Contribuies tericas para o estudo das relaes humanas
Contribuições teóricas para o estudo das relações humanas: o giro linguístico
O Giro Linguístico GL é mais do que uma mera ênfase na linguagem Grécia antiga Na abertura de sua obra Política, Aristóteles afirma que somente o homem é um “animal político”, isto é, social e cívico, porque somente ele é dotado de linguagem. Os outros animais [. . . ] possuem voz (phoné) e com ela exprimem dor e prazer, mas o homem possui a palavra (lógos) e, com ela, exprime o bom e o mau, o justo e o injusto. Exprimir e possuir em comum esses valores é o que torna possível a vida social e política e, dela, somente os homens são capazes. (Chauí, 2012, p. 185)
Idade média: debate entre nominalistas e realistas (Ex. : Abelardo- séc. XII) Era moderna: Descartes (1596 -1650) - a linguagem é apenas um instrumento para manifestar nossas ideias (é a roupagem do pensamento); divisão mente/corpo A partir de Descartes e durante dois séculos e meio, a filosofia europeia seria uma ‘filosofia da consciência’ centrada no estudo da interioridade do sujeito e convencida de que, para conhecer o mundo exterior, é preciso inspecionar minuciosamente as ideias que habitam os espaços interiores da subjetividade. No entanto, a partir do momento em que se aceita a dicotomia entre res cogitans [sujeito pensante] e res extensa [matéria, realidade], e precisamente porque foi traçada essa linha divisória, surge imediatamente a pergunta de como se relacionam entre si o ‘interior’ e o ‘exterior’ e o mistério da adequação entre nossas ideias e a realidade” (Ibáñez, 2004, p. 23 -24)
Idade média: debate entre nominalistas e realistas (Ex. : Abelardo- séc. XII) Era moderna: Descartes (1596 -1650): a linguagem é apenas um instrumento para manifestar nossas ideias (é a roupagem do pensamento); divisão mente/corpo A partir de Descartes e durante dois séculos e meio, a filosofia europeia seria uma ‘filosofia da consciência’ centrada no estudo da interioridade do sujeito e convencida de que, para conhecer o mundo exterior, é preciso inspecionar minuciosamente as ideias que habitam os espaços interiores da subjetividade. No entanto, a partir do momento em que se aceita a dicotomia entre res cogitans [sujeito pensante] e res extensa [matéria, realidade], e precisamente porque foi traçada essa linha divisória, surge imediatamente a pergunta de como se relacionam entre si o ‘interior’ e o ‘exterior’ e o mistério da adequação entre nossas ideias e a realidade” (Ibáñez, 2004, p. 23 -24)
Debate filosófico acerca de como se relacionam o interior e o exterior (empiristas - sentidos, Kant – categorias a priori. . . ). Se desfazemos essa dicotomia, o debate que moveu a filosofia por 2 séculos e meio deixa de fazer sentido GL Séc. XX Filosofia e ciências humanas e sociais começam a dar grande importância à linguagem GL não é um fato preciso, mas um fenômeno que vai se formando progressivamente e que adota várias modalidades durante seu surgimento
o giro linguístico teve efeitos e implicações que vão bem mais além do simples aumento da ênfase dada à importância da linguagem. Ele contribuiu para que fossem esboçados novos conceitos sobre a natureza do conhecimento, seja ele o do sentido comum ou o científico, para permitir que surgissem novos significados para aquilo que se costuma entender pelo termo “realidade” tanto “social” ou “cultural” quanto “natural” ou “física”- e a desenhar novas modalidades de investigação proporcionando outro contexto teórico e outros enfoques metodológicos. Porém, mais que tudo, o “giro linguístico” modificou a própria concepção da natureza da linguagem. ” (Ibáñez, 2004, p. 19 -20).
[A relevância do GL] reside no fato de que contrapõe a linguagem cotidiana (ou seja, o que nós dizemos quando falamos) à linguagem científica especializada e formal, suscitando a pergunta sobre se é ou não necessário elaborar uma linguagem própria, capaz de explicar como é o mundo. [. . . ] O giro linguístico foi um giro no sentido de ter sido uma mudança radical graças ao seu questionamento se a linguagem cotidiana é suficiente para explicar o mundo e a vida real” (Iñíguez, 2004, p. 55).
