DEBATE HISTORIOGRFICO AULA PREPARADA POR MILIANDRE GARCIA DEPARTAMENTO
DEBATE HISTORIOGRÁFICO AULA PREPARADA POR MILIANDRE GARCIA DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA (UEL) 1
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� “Nesse reino de várias práticas culturais de narração histórica e das diferentes manifestações do construto mental chamado história, ‘historiografia’ pode ser caracterizada como uma espécie de prática cultural e de estrutura mental. É uma apresentação elaborada do passado, limitada ao meio da escrita, com suas possibilidades e restrições. Ela pressupõe a experiência social de um historiógrafo, caracterizado por certo grau de especialização e eventualmente de profissionalização e sua função em uma ordem política e social” (Malerba, Teoria e história da historiografia, p. 22).
�A historiografia “se apresenta duplamente como objeto e como fonte histórica. [. . . ] Ela estará sempre, dado seu estatuto, vinculada a uma história das ideias e dos conceitos, portanto a uma história necessariamente conceitual. Mas Koselleck já ensinou como fazê-la, mostrando como os conceitos não são castelos no ar. Inscreveu, assim, a história da historiografia no campo da história social” (Malerba, Teoria e história da historiografia, p. 22 -23). 4
� � Na concepção de Reinhart Koselleck, “apesar das representações sucessivas de cada presente serem mais originais, a mais recente conhece as anteriores e pode contrastar sua própria construção com as de outros presentes. Cada presente pode ter, em relação à sua representação, uma perspectiva historiográfica, isto é, pode temporalizar sua própria visão de história. Cada representação presente, portanto, é ao mesmo tempo original e inclui como interlocutoras as representações anteriores, criando uma ‘verdade caleidoscópica’”. (Reis, História e verdade: posições, p. 347). Portanto, “‘uma verdade histórica caleidoscópica’ exige o exame da historiografia anterior. É uma representação do passado, feita por um presente e que se sabe deste presente, e que dialoga com as outras representações deste mesmo passado, ou de outros passados feitas em outros presentes” (Idem, p. 348).
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�A história da escravidão no Brasil é um dos temas mais estudados pela historiografia brasileira, está em constante debate e em permanente revisão. 7
� Se a escravidão no Brasil foi um sistema escravista � brando e benevolente, diferenciando-se do anglo-saxão, ou � violento e cruel, igual a todo sistema escravista. 8
�A lavoura escravagista e a escravidão brasileira eram feudais ou capitalistas? Ex. : embates entre PCB versus Caio Prado Jr. � Quais eram as dimensões do patriarcalismo? Ex. : Sérgio Buarque de Holanda � Os escravos podiam ser lavradores? Ex. : Ciro Flamarion Cardoso � Como viviam os homens livres e pobres na ordem escravocrata Ex. : Maria Sylvia de Carvalho Franco � Qual a relação entre resistência e repressão? Ex. : embate entre as teses “escravo-coisa” versus espaços de negociação 9
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FINAL DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO XX 11
PRINCIPAIS AUTORES: � Oliveira Viana � Nina Rodrigues � José de Alencar � Andrade Figueira � PRINCIPAIS QUESTÕES: � Teorias cientificistas e evolucionistas � A ideia de civilização X a de cultura � Inferioridade do negro � Caráter negativo na formação do povo � Teses de antropometria (técnica de medição do corpo e as suas partes) e branqueamento � 12
“O que o pessoal do instituto fez foi encontrar uma tabela que era usada no século XIX para identificar a raça negra. Se cada instituição definir o que considera fenótipos, você vai ter centenas de definições diferentes, criando muito mais confusão”. (Hilton Silva, professor de bioantropologia da UFPA) “O Instituto Federal do Pará em respeito à comunidade, se colocou como ouvinte às demandas e anseios da população e retirou o anexo IV, do Edital 07/2016, como padrões avaliativos. O IFPA acredita no diálogo com a sociedade como uma importante ferramenta democrática e evolutiva, e agradece o posicionamento da comunidade”. (IFPA) 13
PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX 14
� Embora as idéias de Gilberto Freyre já tenham sido debatidas exaustivamente pela historiografia, sua obra continua a suscitar questões para os historiadores, pois se até o século XIX, as teorias racistas e seus principais expoentes atribuíram à miscigenação racial a responsabilidade pelo atraso no desenvolvimento do país, a abordagem de Gilberto Freyre priorizou uma história bem sucedida do encontro das raças. � Em suma: ao invés de explicar o atraso estrutural pela via racial como ocorreu no século XIX e início do XX, ele concentrou-se nos benefícios da miscigenação sob o viés da cultura. 15
TESES CENTRAIS: � Sensível ao pensamento racista europeu � Preocupação com a questão da “raça” � Atento à intensa miscigenação � Escravidão moderada � Convivência harmônica � Antagonismos dos contrários ou “democracial” � BASES DO SISTEMA: � Sociedade paternalista � Predomínio das relações pessoais e da “ordem privada” � Família patriarcal � Rede de parentesco � 16
�É importante sublinhar que Gilberto Freyre não se dedicou a estudar o fenômeno da escravidão em si, seu principal interesse voltou-se para a formação da família brasileira. (Stuart Schwartz, Escravos, roceiros e rebeldes, p. 23) 17
“Desde logo salientamos a doçura nas relações de senhores com escravos domésticos, talvez maior no Brasil do quem em qualquer outra parte da América”. (Gilberto Freyre, Casa grande e senzala, p. 363) � “Talvez mais felizes no Brasil patriarcal do que, quando na África negra, oprimidos por sobas, e sobretudo, maltratados nas próprias tribos: vítimas, por vezes, de tirânicas opressões tribais sob o aspecto de ritos compressores”. (Gilberto Freyre, Os escravos nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX, p. XV) � Em suma: para Gilberto Freyre, numa “democracial”, a prática da miscigenação corrigia as distâncias sociais porque aproximava desiguais ao invés de segregá-los. � 18
ABORDAGEM CONSERVADORA: A construção de argumentos sobre a benignidade da escravidão revelam influências do Gilberto pensamento � Paradoxal, como se autodefiniu conservador do século XIX, cujos Freyre, e conservador-reacionário como o representantes de época, saudosos do caracterizou José Honório Rodrigues nos anos e Império (viajantes, parlamentares historiadores), difundiram ideias de 1980. brandura da escravidão, de “índole” povo brasileiro, “bondoso � Isto porque, apesar de do ter apresentado um e equânime” por natureza. método revolucionário a partir de Casa MÉTODO REVOLUCIONÁRIO: Grande & Senzala (1933) [ENTER], o fez sob A partir do método antropológicoperspectiva conservadora acerca da culturaluma e ao destacar a importância das raízes africanas na formação histórica [ENTER]. cultural do povo brasileiro, Gilberto Freyre provocou uma revolução nas ideias pseudocientíficas, também chamadas de teorias racistas, acerca da inferioridade do negro, responsabilizado pelo atraso do país. 19
HISTORIOGRAFIA NORTE-AMERICANA: � ÊNFASE SOBRE AS DIFERENÇAS: Escravo e cidadão (1947), de Frank Tannembaum: análise comparativa entre os sistemas escravagistas: 1) da América do Norte protestante e 2) da América Latina católica cujas características amenizam os rigores desta escravidão. Influência sobre o pensamento de Stanley M. Elkins e as primeiras obras de Herbert S. Klein. � � ÊNFASE SOBRE AS SEMELHANÇAS: Padrões raciais na América (1964), de Marvin Harris e O problema da escravidão na cultura ocidental (1966) e A escravidão e o progresso humano (1984), de David B. Davis: interpretação oposta que assinala semelhanças entre os sistemas escravagistas americanos como um todo. 20
