CULPABILIDADE I Evoluo do conceito de culpabilidade Conceito
CULPABILIDADE
I. Evolução do conceito de culpabilidade Conceito dinâmico Origem: Idade Média, entre os séculos XVI e XVII, tendo como fundamento a ideia do livre arbítrio concebida pelo Direito Natural. A partir da segunda metade do século XIX, quando da ascensão do positivismo e do enfraquecimento do jusnaturalismo, nasce a primeira teoria sobre culpabilidade, chamada teoria psicológica da culpabilidade.
I. 1. Teoria psicológica da culpabilidade Modelo causal de ação (FRANZ VON LISZT, ERNEST BELING e GUSTAV RADBRUCH): ação como a realização causal de um resultado de modificação no mundo exterior. Elemento objetivo do crime - tipo de injusto (tipicidade e antijuridicidade) X Elemento subjetivo – culpabilidade Elementos da culpabilidade: a) imputabilidade: capacidade abstrata do agente de compreender o valor do fato e de querer a sua realização conforme essa compreensão. Critério biopsicológico correspondente à maturidade e à sanidade mental do indivíduo. b) nexo psicológico normativo: culpa em sentido amplo, traduzindo-se na consciência e vontade do agente de realizar a conduta típica e antijurídica (dolo), ou na causação do resultado típico por imprudência, negligência ou imperícia (culpa em sentido estrito). Críticas: Problema da culpa inconsciente Situações em que há vinculo psicológico, mas não era exigível do agente a conduta conforme ao direito. Elemento volitivo presente apenas na culpabilidade
I. 2. Teoria normativa complexa (ou teoria psicológico-normativa) No início do século XX, REINHARD FRANK inseriu o elemento da reprovação no conceito de culpabilidade. Elementos: a) capacidade de culpabilidade ou imputabilidade; b) vínculo psicológico entre o autor e o fato por ele praticado, dolo ou culpa em sentido estrito; e c) exigibilidade de conduta conforme o direito. Críticas: elementos subjetivos do crime, dolo e culpa em sentido estrito, deveriam ser analisados em momento prévio como pressupostos da própria conduta injusta Ex: tentativa – se não houver dolo a conduta é um irrelevante jurídico
I. 3. Teoria normativa pura Teoria finalista da ação (HANS WELZEL): ação como exercício de atividade final Os elementos subjetivos consistentes no dolo e na culpa são deslocados da culpabilidade para o tipo penal. Elementos: a) capacidade de culpabilidade (ou imputabilidade); b) potencial consciência da ilicitude; e c) exigibilidade de conduta conforme o direito. Conceito: Culpabilidade é o juízo de reprovação realizado sobre um agente imputável que, dispondo de condições de compreender o caráter ilícito de sua conduta e agindo em circunstâncias fática normais, pratica uma ação típica e antijurídica. Culpabilidade como instrumento de limitação do poder punitivo Críticas: Ausência de conteúdo material do conceito de culpabilidade. Por que se reprova a conduta do agente?
I. 4. Teorias funcionalistas a) teoria do poder agir de outro modo - HANS WELZEL: atribuiu o juízo de reprovação à possibilidade do agente de atuar de forma diversa. Tem como fundamento a liberdade de vontade. Crítica: a liberdade de vontade é indemonstrável; b) teoria da atitude jurídica reprovada - HANS-HEINRICH JESCHECK, ou teoria da atitude jurídica defeituosa - JOHANNES WESSELS: fundamentam a reprovação na liberdade de autodeterminação do indivíduo que realiza a conduta reprovável ou defeituosa.
c) teoria da responsabilidade pelo próprio caráter – base filosófica em SCHOPENHAUER: o comportamento do indivíduo é determinado por seu caráter. O agente é responsável pela conduta injusta praticada na medida em que tal conduta é expressão do seu caráter. Crítica: culpabilidade de autor, que se volta à neutralização do indivíduo em razão de sua personalidade; d) teoria do defeito de motivação jurídica - GÜNTHER JAKOBS: afirma que a reprovabilidade está relacionada à ausência de motivação jurídica do autor, fundamentando a imposição da pena como forma de reafirmar a confiança da sociedade no direito (prevenção geral positiva). Crítica: se baseia em fatores externos ao autor e à conduta praticada, deixando de definir a essência do juízo de reprovação; e) teoria da dirigibilidade normativa - CLAUS ROXIN: o fundamento da reprovabilidade é a capacidade de comportamento conforme a norma, a qual é aferida empiricamente pelos critérios biológico e psicológico. Princípio da alteridade – o fundamento do juízo de reprovação passa a ser o comportamento antissocial do sujeito, isto é, no desvalor social da conduta praticada.
