Direito cincia e mtodo Fabiana Severi Aula 1
Direito, ciência e método Fabiana Severi Aula 1. 2019
Ciência jurídica • • É uma ciência? O problema da autonomia da ciência Verdade e democracia “A pesquisa em direito contemporânea parece ter deixado de girar em torno da aplicação de lei estatal a casos concretos. Passou a debater o que significa decidir o caso, ou seja, quais são os critérios aceitáveis para fundamentar uma decisão, para além do texto legal. Além disso, a centralidade da lei estatal como fonte do direito está sendo posta em questão pelos debates a respeito do pluralismo, a internacionalização do direito e a formação de ordens jurídicas e fragmentos constitucionais transnacionais”. (Rodriguez, 2017, p. 28)
Tipos de pesquisa jurídica
A pesquisa social • O que mais bem sustenta a pesquisa social (. . . ) é o desejo crescente de conhecer a sociedade melhor, tanto em suas faces quantitativas, quanto sobretudo qualitativas. Em sua complexidade dramática, não linearidade exuberante, a sociedade se manifesta e esconde, salta e se anestesia a torto e a direito, irrompe e submerge cá e lá, de tal sorte que, quanto mais sabemos, sabemos principalmente que nada sabemos, com dizia Sócrates. Aprendemos também que o melhor resultado da pesquisa é alimentar a discussão, não acabar com polêmicas, estabelecer a verdade, impor linhas retas. (DEMO, 2008)
Metodologia • O método representa muito mais uma atitude do que propriamente um conjunto de regras prontas e acabadas para resolver qualquer tipo de problema, ou seja, a melhor forma de investigar, de buscar soluções para os problemas ditos científicos está no estudo e na aplicação dos modelos de pesquisas que já tenham demonstrado consistência teórica e prática. (Gestel, Maduro, 2012)
Pesquisa no direito – problemas • Visão tradicional: restrita a consulta a manuais, coletânea de jurisprudência, a recortes de jornais ou simples levantamento de opiniões sobre determinado assunto ou tema (Gustin, 2008). • Falta de sistematicidade, de fundamentação teórica, de problematização da realidade ou teste de hipótese: os dados falam por si!
Problemas na pesquisa em direito O que permite explicar que o direito como disciplina acadêmica não tenha conseguido acompanhar o vertiginoso crescimento qualitativo da pesquisa científica em ciências humanas no Brasil nos últimos trinta anos? “esse relativo atraso se deveu sobretudo a uma combinação de dois fatores fundamentais: o isolamento em relação a outras disciplinas das ciências humanas e uma peculiar confusão entre prática profissional e pesquisa acadêmica” (NOBRE, 2002)
Problemas na pesquisa em direito • Confusão entre prática profissional e teoria • Luciano Oliveira (2002): – Manualismo e reverencialismo; – Falta de tempo; – Impureza metodológica;
• Pesquisa dissociada do ensino: – Para Fragale Filho et al (2004, p. 68): “não se trata de rejeitar o mundo judicial e sustentar que a academia é um locus que não comporta a presença de práticos, mas, sim, de evidenciar que os critérios de legitimidade acadêmica devem ser igualmente aplicados tanto à área jurídica quanto aos demais espaços universitários. Não se trata de construir um mundo ideal isolado, contaminado pelos critérios judiciais de legitimidade, mas de sedimentar um diálogo entre a reflexão e a prática a partir dos parâmetros estabelecidos pelo mundo acadêmico”.
Ciência jurídica e objeto de investigação • Não se restringe ao saber dogmático “Até meados do séc. XX, afirmava-se que a Ciência do direito não passava de um conjunto de teorias sobre a normatividade vigente e suas exigências práticas, dando assim um maior realce ao aspecto regulativo do direito. A esfera do direito restringia-se a um elenco de normas, proibições, obrigações e instituições, e a Ciência do direito dedicava-se à sistematização e interpretação unidisciplinar deste elenco. O saber jurídico tinha natureza dogmático-tecnológica, preocupando-se com as noções de vigência e de eficiência procedimental; por essa razão, priorizava a criação de condições para a ação e para o aumento de decidibilidade dos conflitos sociais, sem se preocupar com a problematização dos fenômenos sociojurídicos e das formas de atuação e de regulação desses mesmos fenômenos”. (GUSTIN, p. 29)
Visão contemporânea • “apela à razoabilidade, ao conhecimento crítico e à reconceituação do ato justo. Suas formas de produção do conhecimento são discursivas e seu conjunto de complexos argumentativos trabalha com a validade dos argumentos por sua relevância prática e sua capacidade de emancipação dos grupos sociais e indivíduos” p. 30.