� “Embora as gerações subsequentes de acadêmicos brasileiros e brazilianistas tenham se afastado das interpretações de Freyre acerca da natureza da escravidão, relacionamento patriarcal entre senhor e escravo, e o sistema de relações raciais pósemancipação, a centralidade da escravidão na vida brasileira continuam sendo os temas mais importantes da historiografia brasileira moderna e um legado eterno do discernimento de Freire”. (Stuart Schwartz, Escravos, roceiros e rebeldes, p. 23) 21
A PARTIR DE MEADOS DO SÉCULO XX 22
� INTERNACIONAL: � Derrota � Conscientização do nazismo e da pretensão ariana de “raça pura”, sobretudo na Alemanha � A luta dos negros pela igualdade social e por direitos civis nos Estados Unidos social e crescimento do nacionalismo � Efervescência política, intelectual, cultural � Interesse pelas classes espoliadas, minorias oprimidas, excluídos sociais 23
� Para a historiografia revisionista, o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre generalizou uma análise válida para o nordeste canavieiro e para o escravo doméstico para o escravismo colonial cuja maioria dos escravos destinavam-se ao trabalho produtivo nas lavouras agrícolas (Jacob Gorender, O escravismo colonial, p. 466 -7) e, assim, desconsiderou a própria historicidade do fenômeno da escravidão (Octávio Ianni, (Escravismo e racismo, p. 87). 24
� EMERGÊNCIA NOS ANOS 1950 E 1960: � Rebeliões da senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas (1959), de Clóvis de Moura: revoltas baianas � Palmares: a guerra dos escravos (1959), de Décio Freitas: Quilombo dos Palmares 25
� RESSON NCIA NAS DÉCADAS DE 1970 E 1980: � Escravidão negra em São Paulo: um estudo das tensões provocadas pelo escravismo no século XIX (1977), de Suely Robles Reis de Queiroz: escravidão em São Paulo através de autos-crime. � O feitor ausente (1988), de Leila Mezan Algranti: análise da escravidão urbana através de autos-crime. 26
�O escravismo urbano não pode ser compreendido sem o escravismo rural, pois “é parte integrante desse conjunto que o engendra e transforma, absorvendo em seus limites”. (Leila Mezan Algranti. O feitor ausente, p. 202) 27
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� � � HISTORIOGRAFIA NORTEAMERICANA: David Brion Davis Charles Wagley Charles R. Boxer Eugene Genovese In: Eugene Genovese e Laura Foner, Slavery in the New World: a reader in commparative history, 1969 � � � � HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA: Capitalismo e escravidão no Brasil meridional (1962), de Fernando Henrique Cardoso A integração do negro na sociedade de classes (1964) e O negro no mundo dos brancos (1969), de Florestan Fernandes Da senzala à colônia (1966), de Emília Viotti da Costa Estrutura e dinâmica do antigo sistema colonial (1974), de Fernando A. Novais As metamorfoses do escravo (1962) e Escravidão e racismo (1978), de Otávio Ianni O escravismo colonial (1978), de Jacob Gorender Formação política do Brasil (1967) e A formação do povo cafeeiro (1968), de Paula Beiguelman 29
� “Grande parte das críticas a Freyre no Brasil durante as décadas de 1950 e 1960 provinha de jovens sociólogos de São Paulo, fortemente influenciado por teorias marxistas e uma visão materialista da sociedade. Menos preocupados com o fenômeno em si, seu principal objetivo era entender a repercussão do escravismo no desenvolvimento geral da economia brasileira e, em alguns casos, no sistema subsequente de relações raciais”. (Stuart Schwartz, Escravos, roceiros e rebeldes, p. 25) 30
� “A escravidão é pedra basilar no processo de acumulação de capital, instituída para sustentar dois grandes ícones do capitalismo comercial: mercado e lucro. A organização e regularidade da produção para exportação em larga escala – de que dependia a lucratividade – impunham para a compulsão ao trabalho. Para obtê-la, coerção e repressão seriam as principais formas de controle social do escravo”. (Suely Robles Reis de Queiróz, Escravidão negra em debate, p. 106) 31