II. Estrutura da culpabilidade II. 1. Imputabilidade A imputabilidade consiste na capacidade do agente de compreender o caráter ilícito de sua conduta e de orientar seu comportamento de acordo com esse entendimento. Essa capacidade é aferida com base em dois critérios: desenvolvimento biológico e normalidade psíquica. Critério biológico: o desenvolvimento biológico mínimo necessário para que o indivíduo se torne responsável por suas ações se verifica aos 18 (dezoito) anos de idade (art. 27 do Código Penal). Fundamento: personalidade em formação PEC 171/1993 – proposta de alteração do marco da imputabilidade penal para 16 (dezesseis) anos. Crítica: o maior acesso ao conhecimento não está diretamente relacionada à formação física, biológica e psíquica do indivíduo, não sendo, portanto, condição suficiente para que o jovem atinja a maturidade psíquica necessária para compreender a ilicitude de seu comportamento. Critério psicológico: o agente deve possuir um aparelho psíquico livre de defeitos constitucionais ou adquiridos. Critério negativo aferido a partir de uma interpretação a contrario sensu do artigo 26 do Código Penal.
Hipóteses de inimputabilidade: a) agente menor de 18 (dezoito) anos (art. 27 do CP): com idade igual ou superior a 12 (doze) anos estará sujeito à imposição de uma das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente; b) agente que, em razão de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não possui capacidade para compreender o injusto praticado ou de orientar seu comportamento conforme essa compreensão (art. 26, caput, do CP): aplicação de medida de segurança de internação ou de tratamento ambulatorial; c) agente em estado de embriaguez completa pela ingestão de álcool ou substância equivalente decorrente de caso fortuito ou força maior (art. 28, § 1º, do CP): não haverá qualquer consequência para o autor da conduta; d) agente afetado pela dependência ou pelo uso fortuito ou decorrente de força maior de droga (art. 45 da Lei nº 11. 343/06): no caso da dependência, o agente será submetido a tratamento em regime de internação hospitalar ou extra hospitalar, (artigo 52, parágrafo único, da Lei nº 11. 343/06), já na hipótese de uso fortuito ou de força maior da droga, não haverá imposição de qualquer medida.
Semi-imputabilidade: capacidade relativa de culpabilidade, permite a responsabilização penal do agente pela conduta injusta praticada, porém, a pena aplicada será reduzida de um a dois terços (artigo 26, parágrafo único, do Código Penal). No direito penal brasileiro vigora o sistema vicariante, segundo o qual a pena privativa de liberdade e a medida de segurança devem ser aplicadas alternativamente. Hipóteses de perturbação psíquica que não excluem a culpabilidade: Emoção e a paixão (artigo 28, inciso I, do Código Penal): constituem circunstâncias que privilegiam o tipo penal ou que reduzem a pena. Embriaguez voluntária ou culposa por álcool ou substância análoga (artigo 28, inciso II, do Código Penal): permite a punição do agente com base na teoria da actio libera in causa. Teoria da actio libera in causa - a capacidade de culpabilidade do agente deverá ser aferida no momento anterior à realização do fato punível.
II. 2. Potencial consciência da ilicitude Conceito: Consiste no conhecimento real ou possível do agente de que está praticando uma conduta contrária ao ordenamento jurídico. Objeto da consciência: a antijuridicidade concreta, ou seja, o agente deve ter o conhecimento da específica lesão do bem jurídico compreendido no tipo legal. Quando o agente não tem esse conhecimento do injusto sequer potencial, estaremos diante das hipóteses de erro.
II. 3. Exigibilidade de conduta conforme o direito Conceito: Exigibilidade de conduta diversa é a possibilidade de se exigir do autor do ato ilícito no caso concreto a adoção de um comportamento em conformidade com o ordenamento jurídico. Fundamento: normalidade das circunstâncias existentes no momento de realização do injusto penal. Situações de anormalidade, que tornam inexigível ao agente um comportamento conforme o direito, constituem as denominadas causas de exculpação, as quais podem ser legais ou supralegais, conforme estejam previstas explícita ou implicitamente na lei.
