

Sua dimensão material diz respeito à vivência cintilante das experiências carnais, que fazem sentir, de forma corpórea, uma infinidade divina. Já sua dimensão transcendente concerne Àquele que a eu lírica persegue por meio da vivência material com seu amante, mas que se mostra inexprimível na possibilidade material e poética. O Aquele Outro é interpelado continuamente pela eu lírica por meio de seu fazer poético, mas se mostra surdo às suas tentativas de diálogo. O Deus, portanto, passa a ser projetado no amante, avatar dessa divindade, que em carne e osso se materializa no cotidiano e não mora nas “alturas” do Deus cristão. As “subidas” transcendentais não seriam mais necessárias, e tampouco os ganidos da poeta diante do silêncio desse Deus em que costumava pensar e tentar alcançar por meio da palavra.

O Sem Nome (ou: Tríplice Acrobata, Coisa Sem Nome, Máscara do Nojo, Potente Implacável,

O Sem Nome (ou: Tríplice Acrobata, Coisa Sem Nome, Máscara do Nojo, Potente Implacável, Cara Cavada, Cão de Pedra, Incognoscível, Fazedor, Grande Riso, Artífice, O Isso, Grande Corpo Rajado, Infundado, Porco-Menino Construtor do Mundo) Pulsas como se fossem de carne as borboletas. E o que vem a ser isso? perguntas. Digo que assim há de começar o meu poema. Então te queixas que nunca estou contigo Que de improviso lanço versos ao ar Ou falo de pinheiros escoceses, aqueles Que apetecia a Talleyrand cuidar. Ou ainda quando grito ou desfaleço Adivinhas sorrisos, códigos, conluios Dizes que os devo ter nos meus avessos. Pois pode ser. Para pensar o Outro, eu deliro ou versejo. Pensá-LO é gozo. Então não sabes? INCORPÓREO É O DESEJO.

– Querer voar, Samsara? Queres trocar o moroso das pernas Pela magia das penas,

– Querer voar, Samsara? Queres trocar o moroso das pernas Pela magia das penas, e planar coruscante Acima da demência? Porque te vejo às tardes desejosa De ser uma das aves retardatárias do pomar. Aquela ali talvez, rumo ao poente. Pois pode ser, lhe disse. Santos e lobos Devem ter tido o meu mesmo pensar. Olhos no céu Orando, uivando aos corvos. Então aproximou-se rente ao meu pescoço: – Esquece texto e sabença: as cadeias do gozo. E labaredas do intenso te farão o voo. (HILST, 2004, p. 77)