� “A reificação do escravo produzia-se objetiva e subjetivamente. Por um lado, tornava-se uma peça cuja necessidade social era criada e regulada pelo mecanismo econômico de produção. Por outro lado, o escravo auto-representava-se e era representado pelos homens livres como um ser incapaz de ação autonômica [ALERTA VERMELHO]. Noutras palavras, o escravo se apresentava, enquanto ser humano tornado coisa, como alguém que, embora fosse capaz de empreender ações humanas, exprimia, na própria consciência e nos atos que praticava, orientações e significações sociais impostas pelos senhores [TESE CONSUMO DO SER DO OUTRO]. Os homens livres, ao contrário, sendo pessoas, podiam exprimir socialmente a condição de ser humano organizado e orientando a ação através de valores e normas criados por eles próprios. Nesse sentido, a consciência do escravo apenas registrava e espelhava, passivamente [ALERTA VERMELHO], os significados sociais que lhe eram impostos”. (Fernando Henrique Cardoso, Capitalismo e escravidão meridional, p. 125) 32
� “As duas camadas raciais permaneciam, a despeito de toda sorte de contatos, intercomunicações e intimidades, dois mundos cultural e socialmente separados”. (Emília Viotti da Costa, Da senzala à colônia, p. 260) 33
� � � DE UM LADO, A NEGAÇÃO DA IDEIA DA DEMOCRACIAL EM FOCO NOS ANOS 1930 DE OUTRO, A APREENSÃO ACRÍTICA DO PENSAMENTO ABOLICIONISTA NO SÉCULO XIX: Emília Viotti da Costa, Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Fernando Henrique Cardoso “Quase cem anos depois, intelectuais engajados na demolição necessária do mito da democracial no Brasil recorriam às imagens construídas pelos abolicionistas quanto aos efeitos da escravidão sobre os negros”. “Essas generalizações autoconfiantes sobre os modos de pensar – isto é, de ‘auto-representar-se’ – dos escravos baseavam-se numa leitura perfunctória das fontes oitocentistas, em especial relatos de viajantes cujas descrições e comentários incorporavam-se ao argumento sociológico sem qualquer mediação ou atenção aos preconceitos culturais etnocêntricos, ao racismo e às intenções políticas do observador”. (Sidney Chaloub e Fernando Teixeira da Silva, Sujeitos no imaginário acadêmico, p. 19, 21) 34
� NA NSIA DE CONTRAPOR-SE À IDEIA DA “DEMOCRACIAL” E ÀS TESES DE GILBERTO FREYRE, A LITERATURA REVISIONISTA VOLTOU-SE PARA AS VISÕES ABOLICIONISTAS DE FINS DO SÉCULO XIX, CUJO RESULTADO EFETIVO FOI A DESQUALIFICAÇÃO DO ESCRAVO ENQUANTO SUJEITO DA HISTÓRIA: “inerente ao esforço de contrapor-se à ideologia da harmonia racial estava a reinterpretação dos sentidos e modos de funcionamento da escravidão brasileira, aspecto que também fora crucial às formulações de Gilberto Freyre. É nesse sentido que as visões abolicionistas sobre a escravidão nas últimas décadas do século XIX, fossem as produzidas por viajantes estrangeiros ou militantes brasileiros, passam a ocupar o centro da narrativa acadêmica dos revisionistas. A violência inerente à realização do objeto de ascender socialmente. Ainda que ordenado pelo objetivo louvável de denunciar a vigência e a abrangência do racismo na sociedade brasileira, tal ordem de ideias, ao incorporar avaliações sobre as consequências da escravidão para os escravos articuladas no contexto das lutas abolicionistas de final do século XIX, resultou na desqualificação radical dos escravos como sujeitos possíveis de sua própria história”. (Sidney Chalhoub e Fernando Teixeira da Silva, Sujeitos no imaginário acadêmico, p. 20) 35