• Só podem ser considerados emancipados aqueles agrupamentos que, a partir dos conhecimentos científicos, convencem-se da validade dos argumentos e do saber produzido e, por isso, adquirem a capacidade de julgá-los e justificá-los perante si mesmos e os demais grupos sociais e indivíduos”.
Modelos teóricos atribuídos à produção do saber jurídico • Analítico: sistematização de regras e normas • Hermenêutico: sistema jurídico aplicado e compreensivo das condutas humanas por meio da atividade discursiva-interpretativa; • Empírico : teoria da decisão jurídica, investigação das normas de convivência no interior ou nas externalidades do ordenamento jurídico, para facilitar o processo decisório (formal e não formal) • Argumentativo: necessidade de convencimento, por meio da atribuição de validade aos argumentos utilizados, e de legitimidade dos procedimentos decisórios.
Novo paradigma do saber jurídico (Santos, 2000) • Melhor relação entre regulação-emancipação. • Fundado em 4 teses inter-relacionadas: – Todo conhecimento científico-natural é científicosocial – Todo conhecimento é local e total – Todo conhecimento é autoconhecimento – Todo conhecimento visa constituir-se em senso comum
Objeto da Ciência Jurídica • fenômeno jurídico historicamente realizado. Positivado no espaço e no tempo e que se realiza como experiência efetiva, passada ou atual. • Não há, portanto, ciência jurídica sem referência a um campo de experiência social.
Objeto do direito • Paradigma da razão comunicacional. • Seres humanos convivem com uma tensão permanente em razão de sua dupla natureza: social e individual. • Estão mergulhados em uma ordem social imersa em uma contradição: apesar de sua individualidade moral estar estruturada por meio de relações de fidelidade na esfera local, convivem com a esfera global. Como recriar sua autonomia?
Opção metodológica • Três elementos condicionam a escolha: • - a realidade jurídica está condicionada pela trama das relações de natureza econômica, politica, ética e ideológica (o direito é também fenômeno social e cultural). • - necessidade de se questionar os institutos do direito positivo que reproduzem o status quo e que desconhecem as demandas de transformação da realidade mais abrangente. • -a escolha do método significa a adoção de uma postura político-ideológica perante a realidade.
Vertentes teórico-metodológicas do direito • Jurídico-dogmática: considera o direito com autossuficiência metodológica e trabalha com os elementos internos ao ordenamento jurídico. Desenvolve investigações com vistas à compreensão das relações normativas internas do ordenamento jurídico. Acentua a noção de eficiência das relações entre e nos institutos jurídicos restringindo a análise do discurso normativo interno aos limites do ordenamento.
• Jurídico-teórica: acentua os aspectos conceituais, ideológicos e doutrinários de determinado campo que se deseja investigar. Relaciona-se mais diretamente com a esfera da filosofia do direito e com áreas teóricogerais dos demais campos jurídicos. Isso não significa que tais investigações não tenham natureza aplicada.
• Jurídico-sociológica ou empírica: propõe-se a compreender o fenômeno jurídico no ambiente social mais amplo. Analisa o direito como variável dependente da sociedade e trabalha com as noções de eficácia e de efetividade das relações direito e sociedade. Preocupa-se com a facticidade do Direito e as relações contraditórias que estabelece com o próprio Direito e com os demais campos: sociocultural, político e antropológico.
Tipos de raciocínios: • Indutivo: parte de dados particulares e localizados e se dirigem a constatações gerais. Fases: observação de fatos ou fenômenos, procura da relação entre eles e o processo de generalização dos achados nas duas primeiras fases. Critica: não permitem generalizações completas e universalizantes.