Rupturas 1) Ruptura com antiga tradição filológica (Saussure – séc. XIX, inicio do XX ) 2) Filosofia analítica: o olhar da filosofia, até então voltado para o mundo interior e privado das entidades mentais, se volta para o mundo passível de ser objetivado e público das produções discursivas • Gottlob Frege (1848 -1925) e Bertrand Russel (1872 -1970) • Frege: “teoria da quantificação” (base da lógica moderna) – transforma os enunciados linguísticos em proposições, cujo valor de verdade podia ser estabelecido de maneira rigorosamente formal • Estudo das ideias X estudo dos enunciados linguísticos • “não são as ideias que correspondem aos objetos do mundo, mas as palavras” (tese realista)
3) Estímulo neopositivista • Ludwig Wittgenstein (1889 -1951) começa a estudar com Russell e logo publica o Tratado Lógico Filosófico (1921) • Círculo de Viena (1929) “para ter garantias de cientificidade é preciso reformar a linguagem usando todos os recursos técnicos da nova lógica e submetendo os enunciados a um exame rigoroso para avaliar sua consistência lógica, transformando-os em proposições. ” (Ibáñez, 2004, p. 29) • só existem 2 tipos de enunciados válidos: os enunciados lógico-matemáticos (enunciados “analíticos”) e enunciados empíricos (enunciados “sintéticos”)
4) Pós 2ª Guerra: • GL chega aos EUA • Críticas à distinção analítico X sintético “As premissas epistemológicas do empirismo lógico desmoronaram e a única coisa que ficou, dessa grande aventura intelectual, foi o estímulo dado à ênfase sobre a importância da linguagem” (Ibáñez, 2004, p. 31). 5) Preocupação com a linguagem cotidiana: • Os filósofos de Oxford (Ryle, Grice, Austin) opunham -se rigorosamente ao cientificismo e ao positivismo que impregnavam a corrente logicista e a pretensão de construir uma linguagem ideal.
Corrigir imprecisões lógicas X entender mecanismos a riqueza da linguagem cotidiana ultrapassa a função descritiva. “a linguagem não é um simples veículo para expressar nossas ideias, nem uma simples roupagem para vestir nosso pensamento quando o manifestamos publicamente. Ela é a própria condição de nosso pensamento e, para entender esse último, temos que nos concentrar nas características da linguagem em vez de contemplar o suposto mundo interior de nossas ideias. Nosso conhecimento do mundo não se radica nas ideias que dele fazemos; ele abriga sim os enunciados que a linguagem nos permite construir para representar o mundo. ” (Ibáñez, 2004, p. 33).
A linguagem não só faz pensamento, como também faz realidades (Austin – Pragmática) A linguagem é um instrumento ativo na construção de muitos dos fenômenos que elas se propõem a estudar. ‘dizer é, também, sempre fazer’. A linguagem se instituía assim como ‘constitutiva’ das coisas, mais do que meramente ‘descritiva’ delas, deixando de ser palavra acerca do mundo para passar a ser ação sobre o mundo. A linguagem não só nos diz como é o mundo, ela também o institui; e não se limita a refletir as coisas do mundo, também atua sobre elas, participando de sua constituição. (Ibáñez, 2004, p. 39) É preciso entender todos os usos da linguagem se queremos entender nossa forma de pensar, de agir e de nos relacionarmos com outras pessoas – influencia várias abordagens psicológicas
Abordagens Construcionistas A investigação construcionista se preocupa “com a explicitação dos processos por meio dos quais as pessoas descrevem e explicam o mundo em que vivem” (Gergen, 1985) assumir uma perspectiva construcionista “implica, primeiramente, abdicar da visão representacionista de conhecimento que toma a mente como o espelho do mundo. . Em segundo lugar, implica adotar a perspectiva de que conhecimento é algo que as pessoas fazem juntas. Consequentemente, resulta numa socialização do conhecimento que passa a ser algo que construímos juntos por meio de nossas práticas sociais e não algo que apreendo do mundo. (Spink, 2004, p. 9).
Desconstruções 1) Dicotomia sujeito-objeto: tanto o objeto como o sujeito são tomados como construções sociais. Sendo o conhecimento uma construção social, é o conhecimento socialmente produzido que constrói ambos, o sujeito e o objeto. • pressupostos ontológicos: não existem objetos naturais: os objetos são como são porque nós somos como somos. • pressupostos epistemológicos: o conhecimento não representa a realidade – não é possível distinguir entre a nossa inteligência sobre o mundo como tal.