� “Com diferenças consideráveis entre si, sua interpretação coletiva da repercussão da escravidão sobre as relações senhor-escravo foi bem mais negativa do que a avaliação de Freyre. Os sociólogos e historiadores da “Escola de São Paulo” concentravam-se principalmente no século XIX e no sul do Brasil, e sua obra, até esse ponto, limitada, mas suas monografias teoricamente informadas e bem documentadas proporcionaram um novo padrão de análise que fizeram das consequências econômicas e sociais o principal tema de estudo”. (Stuart Schwartz, Escravos, roceiros e rebeldes, p. 26) 36
A PARTIR DOS ANOS 1980 37
� � HISTORIOGRAFIA INTERNACIONAL: Resistance and accomadation in eightenth century Brasil: the slaves view of slavery, de Stuart Schwartz (1977) Senhores e caçadores: a origem da lei negra (1987), de Edward P. Thompson A terra prometida: o mundo que os escravos criaram (1988), de Eugene Genovese � � � HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA: Ser escravo no Brasil (1982), de Kátia Mattoso Campos da violência (1988), de Silvia Hunold Lara 38
� Em Ser escravo Brasil (1982), obra sobre a escravidão que, segundo Jacob Gorender, prenuncia a “virada do retorno” ou um recuo a Gilberto Freyre, Kátia Mattoso não é taxativa na sua análise, assume um tom mais especulativo, ainda que se possa questionar a validade de suas conclusões quando afirma, por exemplo, que a violência do sistema não passava de uma “simples eventualidade”, mesmo diante de exemplos contrários. � Em todo caso, o rótulo de “neopatriarcalismo” deve ser (re)pensado a partir de um panorama mais geral. (Suely Robles Reis de Queiróz, Escravidão negra em debate, p. 109) 39
Em Campos da violência (1988), a partir de argumento semelhante ao de Gilberto Freyre, Silvia Hunold Lara defendeu que o castigo físico não pode ser identificado como sintoma de violência devido à sua dimensão pedagógica na organização social, acredita, inclusive, na capacidade do escravo de negociar os castigos físicos. � As críticas à autora concentram-se na ideia de racionalização do sofrimento alheio a partir de uma “frieza” analítica, às quais ela rebate dizendo que não passam de um discurso de vitimização da figura do escravo por intelectuais insensíveis ao potencial do outro, do diferente. (Apud Suely Robles Reis de Queiróz, Escravidão negra em debate, p. 110 -111) � 40
�O capítulo Entre Zumbi e Pai João, o escravo que negocia, de Eduardo Silva que compõe o livro Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista (1989), de João José Reis e Eduardo Silva, trata do “acordo sistêmico” entre senhores e escravos � O capítulo Os mitos da abolição, do livro Trabalhadores-escravos (1989), de Sidney Chalhoub, recusa da ideia de “coisificação do escravo”. 41
� Escravos ou camponeses? : o protocampesinato negro nas Américas (1987), de Ciro Flamarion Cardoso � Distribuição dos índios pelo território brasileiro � Experiência portuguesa no tráfico de escravos � A brecha camponesa como forma de socialização � “Até que ponto seria comum a produção particular de escravos e como isso se incorporou à rede geral de relações econômicas e sociais é questão de controvérsias, pois, de certa forma, a resposta está no modo de interpretar a própria natureza da escravidão”. (Stuart Schwartz, Escravos, roceiros e rebeldes, p. 31) 42
� “Talvez a característica mais marcante dos trabalhos acadêmicos sobre a escravidão nas últimas décadas tenha sido a forma pela qual romperam com a associação entre subordinação e paralisia ou passividade. […] Os estudiosos vêm encontrando numerosas maneiras de examinar as iniciativas dos escravos sem desconsiderar a opressão, de explorar a criação de sistemas alternativos de crenças e valores no contexto da tentativa de dominação ideológica, de apreender a reconhecer a comunidade escrava mesmo constando o esforço contínuo de repressão a algumas de suas características essenciais”. (Rebecca Scott, “Exploring the meaning of freedom: Post-emancipation societies in comparative perspective, 1988) 43
