Alphonsus de Guimaraens O cachimbo Uma viso do
Alphonsus de Guimaraens O cachimbo Uma visão do tenebroso Limbo. Soturna e sepulcral, tens a teu lado: Por um artista foi este cachimbo À feição de caveira burilado. Vê tu, formosa, é um crânio em miniatura Onde tua caveira vou revendo: O vazio das órbitas fulgura, Sinistramente, quando à noite o acendo. E às vezes, quando o eterno ideal me abrasa O crânio, no cachimbo os olhos ponho: Há também dentro dele fogo e brasa, Sobe o fumo e desfaz-se como um sonho. E quando à noite o acendo, a sua boca Transparente e magoada se clareia: E ri-se, e eu rio ao vê-la, aberta e louca, Toda de beijos e de afagos cheia
O leito Ontem, à meia-noite, estando junto A uma igreja, lembrei-me de ter visto Um velho que levava às costas isto: Um caixão de defunto. O caso nada tem de extraordinário. Quem um velho a levar um caixão tal Inda não viu? É um fato quase diário Em qualquer bairro de uma capital. Mas é que ia de modo tal curvado Para o chão, e a falar tão baixo e tanto, Que, manso e manso, e trêmulo de espanto, Fui seguindo a seu lado. Disse-lhe assim: “Talvez seja demência Quem guie os passos todos que tu dês; Ou és então, na mísera existência, Um miserável bêbedo, talvez. ” O olhar fito no chão, como desfeito Em sangue, o velho, sem me olhar, seguia. E ouvi-lhe a única frase que dizia: — “Vou levando o meu leito. ”
XXIV. Canção XXV. Canção Quando os teus olhos, senhora, Repoisam no meu olhar, Fica mais formosa a aurora, Mais formoso fica o luar. Quando em teus olhos reluz O carinho de uma prece, Se é dia, o sol tem mais luz, Se é noite, logo amanhece Quando sorrir-me eu te vejo Com teu sorriso sem par, A ave santa do meu beijo Vai adejando pelo ar. Vai adejando, e conduz O seu voo, semilouca, Para o ninho todo em luz Que existe na tua boca… Nasci poeta. Que queres? Hei de viver a cantar Farei versos às mulheres Ao sol, à noite, ao luar. Envolto na minha capa, Viverei no meu jardim, Nossa Senhora da Lapa Há de sorrir para mim. Pois ela sabe que esta alma É mais pura que uma flor. Vive tão calma, No sonho do meu amor! Nas asas da fantasia, Para meu bem ou meu mal, Hei de viver noite e dia, Até morrer afinal…
Cruz e Sousa Em fundo de tristeza e de agonia O teu perfil passa-me noite e dia Aflito, amargamente aflito, Gesto estranho que parece um grito. (. . . ) Mas, de repente, eis que te reconheço, Sinto da tua vida o amargo preço. Eis que te reconheço, escravizada, Divina Mãe, na Dor acorrentada. Que reconheço a tua boca presa Pela mordaça de uma sede acesa. Presa, fechada pela atroz mordaça Dos fundo desesperos da Desgraça. (. . . ) (“Pandemonium”)
Acrobata da dor Gargalha, ri, num riso de tormenta, Como um palhaço, que desengonçado, Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado De uma ironia e de uma dor violenta. Da gargalhada atroz, sanguinolenta, Agita os guizos, e convulsionados Salta, gavroche, salta clown, varado Pelo estertor dessa agonia lenta. . . Pedem-te bis e um bis não se despreza! Vamos! Retesa os músculos, retesa Nessas macabras piruetas d’aço. . . E embora caias sobre o chão, fremente, Afogado em teu sangue estuoso e quente, Ri! Coração, tristíssimo palhaço.
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