Causas legais de exculpação (artigo 22 do Código Penal Brasileiro): Coação moral irresistível: consiste no emprego de violência ou grave ameaça (vis compulsiva) contra o agente para que realize a conduta ilícita, sendo a força ou a ameaça exercida de forma tal que lhe suprima a capacidade de resistência e torne sua vontade viciada. Coação moral (vis compulsiva) X coação física (vis absoluta) Requisitos: a violência ou a grave ameaça empregada deve constituir um perigo atual e inevitável de outro modo, à vida ou ao corpo do coagido ou de terceira pessoa; e o perigo deve ser irresistível. Efeito: exclusão da culpabilidade do coacto. Todavia, aquele que realizou a coação poderá ser responsabilizado como autor mediato.
Obediência hierárquica: é a situação de exculpação em que funcionário público subordinado, em atendimento à ordem não manifestamente ilegal de seu superior hierárquico, realiza conduta típica e antijurídica. Fundamento: relação de subordinação de direito público Requisitos: relação de hierarquia fundada no Direito Público; ordem não manifestamente ilegal; e estrita obediência à ordem. Efeito: exclusão da culpabilidade do funcionário subordinado Obs: Juarez Cirino dos Santos também classifica como situações de exculpação legais, o excesso de legítima defesa real e putativa quando provocado por estados emocionais de medo, susto ou perturbação, denominados afetos astênicos. Se o excesso for decorrente apenas de afetos estênicos, isto é, de sentimentos de ódio ou ira, não haverá exclusão da culpabilidade.
Causas supralegais de exculpação: Fundamento: formula genérica da inexigibilidade de conduta diversa. Controvérsia doutrinária: Segurança jurídica (Eugenio Raúl Zaffaroni) X Justiça (Juarez Cirino dos Santos) Hipóteses de causas supralegais de inexigibilidade de conduta diversa: a) fato de consciência; b) provocação da situação de legítima defesa; c) desobediência civil; e d) conflito de deveres.
III. Teoria da Culpabilidade e culpabilidade por vulnerabilidade Origem ideológica: Plano de Legislação Penal, de Jean Paul Marat: injustiça de se punir de forma igual indivíduos que tiveram diferentes possiblidades. Conceito de co-culpabilidade É a parcela da responsabilidade que deve ser atribuída à sociedade pela prática do ilícito penal, por não ter ela deixado de fornecer ao autor as mesmas oportunidades concedidas a outros indivíduos, o que restringiu suas possibilidades e limitou seu âmbito de autodeterminação. Consequência: a implicação prática é a redução da pena
Seletividade do sistema penal: Criminalização primária: a criminalização primária é a escolha de determinadas condutas que serão criminalizadas através de uma lei penal material. É exercida pelas agências políticas (Poderes Legislativo e Executivo). Criminalização secundária: a criminalização secundária é a imposição da pena cominada na lei penal a determinado indivíduo no caso concreto, iniciando-se a partir da investigação policial e se estende até a execução da pena. Esse processo de criminalização é operacionalizado pela polícia, pelo Ministério Público, Judiciário, advogados, agentes penitenciários, e até mesmo pelas agências de comunicação social. Agencias de controle: inatividade X seletividade
Culpabilidade pela vulnerabilidade A vulnerabilidade do agente pode ocorrer por três fatores: a) indivíduo que se enquadra no estereótipo do criminoso; b) prática de delitos grotescos e de fácil detecção; c) ausência de cobertura de classes políticas ou econômicas. Teoria da culpabilidade pela vulnerabilidade: se volta ao autor do delito, não para analisar seu caráter ou personalidade, mas sim o seu estado de vulnerabilidade frente à seletividade do sistema penal. A culpabilidade do agente passa a ser analisada de acordo com o maior ou menor esforço realizado pelo indivíduo para se colocar na situação de criminalização. Quanto maior é o esforço, maior será a reprovabilidade da conduta e maior a pena. Quanto menor for o esforço, dado o seu alto grau de vulnerabilidade, menor será a reprovação e menor a pena.
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