� “Em suma buscava-se superar as versões contraditórias de abolicionistas e escravocratas, as divergências entre Joaquim Nabuco e José de Alencar, a necessidade de optar entre violência e ‘doçura’ na caracterização das relações escravistas. Principalmente, articulavam-se maneiras de inquirir as experiências dos próprios escravos, entender o sentido que eles mesmos conferiam aos seus labores e lutas cotidianas, resgatá-los enfim da ‘enorme condescendência da posterioridade’”. (Apud Sidney Chalhoub e Fernando Teixeira da Silva, Sujeitos no imaginário acadêmico, p. 21 -22) 44
� Em A escravidão reabilitada (1990), Jacob Gorender indaga se “a escravidão benemerente, paternal, legalista, com negociações pacíficas, acordo sistêmico e paz social entre classes antagônicas, não é ideologia reacionária travestida de historiografia moderníssima do ponto de vista metodológico? ” que se aproximava do modelo patriarcal de Gilberto Freyre para se afastar do entendimento da escravidão como sistema coercitivo. (Apud Suely Robles Reis de Queiróz, Escravidão negra em debate, p. 111) 45
�A violência do cativeiro implicava no “extermínio da vitalidade do escravo num prazo calculado. Como implicava a coação física num clima de aterrorização permanente da massa escrava, o que exigia castigos diários rotineiros e castigos excepcionais de exemplaridade ‘pedagógica’ no Brasil não menos iníquos que em outras regiões escravistas”. (Jacob Gorender, O escravismo colonial, p. 356 -7) 46
ESTADO ATUAL DA QUESTÃO 47
� “A nova historiografia da escravidão brasileira deixa clara a importância de se compreender a organização da escravidão e seu funcionamento tanto como forma de trabalho quanto como sistema social e cultural, para que seja possível entender suas consequências teóricas e sistêmicas mais amplas para a compreensão da história do Brasil e de seu lugar dentro do desenvolvimento da economia mundial”. (Stuart Schwartz, Escravos, roceiros e rebeldes, p. 29) 48
� “Os maiores avanços no estudo da demografia têm-se concentrado regionalmente em Minas Gerais. Lá, o desejo constante do governo de controlar e lucrar com a extração de ouro, registrando e tributando a população escrava, produziu uma documentação que, juntamente com o material tradicional local e o dos recenseamentos, é uma rica fonte documental para análise demográfica moderna”, além de provocar “exame de alguns dos credos mais sagrados e repetidos com relação à escravidão no Brasil”. (Stuart Schwartz, Escravos, roceiros e rebeldes, p. 33) 49
� “A imagem tradicional das famílias fragmentadas, de pais separados, normalmente associadas a escravos deve ser alterada em alguns locais onde a estrutura da escravidão era caracterizada por economias mistas e baixo nível de importação, e que é preciso levar em conta variáveis como o número de escravos e o tipo de atividade econômica. Parece que houve mais casamentos de escravos em São Paulo do que em outras áreas do Brasil, mas os motivos ainda não são tão claros”. (Cont. . . ) 50
� � “Em certas áreas e em certas condições, prevaleciam estruturas familiares mais estáveis e regime demográficos mais saudáveis entre os escravos brasileiros. Os estudos recentes estão procurando definir onde, quando e por que tais condições prevaleciam. Apesar das diferenças, quase todos os estudos deixam claro que o panorama tradicional da família escrava relativamente a uma patologia social precisa de revisão rigorosa, e que a ausência de uniões formais sancionadas pela Igreja e, portanto, o alto índice de ilegitimidade entre os escravos não serve de prova da ausência da vida familiar”. “Os estudiosos da família escrava no Brasil ainda não definiram até que ponto as normas da vida da família escrava expressavam uma realidade autônoma ou eram incentivadas e moldadas pelos senhores, que lhes impunham sua própria noção paternalista de moralidade”. (Stuart Schwartz, Escravos, roceiros e rebeldes, p. 35 -36) 51