[…] quando se afirma que a realidade não existe a não ser como resultante de nossas práticas de construção da realidade e de todas aquelas características próprias (biológicas, sociais, etc. ) que conformam precisamente “nossa perspectiva”, se corre o risco de ser taxado como “idealista” e “solipista”. Por acaso não existem árvores? Por acaso não existem os raios e os trovões? Por acaso os trovões não ressoam nos céus, mesmo que eu seja surdo? Por acaso não há paranoicos e depressivos? É claro que tudo isso existe, com total independência do que possa pensar, dizer ou desejar qualquer um de nós individualmente considerado. No entanto, tudo isso existe porque nós os construímos como tal, coletivamente, através de um longo processo histórico intimamente relacionado com nossas características enquanto seres humanos. É o que somos, nos diversos planos que nos constituem (o biológico, o físico, o social etc. ), junto com o que fazemos (o que temos feito ao longo da história), que faz com que a realidade exista na forma em que ela existe efetivamente. A afirmação segundo a p. ser 258) qual a realidade não existe independentemente(Ibáñez, 2001, de nós pode
a) Todos sabemos […] que as cores não existem na natureza, e que somos nós que as cosntruímos em nossas cabeças por razoes estritamente imputáveis a nossa consformação sensorial. É claro que se nossa estrutura sensorial fosse de outro tipo, nem a neve seria branca, nem o mar seria azul. Como é, independetemente da forma pela qual a vemos e a conhecemos? A pergunta não tem resposta possível, entretanto, a afirmação de que “a neve é branca”constitui, sem dúvida, uma afirmação verdadeira. Mas não porque essa afirmação corresponde com a realidade, mas porque somos nós que fazemos com que seja verdadeira (“o que somos […] e “e as convenções que temos criado”). […] Até aqui parece que só estamos falando da velha questão das qualidades sensíveis secundárias, mas é verdade que se, ao invés de termos o tamanho que temos, tivéssemos o tamanho de um átomo sem que mais nada mudasse, as árvores tampoco existiriam? Algo diferente existiria em seu lugar e assim sucessitivamente. Bem, quero inistir sobre o fato de que afirmar que a realidade não existe independentemente de nós, o que é o mesmo que dizer que só há na realidade o que colocamos nela, não se está sugerindo que podemos conformar a realidade a nosso bel prazer e colocar nela o que quisermos. O que “somos”, social, biologica e fisicamente limita decisivamente o modo como podemos construir a realidade, mas é inegável que esta não vem dada, mas que a (Ibáñez, 2001, p. 258) construímos. É preciso abandoner o critério de uma realidade independente se
o Pressupostos metodológicos: postura desreificante, desnaturalizante, desessencializadora que radicaliza ao máximo a natureza social do nosso mundo vivido e a historicidade de nossas práticas (Spink, 2004). o Não é teoria – construcionismos no plural! o Hacking: o que todas as vertentes têm em comum é o pressuposto de que as coisas não são o que parecem ser
A surpresa, conclui ele, é que todos se movem ainda na dicotomia entre a aparência e realidade (ou essência) que foi introduzida por Platão e que recebe sua forma definitiva em Kant. Quais são as possíveis soluções deste dilema? . . . Há vários autores na Psicologia que buscam apoio no naturalismo crítico de Roy Baskar (1983) para quem o dilema construcionista pode ser resolvido pela distinção entre duas posturas complementares: o realismo ontológico e o construcionismo epistemológico. Ou seja, a existência de um mundo real (realismo ontológico) não é colocada em dúvida, mas o conhecimento é tomado como uma construção social (construcionismo epistemológico). Essa é uma possibilidade de conciliação que tem tido bastante aceitação na Psicologia. Já Hacking parece dar preferência à posição defendida por Searle, o qual, em seu livro intitulado A Construção Social da Realidade (que Hacking alerta nada tem a ver com construcionismo), argumenta que os fatos são ontologicamente subjetivos e epistemologicamente objetivos. Assim, os fatos seriam ontologicamente subjetivos quando dependem dos seres humanos e de suas práticas. Por exemplo, o aluguel de um apartamento existe porque existe uma prática social que institui tal aluguel. O aluguel não existiria se não existissem pessoas; se não existisse uma estrutura de propriedade que faz com que as pessoas aluguem propriedade. Entretanto, ele é epistemologicamente objetivo, porque está inserido numa realidade concreta: se você não pagar o aluguel, será despejado. ” (Spink, 2004, p. 12, 13).
2) Desconstrução da “retórica da verdade”: a verdade de nossas concepções, de nossas instituições, de nossas relações, de nossos acordos sociais. Desconstruir a retórica da verdade traz importantes implicações políticas. Se a verdade depende de nossas concepções, instituições, acordos e relações, ela pode ser mudada. “Basicamente, a postura construcionista é crítica do status quo: parte-se da premissa que X (sendo X um fenômeno social qualquer) não precisaria ter existido ou ser como é; não é determinado pela natureza das coisas; não é inevitável. Muitos construcionistas não param nesta primeira constatação. Vão além afirmando que esse X é intrinsecamente ruim; é negativo. Nesses casos há uma afirmação de valor explícita que pode levar ainda ao reconhecimento que estaríamos muito melhor se X não fosse assim. Em suma, embora toda a pesquisa construcionista parta do estranhamento daquilo que é familiar e socialmente instituído, pode ser desenvolvida com diferentes graus de compromisso com a transformação social. “ (Spink, 2004, p. 14).
Referências AUSTIN, J. L. How to do things with words. Cambridge: Harvard University Press, 1962. GERGEN, K. The social constructionist movement in modern Psychology. American Psychologist, v. 40 n. 3, p. 266 -275, 1985. Hacking, I. The social construction of what? Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1999. p. 1 -34. IBÁÑEZ, T. La construccion del conocimiento desde una perspectiva socioconstrucionista. In: Montero, M. (Org. ) Conocimiento, realidad e ideología. Caracas: Associacion Venezoelana de Psicología Social – AVEPSO, 1994. p. 39 -48. SPINK, M. J. Linguagem e produção de sentidos no cotidiano. Rio de Janeiro: Centro Eldelstein, 2010.
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