• Dedutivo: faz referência a dados de nossa experiência ou norma e regras em relação a leis e princípios gerais e ao maior número de casos que a eles possam ser referidos. Suposição de subordinação, uma regularidade geral. Critica: fornece premissas gerais das quais um fato ou regularidades podem ser derivados, mas isso nem sempre é suficiente para uma compreensão ampliada. As explicações nem sempre estão conectadas com leis ou princípios gerais.
• Hipotético-dedutivo: o avanço da ciência decorre de sua direção “rumo a um objetivo remoto e, no entanto, atingível, o de sempre descobrir problemas novos, mais profundos e mais gerais e de sujeitar suas respostas, sempre a testes provisórios, a testes sempre renovados e sempre mais rigorosos.
• Dialético: a contradição está na realidade.
Tipos genéricos de investigações das ciências sociais aplicadas à c. jurídica • Histórico-jurídicas: analisam a evolução de determinado instituto jurídico pela compatibilização de espaço/tempo. Evitar: – Não há reflexo fiel dos fatos do passado – Não dá para evitar o fator subjetivo – Não há historiador imparcial – Não é só um conjunto de fatos documentados.
• Jurídico-exploratória: abordagem preliminar de um problema jurídico. Ressalta características, percepções e descrições sem se preocupar com suas raízes explicativas. Abre caminho para outras investigações. Diagnósticos. Produção de bancos de dados.
• Jurídico-comparativo: identificação de similitudes e diferenças de normas e instituições em dois ou mais sistemas jurídicos ou comparações dentro de um mesmo sistema, entre institutos jurídicos até antinômicos ou contraditórios, para descobrir e sanar falhas sistêmicas ou buscar transformações importantes na esfera teóricoargumentativas.
• Jurídico-descritivo: utiliza-se do procedimento analítico de decomposição de um problema jurídico em seus diversos aspectos, relações e níveis. Próprio das pesquisas compreensivas (por isso, jurídico-compreensivas ou jurídicointerpretativas).
• Jurídico-projetiva ou prospectiva: parte de premissas e condições vigentes para detectar tendências futuras de determinado instituto jurídico ou de determinado campo normativo específico. Análise de tendências. Correlaciona dados para a montagem de cenários.
• Jurídico-propositiva: destina-se ao questionamento de uma norma, de um conceito ou de uma instituição jurídica com o objetivo de propor mudanças ou reformas legislativas concretas.
Pesquisa dogmática: dias contados? • Por que dogmático? – A inclusão de certa norma no sistema implica algum tipo de reconhecimento. Esse reconhecimento pode ser racional ou dogmático. • Funções da dogmática: • reformulação do sistema legislado (função criadora do direito). Não é apenas descrição. Possibilidade de deduzir da teoria regras não contidas no direito positivo. • Explicativa
Críticas comuns à dogmática: • Caráter metafísico de suas proposições. • Ideologia dogmática que determina suas funções (dogma de que os juízes devem aplicar o direito tal qual sancionado pelo legislador; o ideal de que os juízes adequem suas decisões aos estandartes valorativos vigentes e a concepção de ordenamento jurídico como sistema coerente e unívoco de regras). • Nino: fachada supostamente descritiva e os erros conceituais que a sustenta.
• Para Nino: – A dogmática é uma racionalidade moral, raciocínio dedutivo análogo ao que se utilizam as ciências empíricas. Utiliza-se de critérios e princípios que, ao mesmo tempo, permitem a inferência de soluções não contidas no texto legal, não se opõem abertamente ao sistema de direito positivo. – Produção de critérios racionais para resolver controvérsias ou avaliar uma conclusão com muito mais amplitude do que é possível em relação à moral. – É ciência descritiva empírica, e não uma ciência formal. Por isso, não se pode negar sua racionalidade ou a possibilidade de controlar intersubjetivamente suas soluções.
Conceito não ingênuo de dogmática • A adesão formal ao direito positivo: adesão acrítica ao direito positivo é um mecanismo simbólico para ocultar a função criadora dos juristas. Problemas: – Mas o que é o direito positivo? – A adesão significa também ideológica? Criticas são lógicas e valorativas. – Há uma função, também, crítico-prescritiva.