� � � � � De manhã cedo num lugar todo enfeitado nóis ficava Amuntuado pra esperá os compradô Dispois passava pela frente dum palanque Afincado ao pé de um tanque chamavam bebedô E nesse dia minha véia foi comprada Numa leva separada prum sinhô mocinho ainda Minha veinha que era a flô dos cativeiro Foi inté mãe de terreiro na família dos Cambinda No mesmo dia em que levaram minha preta me botaram Nas grieta pra de mode eu não fugir E desde então preto véio aprercurô Ficô véio como eu tô mas como é grande esse Brasil E quando veio de Isabé as alforria Prercurei mais quinze dias mas a vista me fartô Só peço agora que me levem, sinhá Isabé Quero ver se tá no céu Minha véia, meu amor. . . 52
� SISTEMA LEGAL E SUA REPERCUSSÃO PRÁTICA: “está claro que as leis relativas à escravidão e sua aprovação estão sendo alvo de exame minucioso e os esforços para analisar o relacionamento dinâmico entre direito e exercício tornaram-se uma das principais áreas no estudo da escravidão”. � “Tem havido um uso cada vez maior de registros judiciais que demonstram como se aplicava a lei, tanto para controlar os escravos e fortalecer a escravatura, quanto para demonstrar como os escravos conseguiam recorrer a meios jurídicos para compensar as injustiças sofridas da escravidão”. (Stuart Schwartz, Escravos, roceiros e rebeldes, p. 23 e 50) 53
� “Um dos progressos importantes foi a capacidade de elevar indivíduos africanos e afro-brasileiros da categoria generalizada de escravos e apresentá-los como figuras históricas maduras e extraordinárias. […] essas biografias começam a reconhecer a individualidade e a historicidade dos escravos e de seus descendentes como pessoas e agentes históricos e, ao fazê-lo, superar sua redução a categorias sociológicas”. (Stuart Schwartz, Escravos, roceiros e rebeldes, p. 54) 54
� Chica da Silva e o contratador de diamantes (2003), de Junia Furtado: desconstrução do mito de uma Chica da Silva sedutora, além de não ter sido exceção no universo colonial. Mulata, filha de negra com português, Chica da Silva nasceu escrava entre 1731 e 1735, mas recebeu a alforria do seu senhor. No Arraial do Tejuco levou uma vida próxima à das senhoras brancas da sociedade mineira, educou as filhas no melhor estabelecimento de ensino da região, acumulou pecúlio considerável, tornou-se proprietária de imóveis e chegou a possuir mais de cem escravos (quantidade elevada mesmo para os padrões da elite branca). 55
� Caetana diz não (2005), de Sandra Lauderdale Graham: a partir de duas histórias opostas reconstrói-se laços familiares, relações de gênero, traços culturais e vínculos econômicos que compõem um retrato do Vale do Paraíba, centro econômico do Brasil no século XIX. A história de Caetana que dá título ao livro, uma jovem escrava que não aceita o casamento arranjado com outro escravo pelo seu senhor (conhecida através do processo), e a história de D. Inácia, uma rica senhora que deixa sua fortuna para uma família de escravos (registrada em testamento). Seu interesse, conta a historiadora norte-americana, é “recuperar os atos e as vozes das 'pessoas perdidas”. 56
� “O interesse pela resistência escrava aumentou muito nas duas últimas décadas. Isso aconteceu, em parte devido à conscientização cada vez maior da desigualdade racial no Brasil, a uma pesquisa autocrítica de exemplo e tradição históricas feita pelos intelectuais revisionistas e afrobrasileiros e a um clima histórico geral no qual cresce o interesse pelos atos dos escravos”. (Stuart Schwartz, Escravos, roceiros e rebeldes, p. 39) 57
� “O estudioso desses processos não pode mais ignorar a história do Brasil, nem podem os brasilianistas esquecer que essa história faz parte de uma história mais ampla, na qual sua experiência com a escravidão deve ter lugar de destaque”. (Stuart Schwartz, Escravos, roceiros e rebeldes, p. 47) 58
