A Educao Brasileira antes de 1964 LES 0266
A Educação Brasileira antes de 1964 LES 0266 - Política e Organização da Educação Brasileira Luciana B. Jacob
Panorama Os anos 1950 e 1960 foram marcados por um intenso debate sobre a educação brasileira. Muitos intelectuais e movimentos sociais formularam propostas para a organização de um sistema nacional de ensino mais democrático e popular, que superasse as desigualdades socioculturais, formasse cidadãos conscientes de seus direitos e preparados para desafios econômicos. O Brasil era considerado uma pátria “mal-educada”, com índices de analfabetismo alarmantes. A polarização política que antecedeu ao golpe de 1964 também atingiu a educação. A sociedade brasileira fervilhava com projetos educacionais humanistas e inovadores que, mais tarde, sofreram diretamente os impactos da repressão.
O fim do Estado Novo No fim da Era Vargas e começo do governo de Eurico Gaspar Dutra foram decretadas as primeiras “leis orgânicas” da educação. Formuladas diretamente pelo poder Executivo, tais leis estabeleciam as diretrizes do novo sistema nacional de ensino, seus ciclos, objetivos e currículos. Além disso, dividia-se de maneira nítida o ensino das elites do ensino das massas trabalhadoras, concebendo dois tipos “complementares” de cidadãos, como pregava a ideologia trabalhista de Vargas: de um lado, uma elite industrial, ilustrada e culta e de outro, um trabalhador ordeiro e saudável. Essa “divisão social da educação” se estendeu pelas décadas seguintes.
Nova Constituição e a LDB Com a queda do Estado Novo, foi elaborada uma nova Constituição Federal, sancionada pelo presidente Dutra, em 1946. Nela, previa-se a elaboração de uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que reformulasse o sistema nacional de ensino pelo poder Legislativo. A primeira LDB só foi aprovada em 1961, após 13 anos de debates deflagrados nas universidades, nos institutos de pesquisa, nos movimentos sociais e nos corredores do Congresso Nacional. A Lei Orgânica do Ensino Primário (1946) determinava sua obrigatoriedade e gratuidade. Entretanto, essa determinação não era cumprida, devido ao número insuficiente de escolas, à deficiência do ensino e à pobreza da população brasileira. Sem condições de vestir e alimentar seus filhos e não podendo prescindir do trabalho dos jovens para complementar a renda, muitas famílias não conseguiam evitar a evasão escolar.
Nova Constituição e a realidade brasileira Os currículos, os conteúdos e os livros didáticos para os níveis primário e médio eram definidos por decisões governamentais que deveriam ser cumpridas pelas escolas públicas ou privadas. A Constituição de 1946 determinava também o investimento de 10% do orçamento público da União e 20% do orçamento dos estados com educação. Porém, nem a União, nem os estados atingiam essa meta. Em 1950, quase metade da população brasileira com 15 anos de idade era analfabeta, ou seja, autodeclarada incapaz de ler e escrever “pelo menos um bilhete simples”.
Nova Constituição e a realidade brasileira Em uma sociedade de fortes desigualdades econômicas e regionais, os índices eram maiores entre os mais pobres, nas regiões Norte e Nordeste, e na zona rural, onde viviam cerca de 60% dos brasileiros. Entre os estudantes, a evasão escolar também era altíssima: apenas 15% dos matriculados na 1ª série conseguiam concluir o curso primário, às vezes depois de muitas repetências. Ao final dos anos 1950, metade das crianças em idade escolar estava fora do sistema. Ainda que a função do ensino primário fosse a simples alfabetização, ele não cumpria o seu objetivo.
A LDB DE 1961 E A CAMPANHA EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA Até outubro de 1948, a primeira LDB não passava de um anteprojeto que dormitava nas gavetas da presidência da República. Quando finalmente o presidente Dutra decidiu enviá-lo ao Congresso, os parlamentares não lhe deram atenção. Somente nove anos mais tarde, em dezembro de 1957, a LDB entrou na ordem do dia com a apresentação de um projeto substitutivo ao que havia sido encaminhado pelo presidente, de autoria do deputado liberal Carlos Lacerda, da UDN (União Democrática Nacional). Começava aí uma intensa movimentação entre intelectuais, estudantes universitários, políticos e movimentos sociais em torno das diretrizes e bases da educação, que teve como ápice a Campanha em Defesa da Escola Pública liderada por educadores, como Anísio Teixeira Fernando de Azevedo, Laerte Ramos de Carvalho, Roque Spencer Maciel de Barros e Florestan Fernandes. Mobilizado em escolas, pelos jornais, junto aos deputados e em caravanas populares pelo país, o movimento levantou-se contra o caráter privatista do projeto de Lacerda, que atendia aos interesses de grupos confessionais e empresariais. Entre várias ações, em 1959 os intelectuais fizeram circular o manifesto “Mais uma vez convocados”, em referência à continuidade do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, de 1932. Nele defendiam a escola pública, gratuita e laica como fator indispensável para a construção da sociedade democrática.
Mobilização pela LDB Denunciavam que o termo “liberdade do ensino” escondia o desejo dos empresários pela “liberdade de comerciar à custa do ensino”. Apesar das fortes mobilizações contrárias, o projeto de Carlos Lacerda foi vitorioso sem maiores alterações, tornando-se a LDB 4. 024/61 e consagrando os interesses privatistas. Entre suas disposições, a lei declarou a educação como direito do cidadão, mas não assumiu o compromisso de provê-la a todos. Além disso, favoreceu a iniciativa privada por meio de subvenções e financiamento para a construção, reforma e aquisição de equipamento para escolas. Ignorando as pautas dos estudantes para a reforma do ensino superior, a lei estabeleceu como diretrizes a flexibilização dos cursos, a previsão de instalação de institutos de pesquisa, a autonomia universitária, a constituição das universidades públicas como autarquias ou fundações e das particulares como fundações ou associações.
João Goulart e a LDB O presidente João Goulart vetou parcialmente a lei, com destaque para dispositivos que considerava inconstitucionais ou contrários aos interesses nacionais. Os vetos de Jango deixavam claro, em especial, sua preocupação com as possíveis consequências negativas da aplicação da lei. Por exemplo, a que obrigaria as professoras do ensino primário a prestar exames para a aferição de suas competências. Jango observou que a imposição do exame afugentaria do magistério “as pessoas que não alcançam os níveis desejáveis de qualificação, mas são, muitas vezes, as únicas disponíveis”, levando ao agravamento do já deficiente atendimento do ensino primário. Em lugar de um exame de “qualificação”, sugeria a realização de programas de formação continuada do magistério em exercício, a elaboração e difusão de materiais de ensino, guias e instruções para apoiar a docência dos “professores improvisados”. Jango combateu o analfabetismo com a multiplicação nacional das pioneiras experiências do Método Paulo Freire.
GOLPE MILITAR DE 31 DE MARÇO DE 1964
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