Mas o que é o conteúdo real do direito positivo? • Problema de determinação linguística das normas. • Problema das inconsistências ou contradições logicas das normas • O fato de que o ordenamento jurídico é composto só por normas ou regras ou por princípios também. • A estrutura hierárquica e escalonada da ordem jurídica • Há normas legislativas mas também administrativas
• O fato de que o objeto de estudo dos dogmáticos sejam as normas jurídicas não permite afirmar que isso indica a atitude característica do positivismo ideológico. Isso simplifica o trabalho da dogmática.
• Tarefa principal da dogmática: – Adiantar problemas, instâncias nas quais a atribuição de sentidos seja polêmica, e oferecer, a partir de uma reconstrução possível das outras peças do quebra-cabeça uma solução sustentável.
Características de uma dogmática conscientemente política: • Caráter prático: guia para tomada de decisões ou gerar transformações no direito vigente. • Dependência contextual: situação conjuntural das comunidades relevantes; grau de consenso sobre o significado de expressões normativas por parte de certas comunidades; o grau de determinação ou indeterminação do conteúdo do direito positivo.
• Discurso polêmico: isso impõe a necessidade de determinar o problema e porque a alternativa que se propõe é melhor que qualquer outra. Ele se constitui contra outras alternativas possíveis. • Discurso sobre valores: as soluções propostas se confrontam conscientemente no plano axiológico. A melhor construção dogmática é capaz de mostrar que a solução proposta resulta da melhor construção do sistema jurídico e dos valores consagrados por tal sistema.
Problemas de pesquisa dogmática (Courtis) • Problemas de indeterminación lingüística • Problemas de carácter lógico. • Problemas relacionados con principios y directrices. • Problemas de determinación de los valores y de los fines de un conjunto normativo. • Problemas derivados de la estructura jerárquica y escalonada del orden jurídico. • Problemas que emanan de sentencias.
Tarefas da dogmática • Uma tarefa expositiva, ordenadora, sistematizadora (lege data), • Uma tarefa cuja orientação pretende ser descritiva ou prescritiva (lege ferenda); • Sistematização, comentários e crítica de sentenças judiciais (jurisprudencial).
Métodos • • • Análise da linguagem Análise lógica Análise sistemática Análise ideológica Análise empírica
Pesquisa dogmática (Rodriguez, 2012) • A dogmática jurídica está tanto a serviço da eficácia, quanto da legitimidade do direito, ao organizar o material jurídico e propor soluções adequadas aos problemas sociais. • Tarefas do trabalho dogmático: – a) desnaturalização das categorias e instituições jurídicas, de certas soluções dogmáticas ou de determinados modelos de Estado. Esse trabalho é realizado tanto para aumentar a eficiência do direito na solução dos problemas sociais, quanto para aumentar a participação de todos os concernidos na tomada de decisões relevantes ao destino da sociedade. – B) pensar alternativas capazes de resolver, de forma mais eficiente e legítima, os problemas sociais aos quais as instituições respondem, além de imaginar possibilidades institucionais a partir do direito posto. É, portanto, uma atividade especulativa, determinada por objetivos práticos.
Referências: • • • COURTIS, Christian. El juego de los juristas, ensayo de caracterización de la investigación dogmática. DEMO, Pedro. A pesquisa social. Serviço Social & Realidade, Franca, v. 17, n. 1, p. 11 -36, 2008. FRAGALE FILHO, Roberto; VERONESE, Alexandre. A pesquisa em Direito: diagnóstico e perspectivas. Revista Brasileira de Pós-Graduação. CAPES. Brasília. v. 1. n. 2. nov. 2004, p. 5370. GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa. DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa jurídica: teoria e prática. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. MEZZAROBA, Orides. Monteiro. Cláudia Servilha. Manual de Metodologia da Pesquisa no Direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. NOBRE, Marcos. Apontamentos sobre a pesquisa em direito no Brasil. São Paulo: FGV, 2009. OLIVEIRA, Luciano. Não fale do Código de Hamurabi. 2002. RODRIGUEZ, José Rodrigo. Para uma pedagogia da incerteza: a dogmática jurídica como experimento e como imaginação. In: RODRIGUEZ, J. R. ; PÜSCHELL, F. P. ; MACHADO, M. R. D. A. Dogmática é conflito: uma visão crítica da racionalidade jurídica. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 55 -74. GESTEL; MADURO, M. Methodology in the new legal world. European University Institute, 2012.
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