� � � � TRÁFICO DE ESCRAVOS: É preciso que mais estudos no Brasil sobre a estrutura e o volume do tráfico” (Stuart Schwartz, Escravos, roceiros e rebeldes, p. 37). MOVIMENTO ABOLICIONISTA “NOVA HISTÓRICA ECONÔMICA DA ESCRAVIDÃO” MÃO-DE-OBRA ALTERNATIVA: escravidão indígena NOVAS FONTES: processos-crime, material iconográfico (fotografias, pinturas etc. ), registros paroquiais, correspondência particular, manuais de agricultores, entrevistas com descendentes ANÁLISES COMPARATIVAS MÉTODO QUANTITATIVO/QUALITATIVO HISTÓRIA ORAL: complicações inerentes à coleta de dados (Stuart Schwartz, Escravos, roceiros e rebeldes, 48) CULTURA ESCRAVA/AFRICANA CULTURA POPULAR MENTALIDADES PARTICIPAÇÃO DE ESCRAVOS LIBERTOS NAS INSTITUIÇÕES PROCESSO DE MANUMISSÃO (ALFORRIA LEGAL) DOS EX-ESCRAVOS E DE SEUS DESCENDENTES/COARTAÇÃO 59
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� � � � OBRAS CLÁSSICAS: Citadas nos slides. SÍNTESES HISTORIOGRÁFICAS: QUEIRÓZ, Suely Robles Reis de. Escravidão negra em debate. In: FREITAS, Marcos Cezar de (org. ). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998. p. 103 -117. SCHWARTZ, Stuart B. A historiografia recente da escravidão. In: Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru: Edusc, 2001. p. 21 -88. APARATO TEÓRICO-METODOLÓGICO: MALERBA, Jurandir (org. ) A história escrita: teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006. REIS, José Carlos. História e verdade: posições. Síntese, Belo Horizonte, v. 27, n. 89, p. 321 -348, 2000. 61
� https: //l. facebook. com/l. php? u=https%3 A%2 F%2 Fdrive. google. com%2 Fdrive%2 Ffolders%2 F 0 B 2 u. DMAvhdl. JTU 3 ZZck. Zt. VW 1 Zaz. A&h=ATO 2 ir 3 dv. BAIIRd. SPMmb. EKxke 4 vesjjjm. Wkpf 7 Fc. RHcxm. N 7 g. UUm. Ti 0 d. D 9 lu. JHKNHZ 1 YSHwi. GQWH 2 gfb. Mua. Si 0 Piccl. VQdy. H 91 CPTv. Ey. ZK 7 Fs. Ldk 08 WYVslgk. Pf. BYRCxw 62
Sou filho natural de uma negra, africana livre, da Costa Mina (Nagô de Nação), de nome Luíza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã. Minha mãe era baixa de estatura, magra, bonita, a cor era de um preto retinto e sem lustro, tinha os dentes alvíssimos como a neve, era muito altiva, geniosa, insofrida e vingativa. Dava-se ao comércio – era quitandeira, muito laboriosa, e mais de uma vez, na Bahia, foi presa como suspeita de envolver-se em planos de insurreições de escravos, que não tiveram efeito. Era dotada de atividade. Em 1837, depois da Revolução do doutor Sabino, na Bahia, veio ela ao Rio de Janeiro, e nunca mais voltou. Procurei-a em 1847, em 1856, em 1861, na corte, sem que a pudesse encontrar. Em 1862, soube, por uns pretos minas, que a conheciam e que me deram sinais certos que ela, acompanhada com malungos desordeiros, em uma “casa de dar fortuna”, em 1838, fora posta em prisão; e que tanto ela como os seus companheiros desapareceram. Era opinião dos meus informantes que esses “amotinados” fossem mandados para fora pelo governo, que, nesse tempo, tratava rigorosamente os africanos livres, tidos como provocadores. Nada mais pude alcançar a respeito dela. Escrita a pedido do jornalista Lúcio Mendonça, intitulada Lances doridos, em 25 de julho de 1880. A carta é o único documento com informações sobre a mãe abolicionista. Biógrafos de Luiz Gama, como Sud Menucci, Elciene Azevedo e Ligia Fonseca Ferreira afirmaram não ter encontrado documento que corroborasse com essa versão apresentada por Luiz Gama e, por isto, acham provável que Luíza Mahin fosse algum tipo alterego dele. 63
� “A escola e a universidade deveriam servir para fazer entender que nenhum livro que fala de outro livro diz mais sobre o livro em questão; mas fazem de tudo para que se acredite no contrário”. � “A única razão que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos”. (Italo Calvino. Por que ler os clássicos? , p. 12, 16)
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